USP: Pesquisa mostra que vítimas de seqüestro podem desenvolver transtornos psíquicos

Ao contrário do que se pensa, as duas modalidades de seqüestro (em cativeiro ou relâmpago) causam o mesmo dano em vítimas adultas

ter, 05/12/2006 - 11h53 | Do Portal do Governo

Passar por uma situação de seqüestro muda para sempre a vida da vítima, como mostra um estudo realizado na Faculdade de Medicina (FM) da USP. O grau de estresse de pessoas que sofreram esse tipo de crime e desenvolveram transtornos psíquicos decorrentes é muito alto. Ao contrário do que se pensa, ambas as modalidades de seqüestro (em cativeiro ou relâmpago) causam o mesmo dano em vítimas adultas.

O médico Eduardo Ferreira-Santos, autor da tese de doutorado sobre o tema, explica que existem dois tipos de transtornos que podem ser desenvolvidos nessa situação. O primeiro, imediato, chamado de Transtorno de Estresse Agudo (TEA) tende a durar um mês e depois não se manifesta mais. Já o segundo, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), surge geralmente dois meses depois do ocorrido. “Ele é causado por um quadro reativo, uma resposta à brutalidade e à violência que causam uma falha no sistema de defesa da pessoa. É o tipo mais grave. Se não for tratado, pode evoluir para quadros de depressão e ansiedade permanentes”, alerta.

O médico enfatiza a gravidade do problema e o descaso das autoridades e da sociedade em relação às vítimas de seqüestro no Brasil, que não recebem o apoio e a atenção necessários. “Temos uma cultura de proteger os bandidos que cometem esse tipo de crime. Porém, esses delitos de alta perversidade não têm ligação com a exclusão social e o desemprego”, avalia o pesquisador. “Quem o comete já tem essa característica perversa. Na maioria das vezes são criminosos recorrentes, com extensa folha corrida.”

Ferreira-Santos trabalhou com 81 pacientes que haviam sido seqüestrados e que buscaram tratamento no Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da FM, onde ele é médico supervisor. Inicialmente, foi aplicado um questionário para confirmar o diagnóstico do transtorno pós-traumático, com perguntas sobre os sintomas do quadro. “É importante essa abordagem inicial sutil, pois se pressionadas, pessoas que passaram por situações traumáticas mas não desenvolveram transtornos podem fazê-lo, piorando o quadro”, conta.

Depois, os pacientes responderam a questionários para identificar a gravidade do problema, quantificando os sintomas, avaliando o impacto do evento na vítima e, finalmente, o estresse. Nos 41 homens e 40 mulheres entre 18 e 80 anos, o grau de estresse encontrado foi muito elevado, aproximando-se dos valores encontrados nas maiores situações que o desencadeiam (perda de filho e de cônjuge). O processo também foi aplicado num grupo de controle, com 41 pessoas sem históricos de seqüestro nem de grandes traumas. Elas apresentaram estresse baixo, o que valida os resultados.

O tratamento pode curar o transtorno e tirar a angústia, mas as cicatrizes ficam para sempre. Por isso, a importância de mostrar o descaso com as vítimas e oferecer meios de mudança. Isso pode também ajudar em uma tendência ainda fraca no Brasil, mas bastante presente nos Estados Unidos: o pedido de indenização ao governo ou ao próprio agressor. “Com esses dados, psiquiatras forenses podem juntar argumentos que comprovem os prejuízos e a necessidade de reparo” conclui o médico.

O Serviço de Psicoterapia do IPq atende gratuitamente a população, sem discriminação sócio-econômica, e fornece além das terapias, medicação quando necessária. O telefone é (11) 3069-6576.

Mais informações: email efsantos@hcnet.usp.br, com o pesquisador; (11) 3069-6576, no Serviço de Psicoterapia do IPq, ou site http://www.ferreira-santos.med.br

Da Agência USP