Unicamp: Técnica permite que deficientes visuais apreciem a arte pictórica

Pesquisadoras da Unicamp desenvolveram pesquisas para apresentar telas famosas a estudantes cegos ou com nível de visão reduzido

sex, 02/02/2007 - 12h16 | Do Portal do Governo

Os principais museus do mundo estão preocupados em garantir o acesso à arte pictórica para pessoas cegas ou com reduzida acuidade visual. É uma tendência cada vez mais acentuada também no Brasil, particularmente em museus de São Paulo e do Rio de Janeiro. A acessibilidade, no entanto, pode ser assegurada a partir da escola fundamental, por iniciativa dos professores de artes, mesmo que de forma simplificada.

Essa e a proposta da artista plástica Laura Chagas, em trabalho de iniciação científica que realizou no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto (Cepre) da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. A artista teve a orientação de Lucia Reily, pesquisadora e arte-educadora do Cepre e professora de fonoaudiologia e do programa de pós-graduação do Instituto de Artes.

“A idéia inicial era produzir um livro com ilustrações táteis para deficientes visuais. Nas conversas com a professora Lucia, veio a proposta de selecionar algumas pinturas importantes da arte brasileira e trabalhá-las em relevo ou em algum suporte tátil, a fim de que eles pudessem ter contato com obras pictóricas, conta Laura. Como o objetivo é possibilitar esse contato desde a infância, a autora optou por utilizar materiais baratos e técnicas simples, reprodutíveis e acessíveis aos professores da escola fundamental.

Lembrando o crescente fortalecimento dos movimentos em favor da inclusão social, Lucia observa que os professores de artes podem cumprir um papel importante ao assegurar para alunos portadores de deficiências visuais o mesmo privilégio dos demais, o da percepção da pintura. “São crianças que precisam de referências táteis. Esse material de referência serve para mostrar aos professores uma ferramenta capaz de motivar e entusiasmar os alunos especiais a conhecerem o patrimônio artístico”.

Na parte teórica da pesquisa, Laura Chagas realizou o levantamento do que já foi publicado sobre o tema no País – material disponível no endereço www.arteemcomum.org – e entrevistou especialistas da Pinacoteca do Estado e do Masp. Também navegou pela Internet para saber o que importantes museus de outros países vêm fazendo para atender os deficientes visuais. Na prática, durante um curso oferecido pela Pinacoteca, Laura testou materiais e colas para os protótipos que desenvolveu.

Na seleção das obras que seriam trabalhadas em relevo e com outros materiais, Laura considerou a importância do artista, a viabilidade de adaptar sua pintura à representação tátil e a possibilidade de construir uma linearidade com exemplos de cada período da pintura brasileira. Ela destaca três trabalhos dos diversos executados.

Do francês Jean Baptiste Debret, que pintou o Brasil do século 19, Laura escolheu a aquarela Calceteiros, que retrata o trabalho escravo em uma praça do Rio de Janeiro. A pintura é cheia de detalhes, mas a artista representou apenas os dois escravos do primeiro plano. Para isso, utilizou a chamada borracha E.V.A. (etil vinil acetato), que por suas cores, facilidade de manuseio, limpeza e durabilidade transformou-se em bom material para trabalhos artesanais e escolares. Ela afirma que poderia representar também as cenas de fundo, separando-as em camadas e trabalhando cada uma delas em pranchas. Outra possibilidade seria descrever as cenas do quadro, como fazem alguns museus, o que a artista considera pouco satisfatório, já que a proposta é permitir às crianças contato com a obra.

Com Mastros, de Alfredo Volpi, que trabalha cores e formas, Laura Chagas usou materiais de texturas diferentes. O propósito foi evidenciar de maneira tátil as diferenças nas passagens de cor, sem a preocupação de associar as cores propriamente, mas de destacar sua variação.

A Negra, de Tarsila do Amaral, mereceu uma solução intermediária entre as duas anteriores: em uma única prancha. A representação da negra em primeiro plano foi obtida com a colagem em borracha, e a do fundo colorido com materiais de variadas texturas. Os trabalhos apresentam tamanhos que facilitam o contato manual e a reprodução de detalhes, sem que se atenham às dimensões originais.

Frisando que procurou sempre soluções simples e com materiais baratos e acessíveis, Laura informa que os trabalhos similares em museus são muito mais sofisticados, como pranchas em resina, apropriadas para higienização depois de manuseadas por um número grande de visitantes.

Os recursos táteis apresentados pelas pesquisadoras da Unicamp podem ser facilmente adotados por professores do ensino fundamental, mas elas lembram que o aluno com deficiência visual continuará precisando da mediação do educador para relacionar a prancha com outros aspectos da obra original.

“A participação do professor é importante para explicar a linguagem visual e fornecer informações sobre o artista, o momento histórico e o significado da obra nos dias de hoje”, afirma Lucia. “Mas o recurso tátil já constitui o primeiro contato do deficiente visual com um universo cultural do qual estaria excluído”.

Novas etapas

   A previsão é de que o trabalho tenha três novas fases; uma delas para verificar como o aluno cego ou de baixa visão interpreta as obras pictóricas apresentadas em textura e relevo. “Não sabemos os sentimentos e as sensações que a atividade desperta, eles é que devem nos contar. É uma informação que revelaria o grau de adequação do caminho que estamos seguindo”, analisa a orientadora.

Outra etapa diz respeito à gestão de museus, com sugestões para tornar o acervo acessível a deficientes visuais, como a criação de uma metodologia combinando o tátil com a descrição verbal da obra gravada em áudio. Tal metodologia permitiria ao deficiente apreciar sozinho maior número de pinturas.

A terceira fase abordaria a gestão da educação especial, assegurando a esses alunos o direito à cultura e o acesso ao mundo visual, assim como o portador de deficiência auditiva tem direito à música, e o de deficiência física, à dança. “A pesquisa não deve servir apenas para que o especialista aprenda mais; ela deve apresentar resultados que sejam úteis à sociedade”, conclui Lucia.

Carmo Gallo Netto – Do Jornal da Unicamp

 

(AM)