USP pesquisa avanços no transplante de útero contra a infertilidade

Mulheres que não conseguem ter filhos deverão passar pelo procedimento médico e tentarão seguir com uma gestação

qui, 17/01/2019 - 12h56 | Do Portal do Governo

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) está prestes, nos próximos meses, a registrar mais avanços em relação à ginecologia nacional. Caso os prognósticos se confirmem, duas mulheres de 30 e 35 anos que não conseguem ter filhos deverão se submeter a um transplante de útero de doadoras mortas no Hospital das Clínicas (HC) da faculdade e tentarão engravidar.

Vale lembrar que a expectativa ocorre em razão dos bons resultados do primeiro transplante do tipo realizado pela equipe do Departamento de Gastroenterologia. A garota que nasceu 15 meses depois dessa cirurgia bem-sucedida completou um ano em 15 de dezembro de 2018. O parto da garota ocorreu com 36 semanas, por cesariana.

Ineditismo

O transplante de útero de doadora morta realizado na USP foi o primeiro com sucesso no mundo, depois de cerca de dez tentativas, com a mesma abordagem, nos Estados Unidos, Turquia e República Checa. Com doadoras vivas, desde 2013, houve 39 transplantes, resultando em onze bebês nascidos vivos.

À medida que alcançar uma escala mais ampla e for validado como modalidade terapêutica pelo sistema público de saúde, o procedimento poderá em uma alternativa de tratamento para a infertilidade, que afeta de 10% a 15% das mulheres.

A mulher de 32 anos que passou pelo transplante no HC, em 20 de setembro de 2016, não tinha o órgão por causa de uma síndrome conhecida como Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser, embora os ovários produzissem óvulos. A doadora havia tido três filhos de partos naturais e morrido de hemorragia cerebral aos 45 anos.

A receptora menstruou pela primeira vez 37 dias após o transplante e, dois meses depois, engravidou, por meio da transferência do embrião. Uma das contribuições científicas do trabalho foi indicar que o implante do embrião poderia ser feito antes de completar um ano do transplante de útero, período aguardado por outras equipes com doadoras vivas, o que reduz os custos de medicamentos e os cuidados médicos.

Impantação

O útero implantado não sofreu rejeição após o transplante nem durante a gestação e foi retirado após o parto para que a mulher pudesse parar de tomar os medicamentos imunossupressores e amamentar, de acordo com o artigo publicado pela equipe do HC, em 4 de dezembro de 2018, na revista científica “The Lancet”.

“O útero é um órgão bastante resistente. O risco de dar problemas parece baixo”, ressalta o cirurgião Wellington Andraus, coordenador do serviço de transplante de fígado do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP.

O trabalho, coordenador ao lado do ginecologista Dani Ejzenberg, também da USP, indicou que o órgão, em formato de pera, pode se manter em bom estado por oito horas depois de retirado da doadora. Trata-se do mesmo tempo que outros órgãos, como fígado e pâncreas, e quase o triplo do que o coração.

“O fato representa um grande avanço para a ginecologia e a obstetrícia brasileiras, ainda que as indicações sejam bastante limitadas”, avalia o cirurgião fetal Antonio Moron, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que não participou da iniciativa. Esse tipo de transplante é indicado para mulheres sem útero, em razão de problemas congênitos ou cirurgias.

Histórico

Em 2015, um artigo na “The Lancet” descreveu o primeiro transplante de útero com doadora viva, realizado em fevereiro de 2013, e o parto de um bebê em setembro de 2014, ambos realizados por um grupo da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Depois de ler o trabalho, a ginecologista Dani Ejzenberg perguntou ao cirurgião Wellington Andraus se não poderiam trabalhar juntos para fazer esse tipo de transplante.

“Desde o início, achei que era um assunto inovador e merecia atenção especial”, destaca o cirurgião Luiz Carneiro D’Albuquerque, professor da Faculdade de Medicina da USP e chefe da Divisão de Transplantes de Fígado e Órgãos do Aparelho Digestivo do HC.

O grupo preferiu trabalhar com doadoras falecidas, com base no programa brasileiro de doação de órgãos de pessoas mortas. A iniciativa viabilizou a captação de 3.625 rins, 1.485 fígados, 266 corações e 31 pâncreas de janeiro a setembro de 2018, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (Abto). Além disso, a retirada do órgão seria mais rápida e de custo menor do que com doadoras vivas.

A equipe brasileira apresentou os resultados do trabalho em setembro de 2017 em um congresso em Gotemburgo. Em dezembro, uma semana antes do nascimento da menina em São Paulo, médicos da Universidade de Dallas, nos Estados Unidos, anunciaram o primeiro parto nas Américas de um bebê (um garoto) nascido após o transplante de útero de uma doadora viva.

A falta de doadoras vivas ou mortas, com idade até 45 anos e que já tenham tido filhos, como prova da fertilidade do útero, persiste como um dos problemas a serem enfrentados. De acordo com o cirurgião Luiz Carneiro D’Albuquerque, depois de acumular mais casos bem-sucedidos, outra batalha será a incorporação da cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS).