USP e Unicamp desvendam 100 anos de segredos do cinema japonês no Brasil

Mostras contam a saga do imigrante japonês no País

ter, 05/08/2008 - 9h28 | Do Portal do Governo

A realidade japonesa retratada em todos os seus aspectos é a proposta dos festivais de cinema que a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (Unicamp) realizam neste mês. A mostra Nikkeis no Brasil – Olhares sobre 100 anos de imigração japonesa (USP) e Hanami: Ciclo de cinema japonês contemporâneo (Unicamp) exibem dois universos distintos que se complementam. Da saga do imigrante japonês no Brasil passando por temas como globalização e sociedade contemporânea, as duas mostras fazem parte das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa. Além das sessões serão realizados debates com os produtores dos filmes e pesquisadores.

Nikkeis no Brasil apresenta películas produzidas por imigrantes e seus descendentes e retrata a questão da identidade. Hanami é formada exclusivamente por filmes produzidos no Japão. Alguns só têm a legenda em inglês, já que não foram trazidos daquele país pelos organizadores do evento e não entraram no circuito nacional.

A mostra Nikkeis no Brasil (4 a 15 de agosto) integra a programação do Simpósio internacional migrações e identidades: conflitos e novos horizontes e faz parte do projeto O Cinema no Centenário da Imigração Japonesa.

O simpósio na USP começa hoje e vai até quinta-feira, e na Universidade de Osaka, entre os dias 26 e 29 de agosto. O ciclo presta homenagem aos cineastas Hikoma Udihara e Yppe Nakashima, um dos pioneiros do cinema de animação no Brasil. No programa serão exibidos seis filmes curtos (silenciosos) realizados por Udihara, dentre os quais o filme sobre a cidade de São Paulo de 1927. Serão mostrados ainda filmes curtos produzidos por Udihara na década de 1950, a comemoração do 50º aniversário da imigração japonesa no Parque do Ibirapuera (São Paulo) e apresentações de grupo de dança e de atletas japoneses no norte do Paraná.

Difusão pública – Em dez programas, serão exibidos 29 curtas e longa-metragens produzidos nos últimos 80 anos que abordam a experiência da imigração japonesa no Brasil. Filmes caseiros, cinejornais, filmes ficcionais e documentários realizados pelos imigrantes, seus descendentes e por produtores não-nikkeis. Hanami: Ciclo de cinema japonês da Unicamp faz parte das atividades do Encontro Cultural Brasil – Japão daquela universidade, que será exibido neste mês e em setembro na Casa do Lago.

“A idéia da apresentação da mostra Nikkeis surgiu durante as minhas pesquisas para o meu mestrado em Antropologia”, informa Alexandre Kishimoto, curador do evento. Ele descobriu raridades ao entrevistar os antigos freqüentadores dos cinemas do bairro da Liberdade. O projeto O Cinema no Centenário da Imigração Japonesa visa a pesquisar, desenvolver e tornar público um acervo multimídia de referência relacionado à filmografia japonesa e à história da imigração japonesa nas Américas. O acervo faz parte da videoteca pública do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP e destina-se a pesquisadores, estudantes, educadores e público em geral. De acordo com Kishimoto, “as mostras de cinema e vídeo, como a Nikkeis no Brasil, são uma forma de difusão pública das obras do acervo e uma oportunidade de discuti-las coletivamente”.

Nikkeis e dekasseguis – O pesquisador informa que foi realizado um primeiro levantamento das obras audiovisuais relacionadas à imigração japonesa no Brasil entre curtas e longa-metragens ficcionais, documentários e produções em vídeo. “Conseguimos obter cerca de 40 títulos produzidos entre 1970 e 2008. Com o apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP ao projeto, o trabalho intensificou-se e foi feita uma pesquisa na Cinemateca Brasileira, que permitiu o mapeamento de parte do material audiovisual mais antiga, produzida em película (16 mm e 35 mm). Nesta segunda etapa foram identificados 60 títulos realizados entre 1908 e 1973”.

O levantamento constatou que em um século da imigração japonesa no País foram produzidos mais de 100 filmes e vídeos que abordam a experiência nikkei no Brasil e, mais recentemente, a experiência dos brasileiros (dekasseguis) no Japão. Kishimoto explicou que alguns filmes mais antigos são inacessíveis. Outros não existem mais ou desapareceram. E um terceiro grupo se constitui de cópias em película cujo estado de conservação não permite sua circulação.

Segunda geração – O primeiro filme que registra a imigração japonesa no Brasil é Japoneses apanhando café nas fazendas paulistas, de 1908. Produzido pelo governo do Estado de São Paulo, foi lançado numa exibição ao ar livre no Jardim da Luz (capital paulista), no dia 8 de setembro de 1908, quase três meses após a chegada do navio Kasato Maru.

Na década de 1920, surgem alguns filmes curtos como A sericultura, O bicho da seda (1923) sobre a introdução da cultura do bicho-da-seda na cidade de Barbacena (MG), com o apoio do governo japonês. O cinejornal Rossi Atualidades noticia em 1927 o batismo de 141 japoneses na Igreja de São Gonçalo, próxima à Rua Conde de Sarzedas (primeira região de concentração dos imigrantes japoneses na capital paulista) e Panorama da cidade de São Paulo, filme caseiro produzido por Hikoma Udihara, em 1927.

O ano de 1973 marca o início das atividades de duas importantes cineastas nikkeis atuantes no Brasil (Tizuka Yamazaki e Olga Futemma), ambas da segunda geração e cujos filmes são um convite a reflexões sobre a trajetória dos antepassados e a identidade de seus descendentes. Naquele ano, Tizuka dirige Bon Odori e Olga realiza o documentário Sob as pedras do chão.

A questão dos dekasseguis é abordada nos documentários Dekassegui (2007), curta-metragem de Roberto Maxwell, um exercício de linguagem na fronteira entre ficção e documentário; e Permanência (2006), documentário de Hélio Ishii sobre as crianças e jovens brasileiros que cresceram no Japão. O documentário Do Brasil ao Japão (2008), de Aaron Litvin e Ana Paula Kojima Hirano, acompanha por meses e anos a vida de algumas famílias brasileiras no Japão. Um debate com Hélio Ishii, Aaron Litvin e Ana Paula Hirano será realizado no próximo dia 13.

Tradição e modernidade – A mostra Hanami: Ciclo de cinema japonês será na Casa do Lago, na Unicamp. O objetivo é revelar a dualidade da sociedade japonesa que alia a preservação de tradições à modernidade. Nos filmes apresentados, os espectadores observarão que todos os estereótipos não são negados, mas, profundamente problematizados. A vida em um mundo de alta proliferação de imagens e de representações infinitas está presente na animação Paprika ou no horror de Pulse. A conturbada relação japonesa com o sexo ganha uma explosão de cores em Sakuran. E Tóquio se faz presente como agente de sedução, mas também de mal-estar. Nos filmes Babel e Blindness, os rostos japoneses traduzem os problemas que afligiam a sociedade nipônica, em particular, e mundial, em geral.

Regiane Ishii, uma das organizadoras do evento, explica que “a proposta é mostrar justamente o cinema do novo século. Os filmes não entraram no circuito comercial brasileiro e muitos não têm legenda em português, somente em inglês. Foram adquiridos durante a nossa estada no Japão para realizar Arubaito (trabalho temporário). Quando surgiu a oportunidade para organizarmos a mostra, apresentamos esses filmes, alguns vencedores nos festivais de Veneza e de Cannes”, finalizou.

A Cinelândia do bairro da Liberdade

Não é de hoje a fascinação dos japoneses pelo cinema. No final do século 19, alguns teatros tradicionais como o Kabuki abrigaram as primeiras casas de produção de filmes como Nikkatsu e Shochiku. Ishimoto explica que o cinema tornou-se, assim, parte da identidade cultural japonesa, acompanhando os imigrantes que tentavam a sorte do outro lado do mundo. Bauru sediou a primeira exibidora comercial de filmes japoneses no Brasil, a Nippaku Shinema Sha (Companhia Cinematográfica Nipo-Brasileira). Fundada por Masaichi Saito, passou a importar filmes de ficção de longa-metragem.

A distribuição pelo interior paulista ocorria pelas estradas de ferro Noroeste, Paulista, Sorocabana e Mogiana, que cortavam lavouras. A própria Nippaku realizou o filme Noroeste-sem isshu (1929), no qual documentou a saga do transporte dos filmes. Em longas viagens, toneladas de equipamentos eram transportadas por ferrovia. Os filmes eram projetados em galpões de madeira com um gerador que utilizava o motor do caminhão transportador como alimentador de energia.

Na década de 1930, a Nippaku transferiu sua sede para a capital paulista. Em 1932, o bairro da Liberdade abrigava 2 mil japoneses residentes. Essa população garantia público para projeções a princípio avulsas, em salões alugados, e em seguida no Cineteatro São Paulo, que passou a incluir filmes japoneses em sua programação. As distribuidoras japonesas se multiplicaram, destacando-se a Nippon Kinema, fundada por Kimiyasu Hirata, em 1935. Nesse período, o público tinha acesso a obras importantes de Minoru Murata, Shigeyoshi Suzuki, Tomotaka Tasaka. Também há registro da projeção de algumas obras-primas, como A feiticeira das águas (Taki no shiraito, 1933), de Kenji Mizoguchi.

A atividade foi subitamente interrompida com a entrada do Japão na 2ª Guerra Mundial, em 1941. Os japoneses do Brasil passaram a ser perseguidos, após o governo Vargas romper relações diplomáticas com o Japão, em 1942. Muitos foram expulsos de suas residências na Liberdade, jornais e escolas foram fechados e núcleos culturais se esfacelaram.

Época áurea – Com o fim da guerra, em 1945, os problemas começaram a ser solucionados, embora a rendição japonesa tenha originado sérios conflitos na colônia nipônica. Parte dos japoneses (kachigumi) se recusava a aceitar a derrota do país do sol poente na guerra, opondo-se aos pragmáticos (makegumi), que conformaram com a nova situação. Distúrbios e assassinatos na colônia nipônica impediram o lançamento do filme Vida de artista (Ruten, 1937), de Buntaro Futagawa, que Hirata estava promovendo em 1946. Após associar-se a Saito, fundando a Nippaku Kogyo, Hirata finalmente conseguiu lançar o filme em 1947, no Cine São Francisco, com grande sucesso. Iniciava um novo período de desenvolvimento para o cinema japonês no Brasil, em boa parte, é claro, em função de seu florescimento no Japão.

Entre 1940 e 1950, o Japão se consolidou como o segundo maior produtor mundial de filmes, perdendo para a Índia, e à frente dos Estados Unidos.

Além do São Francisco, vários cinemas paulistas passaram a exibir filmes japoneses. Mas não davam conta da oferta, gerando a necessidade de salas voltadas exclusivamente para a produção nipônica. Foi a época áurea do cinema japonês no bairro da Liberdade, com a fundação, em 23 de julho de 1953, por Yoshikazu Tanaka, do Cine Niterói, na Rua Galvão Bueno. O cinema de 1,5 mil lugares ficava no andar térreo de um prédio de cinco andares, que abrigava um hotel e um restaurante. O filme de estréia, Os amores de Genji (Genji Monogatari, Kozaburo Yoshimura, 1951), era uma superprodução da Daiei. O sucesso foi tanto que, um ano depois, inaugurava-se um segundo cinema japonês na Liberdade, o Cine Tóquio.

Hollywood nipônica – Percebendo o potencial do novo mercado, as produtoras japonesas decidiram distribuir diretamente no Brasil. Em 1958, o Cine Tóquio passou a ser o exibidor da Toho que, no ano seguinte, transformaria o Cine Jóia em seu lançador. O Cine Nippon transformou-se no apresentador da Shochiku, e o Niterói, da Toei. Em 1962, o Cine Tóquio passou a se chamar Nikkatsu, tornando-se exibidor exclusivo dessa produtora. Eram quatro cinemas japoneses que transformavam a Liberdade numa verdadeira Hollywood nipônica.

Nos anos 1960, era entretenimento regular entre a colônia japonesa – e sofisticado entre a classe artística brasileira – ir ao cinema na Liberdade. As chances eram grandes de assistir a clássicos de Kobayashi, Kurosawa, Toyoda, Shibuya, Uchida, ou inovadores de Shindo, Masumura, Sugawa, Shinoda, Teshigahara, Oshima. Mas no final da década já se notavam sinais de declínio, acompanhando a própria crise na matriz, onde as produtoras enfrentavam a concorrência da televisão.

Os cinemas japoneses da Liberdade começaram a sofrer transformações. Em 1967, o Nikkatsu fechou suas portas. Em 1968, o Niterói mudou de endereço, para dar lugar ao Metrô, e passou a sobreviver de filmes do gênero yakuza, ou máfia japonesa. Em meados dos anos 1970, a Toho encerrou sua distribuição no Brasil. Em 1980, com o fechamento do Cine Nippon, a Shochiku passou a exibir seus filmes no Jóia, que também não resistiu muito, fechando em 1987. O Niterói ainda tentou sobreviver com pornochanchadas brasileiras para cumprir a lei de obrigatoriedade de filmes nacionais, mas acabou fechando em 1988. Era o fim da cinelândia da Liberdade.

SERVIÇO

Mostra Nikkei no Brasil – Olhares sobre

100 anos de imigração japonesa

Período: até 15 de agosto

Local: Cinusp Paulo Emílio

Rua do Anfiteatro, 181 – Colméias –

Favo 4 – Cidade Universitária – São Paulo

Entrada franca

Informações (11) 3091-3540 / 3091-3364Mostra Hanami: Ciclo de cinema japonês

Período: 5 a 14 de agosto

Espaço Cultural Casa do Lago

Informações (19) 3521-7017

Site http://cinehanami.wordpress.com/

Da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)