USP transfere curso de viola caipira do interior para o campus paulistano

Duas vagas serão oferecidas no próximo vestibular para a capital, onde há maior procura

sex, 12/09/2008 - 9h51 | Do Portal do Governo

A viola caipira chegou ao campus paulistano da USP, onde será tema do curso de bacharelado em música. Por estranho que pareça, as duas vagas abertas no vestibular de 2009 da instituição para a formação no instrumento são oriundas de Ribeirão Preto, por que a demanda por elas na metrópole é maior do que a de lá.

É o que conta o coordenador do único bacharelado de viola caipira do Brasil e do mundo, Ivan Vilela. “Embora o instrumento esteja vinculado à cultura do interior do Estado, em cursos e outros eventos sobre a viola caipira que realizamos, verificamos que havia muito interesse de pessoas da capital pelo instrumento”. A explicação para isso, segundo ele, é que a cidade de São Paulo é um grande depositário da cultura caipira, por receber muita gente que abandonou o campo.

Além disso, ele considera que outro motivo é o fato de existir um crescente interesse pelo instrumento, causado pela globalização cultural. “O apego às culturas locais é uma reação natural de resistência à massificação de hábitos”, discorre. Vilela explica que a própria criação do curso em Ribeirão Preto, há quatro anos, teve origem nesse fato.

A integração dele ao campus da capital é bem vista pelo coordenador, por permitir o contato dos alunos com professores dos cursos de humanidades, como antropologia e sociologia, por exemplo, presentes apenas nele. “O estudo do folclore é normalmente interessante a quem pratica o instrumento e importante para o seu entendimento”, diz. Os dois primeiros bacharéis em viola caipira se formam em Ribeirão Preto este ano. E o curso continua a existir por lá até os seus seis alunos o concluírem.

Resgate da viola

A viola é tão afeita ao povo brasileiro que é conhecida por vários nomes que a identificam com a nação, como viola caipira, nordestina, de festa, de arame, de feira, sertaneja, brasileira, entre outros. Todas são descendentes diretas da guitarra latina que, por sua vez, tem origem arábico-persa. Bastante popularizada na época dos grandes descobrimentos, séculos 15 e 16, tornou-se instrumento largamente difundido pelo povo em Portugal.

Por isso, chegou ao Brasil pelas mãos dos colonizadores e, de acordo com Vilella, que também é pesquisador, o instrumento foi se aninhando nos interiores e integrando a musicalidade já presente em suas cordas com a sonoridade existente na nova terra. “Aos poucos, a viola vai se tornando a principal porta-voz do homem do campo no Brasil”, relata.

Diversidade cultural – Ambientada principalmente nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, encontra seu maior desenvolvimento rítmico nas duas últimas, justamente o ambiente dos caipiras. Conta Villela: “Das nove afinações advindas de Portugal, algo como 15 outras aqui se desenvolveram. Isso denota, possivelmente, imensa musicalidade e criatividade deste homem rural brasileiro que, tendo as mãos duras da lida no campo com instrumentos como a foice e a enxada, dispõe as cordas de uma maneira que com um ou dois dedos ele acompanha a maioria das músicas que compõem o seu repertório”.

O professor ressalta que a expressividade da viola na tradição musical caipira foi tanta que até recentemente o instrumento, no Brasil, era totalmente associado a ela. “Com o crescimento das cidades e sua evidente oposição aos valores do campo, se desenvolveram estigmas e preconceitos que relegaram a cultura caipira a um estado depreciativo, a ponto de a viola, um dos ícones dessa cultura, ter ficado por anos a fio associada somente à música e cultura caipiras”, explica.

Mas pondera que a globalização e a desilusão com o “mundo da cidade grande têm motivado, desde a década de 1990, o desenvolvimento de uma idéia crescente de preservação da diversidade cultural. Essas contingências fizeram com que se começasse a resgatar os valores da cultura caipira. O uso da viola, que diminuíra consideravelmente nos anos 1970 e 1980, voltou com força renovada nos anos 1990”, diz. E completa: “Surgiram inúmeros instrumentistas vindos de outros segmentos musicais, como a música instrumental brasileira e a erudita, que tomaram a viola e começaram a dar a ela um novo uso. Isso fez com que se tornasse um instrumento de uso universal como outros”.

Cordas em pares

Semelhante a um violão, a viola é um pouco menor e tem na disposição das cordas uma apresentação bem específica: 10 cordas, em 5 pares. “Curioso observarmos que essa viola mantém uma característica básica de seu velho ancestral, o e’ud: as cinco ordens de cordas”, comenta o professor. Ele se refere ao instrumento de origem persa que chegou à Europa por meio da invasão sarracena, no ano de 711, e que, de acordo com sua pesquisa, “é o pai de todos os instrumentos de cordas dedilhadas com um braço, onde se possa modificar as notas”.

Simone de Marco, da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)