Unicamp: Técnica detecta substâncias estranhas ao mel

Resultado sai em um minuto e permite identificar origem do produto e presença de aditivos como caramelo, xarope de glicose e até óleo de soja

sex, 01/09/2006 - 15h32 | Do Portal do Governo

Contingente estimado em 500 mil pessoas, algo como metade da população de Campinas, vive da apicultura no Brasil. O setor produz cerca de 45 mil toneladas de mel ao ano e exporta metade desse total. Cada tonelada do alimento pode alcançar até US$ 2 mil (R$ 4,2 mil) no mercado internacional. Os números do segmento só não são mais promissores por conta de um problema que compromete a qualidade e, conseqüentemente, a competitividade do produto brasileiro: o “batismo”, ou uso de aditivos para adulterar o mel.

Contra esse tipo de falsificação, um grupo de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp acaba de criar metodologia capaz de identificar, em apenas um minuto, tanto a origem do mel (eucalipto, silvestre, laranjeira, entre outros) como a presença de eventuais substâncias estranhas à sua composição original.

O grupo, coordenado pelo professor Marcos Eberlin, atua no Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas do IQ. De acordo com o cientista de alimentos Rodrigo Catharino “a certificação do produto nacional quanto à sua integridade é extremamente importante, pois os países que mais importam mel, como a Alemanha, são muito criteriosos quanto à origem e à qualidade dos alimentos”. Em março deste ano, por exemplo, a União Européia suspendeu a compra do mel brasileiro. A medida foi baseada em decisão da Federação Européia de Comércio de Produtos do Agronegócio, que teria constatado resíduos de antibióticos no produto nacional.

Substâncias estranhas 

A certificação, conforme a pós-doutoranda Ildenize Cunha, garante ao consumidor que está comprando mel livre de adulteração e de contaminação. “Com isso, é possível agregar valor ao produto, pois a autenticidade é um aspecto que contribui para a elevação do seu preço final”, afirma. O método elaborado pelos pesquisadores do IQ é relativamente simples, assegura Rodrigo Catharino. Para chegar à técnica, primeiro os cientistas obtiveram amostras de de vários tipos de mel diretamente de apicultores. Estas tiveram as suas composições caracterizadas, com o auxílio de um equipamento chamado espectrômetro de massas.

Depois, foi a vez de os pesquisadores adquirirem diferentes marcas em supermercados e outros pontos comerciais. Amostras dos produtos foram misturadas a uma matriz em pó, denominada DHB, e também analisadas no espectrômetro de massas, a partir de técnica batizada de Maldi. Ao confrontar os resultados, obtidos em apenas um minuto na forma de gráficos, os especialistas verificaram que a maioria dos produtos presentes no mercado apresenta algum grau de adulteração. O caso mais grave ocorreu com o mel de laranjeira. Entre as substâncias estranhas estava o óleo de soja. “Jamais poderíamos imaginar que esse tipo de aditivo fosse empregado para alterar o mel”, admite Catharino.

Formas de “batismo” 

De acordo com Alexandra Sawaya, que acaba de concluir o doutorado no IQ, as substâncias utilizadas com mais freqüência no “batismo” do mel são o caramelo, o xarope de glicose e o açúcar invertido. Este último é ingrediente muito usado pela indústria de balas e consiste em um xarope feito a partir do açúcar comum. Outro subterfúgio empregado pelos fraudadores, destaca Alexandra, é colocar baldes com xaropes de açúcar perto das colméias. Assim, as abelhas se alimentam diretamente desse líquido e deixam de buscar o néctar nas flores. “Infelizmente, esse tipo de modificação é muito difícil de ser identificado, pois o procedimento não altera de forma significativa as características do produto. Quando muito, só é possível detectar uma sombra da adulteração”, diz.

Além de configurar crime, a falsificação do mel pode trazer conseqüências negativas à saúde do consumidor, como assinalam Fabiane Nachtigall e Elaine Cabral, doutorandas do IQ. Segundo elas, muitas pessoas consomem o alimento em virtude das suas propriedades medicinais. “O mel tem substâncias antioxidantes. Quem opta por esse tipo de alimento é porque não quer consumir somente uma fonte de açúcar, mas está interessado também nos componentes funcionais que existem nele”, afirma Fabiane. De acordo com Rodrigo Catharino, a caracterização do mel brasileiro faz parte do esforço do Laboratório Thomson para desenvolver metodologias que auxiliem a conferir maior credibilidade aos produtos apícolas nacionais. “Já fizemos isso com a própolis, e estamos iniciando os testes também com a geléia real. Aos poucos, estamos criando pequenos bancos de dados e comprovando, na prática, que o Brasil não precisa importar tecnologia ou pessoal para atuar nessa área”, assegura.

Os caçadores de fraudes

Os pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas se notabilizaram nos últimos anos por assumirem a condição de “caçadores de fraudes”. Com a ajuda do espectrômetro de massas, desenvolveram métodos para a caracterização de produtos como gasolina, bebidas alcoólicas, óleos comestíveis, perfumes e méis, presentes no cotidiano do consumidor brasileiro. Além disso, valeram-se da versatilidade do equipamento para também conceber técnicas que identificam, por exemplo, possíveis substâncias tóxicas em alimentos.

Entre outros exemplos, os cientistas do IQ empregaram a tecnologia para verificar a presença de aflatoxina no amendoim e criaram metodologia capaz de diferenciar os cultivares de soja transgênica, normal e orgânica. Todas as análises são feitas em menos de um minuto e com altíssimo grau de confiabilidade.

Manuel Alves Filho

Do Jornal da Unicamp