USP testa resistência à radiação sem utilizar um reator nuclear

Técnica avançada de microscopia eletrônica simula os efeitos causados pela radiação no revestimento dos reatores

seg, 11/02/2019 - 15h43 | Do Portal do Governo

O acidente na central nuclear de Fukushima, em 2011, no Japão, levou os cientistas a buscar materiais para os reatores mais resistentes aos danos severos causados pela radiação. Um dos materiais é o nitreto de titânio, composto cerâmico testado em uma pesquisa internacional com participação da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP).

Por meio de uma técnica avançada de microscopia eletrônica, o efeito da radiação é simulado sem necessidade de produzir uma reação nuclear, o que reduz o custo dos experimentos. O método usado no experimento é descrito em artigo do Journal of Nuclear Materials.

Os reatores nucleares possuem uma câmara em que são inseridas varetas metálicas com o combustível nuclear e o material que controla a intensidade da reação entre as partículas dos átomos, que leva à geração de energia.

“A radiação produzida na reação pode danificar o revestimento do combustível e comprometer o reator”, conta o professor Claudio Schön, da Poli, um dos autores do artigo. “Em Fukushima, o revestimento era feito de zircaloy, uma liga metálica com zircônio. O vapor de água presente na câmara do reator reagiu com o zircônio, produzindo hidrogênio molecular, que se acumulou e causou uma explosão”, acrescenta.

Desde então, segundo o docente, a comunidade científica busca soluções para evitar novos acidentes como esse. Uma das propostas é a adição de um filme fino sobre o zircaloy. Para essa finalidade, o Laboratório Nacional de Oak Ridge (Estados Unidos) estuda o nitreto de titânio, e um dos pesquisadores envolvidos é o primeiro autor do artigo, o físico Matheus Tunes, formado no Instituto de Física (IF) da USP.

Análises

Na Poli, o doutorando Felipe Carneiro da Silva, orientado por Claudio Schön, pesquisa as propriedades mecânicas dos filmes finos de nitreto de titânio. A partir dos estudos de Carneiro da Silva, o físico testou o material nos laboratórios da Universidade de Huddersfield (Reino Unido).

O nitreto de titânio foi observado em um microscópio de transmissão, acoplado a um acelerador de partículas. “A radiação é simulada por um feixe de íons de xenônio (gás nobre) que, ao se chocar com as partículas do material testado, simula o dano causado pela radiação do combustível nuclear”, explica Claudio Schön.

“Se a simulação fosse feita em um reator nuclear, além do custo mais elevado e da dificuldade de controlar a reação, todo o material potencialmente se tornaria radioativo, o que não acontece com essa técnica”, completa.

As análises demonstraram que o nitreto de titânio não é um material adequado para revestir o combustível nuclear. “Os testes identificaram dois processos que comprometem o desempenho da liga. Um deles é a segregação induzida por radiação, em que a energia envolvida na reação faz os átomos de titânio se concentrarem em defeitos cristalinos do material”, descreve o professor.

“O outro é o aparecimento de cavidades e bolhas, que crescem rapidamente ao receberem o nitrogênio existente no composto, causando um inchamento que é ruim para a operação do reator”, diz.

Destaque internacional

As pesquisas com reatores dentro da USP não vêm de hoje. Em 2018, por exemplo, a tese de doutorado de Vinícius Njaim Duarte sobre o comportamento de ondas que afetam a continuidade de reações de fusão, prejudicando a eficácia na produção de energia, ganhou o mundo após a publicação na revista Physics of Plasmas.

A repercussão foi tanta que a empresa General Atomics, que opera a maior máquina dedicada a estudos sobre fusão magnética dos Estados Unidos, realizou experimentos para testar as predições do modelo de Duarte, por meio do uso de uma máquina conhecida como “tokamak”.

Trata-se de um protótipo experimental de reator de fusão nuclear, dentro do qual se confina, em uma câmara de vácuo, um gás composto de isótopos de hidrogênio, sob a forma de plasma (quando se aquece um gás neutro a temperatura muito elevada, obtendo íons e elétrons).

Segundo Duarte, o que se observa em máquinas tokamak é que essas ondas “interagem com uma certa população de íons altamente energéticos, presentes no plasma”. Quando a interação foge do controle, as partículas são expelidas do plasma e esse fenômeno “é muito indesejável, porque é necessário manter as partículas do plasma bem confinadas”, preservando a autossuficiência do reator.