USP: Substância extraída do veneno da cascavel pode ser usada para tratar dor de câncer

A principal vantagem em relação à morfina é que ela apresenta um efeito de maior duração e não causa dependência

sex, 03/02/2006 - 12h50 | Do Portal do Governo

Uma substância denominada ENPAK (endogenous pain killer), extraída do veneno da cascavel, pode se tornar uma opção ao uso da morfina no tratamento de dores decorrentes do câncer. Os pesquisadores envolvidos no projeto já sintetizaram a substância, que recebeu o nome de CNF021.03. A principal vantagem em relação à morfina é que ela apresenta um efeito de maior duração e não causa dependência ou tolerância.

A fase de caracterização do efeito analgésico do veneno e o isolamento e a caracterização da substância responsável por este efeito foram realizados no Laboratório de Fisiopatologia do Instituto Butantan. A pesquisa contou ainda com a colaboração do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), que faz parte dos Centros de Pesquisa, Difusão e Inovação (Cepids) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Atualmente, na fase de desenvolvimento de ensaios pré-clínicos e clínicos, o projeto está sob a responsabilidade do COINFAR (Consórcio de Indústrias Farmacêuticas) que reúne os laboratórios Biolab/Sanus, União Química e Biosintética/Aché.

Os pesquisadores apresentaram o ENPAK para o COINFAR em 2003. Atualmente o consórcio financia os testes pré-clínicos (em animais) com o CNF021.03. “Ainda não sabemos se a substância causa algum efeito tóxico, se há efeitos colaterais sobre o sistema cardiorespitatório e o Sistema Nervoso Central, ou como ela é excretada pelo organismo”, conta a pesquisadora do Instituto Butantan, Yara Cury, responsável pelo projeto.

Bloqueio da dor e regressão tumoral

A bióloga Patrícia Brigatte comprovou, em seu doutorado, o efeito antinociceptivo (terminologia usada para medir a dor em animais sem o componente emocional) do veneno sobre a dor de câncer, por meio de modelos experimentais de comportamento animal. O estudo, apresentado em setembro de 2005 na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, teve a orientação da pesquisadora Yara Cury.

Patrícia testou o efeito do veneno bruto e do CNF021.03 no bloqueio da hiperalgesia (aumento da sensibilidade à dor), em ratos com tumor de Walker 256 nas patas. Em outro teste, foi mensurada a dor em resposta a um estímulo tátil (alodinia) desses animais. A pesquisadora verificou ainda o tempo de lambida e levantamento de pata (dor espontânea) dos roedores com câncer. “Tanto o veneno bruto como o CNF021.03 reverteram a hiperalgesia, a alodinia e a dor espontânea, fenômenos encontrados em pacientes com dor de câncer”, descreve.

A pesquisadora também realizou experimentos que comprovaram que a crotoxina – toxina que representa 60% do veneno bruto da cascavel e que não tem relação com o CNF021.03 – age na regressão de tumores. “Mas ainda é necessário ampliar os estudos porque não sabemos ainda exatamente como a crotoxina interfere no desenvolvimento do tumor”, afirma a bióloga

Vital Brasil

As pesquisas envolvendo o veneno da cascavel começaram na década de 1930, com o médico Vital Brasil. Ele soube que, nos Estados Unidos, havia alguns estudos sobre o efeito analgésico do veneno de serpentes do gênero Naja.

O cientista propôs a utilização semelhante para o veneno de Crotalus durissus terrificus (cascavel), uma vez que o veneno desta serpente, da mesma maneira que o veneno de Naja, é neurotóxico (possui uma toxina que se liga a junção neuro-muscular, podendo causar paralisia respiratória). “Cabe ressaltar que, na época, acreditava-se que uma neurotoxina, encontrada em ambos os venenos, era a responsável pelo efeito analgésico”, comenta a pesquisadora Yara Cury.

Vital Brasil passou a diluir o veneno de cascavel e enviar as ampolas para médicos do Brasil e do exterior. Esses médicos aplicavam as ampolas em seus pacientes, que relatavam melhora na dor e, em algumas vezes, regressão do tumor. Somente a partir da década de 1990, o veneno da cascavel voltou a ser estudado pelo grupo liderado por Yara Cury.

Agência USP