Unicamp: Hemocentro e HC vão adotar novo tratamento para a leucemia aguda

No transplante haploidêntico, doadores de medula óssea não precisam ser totalmente compatíveis

qui, 08/06/2006 - 21h09 | Do Portal do Governo

Pesquisadores da Unicamp estão ultimando os preparativos para introduzir de forma experimental no Brasil uma nova modalidade de transplante de medula óssea, voltada ao tratamento de pacientes portadores de leucemias agudas. A técnica, denominada de transplante haploidêntico, consiste em manipular as células de um doador parcialmente compatível, de modo a fazer com que sejam toleradas pelo organismo do receptor. A grande vantagem do novo método em comparação com os procedimentos convencionais está justamente no fato de não depender da disponibilidade de um doador totalmente compatível, situação cada vez mais rara de ser encontrada.

Embora não possa ser considerado como uma panacéia contra a leucemia, o transplante haploidêntico é uma técnica promissora, na opinião do hematologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Cármino Antonio de Souza. De acordo com ele, a modalidade tem sido empregada experimentalmente em alguns importantes centros de pesquisa do mundo, como Seattle (Estados Unidos), Munique (Alemanha) e Perugia (Itália). No Brasil, segundo o docente, ela tem sido estudada por dois grupos: um da USP de Ribeirão Preto e outro formado por especialistas do Hemocentro e da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp.

Para entender melhor como funciona o transplante haploidêntico, segundo Cármino Souza, antes é preciso saber como é realizada a técnica convencional. Quando o portador de leucemia aguda tem a indicação do transplante de medula óssea, um dos maiores desafios é identificar um doador que seja totalmente compatível. Normalmente, quem cede o material é um aparentado do doente, como irmão de mesmo pai e mãe. Ocorre, porém, que a probabilidade de encontrar essa pessoa entre os familiares é de apenas 25%. “Como as famílias brasileiras estão se tornando cada vez menores, a dificuldade de localizar um doador aparentado completamente compatível tem se tornado proporcionalmente mais difícil”, explica o hematologista.

Uma alternativa, nesse caso, é tentar localizar um doador não-aparentado, mas totalmente compatível, por meio de buscas em registros de medula óssea tanto no país quanto no exterior. Tal opção esbarra, no entanto, em dois sérios problemas. Primeiro, a questão do custo. O procedimento exige um investimento de aproximadamente US$ 70 mil, algo em torno de R$ 160 mil. Segundo, a investigação é demorada, o que freqüentemente compromete o tratamento e leva o doente à morte. No transplante haploidêntico, a identificação do doador fica facilitada, visto que ele poder ser parcialmente compatível. Para compreender melhor, tome-se o exemplo de dois irmãos. Ao nascerem, ambos recebem uma carga genética do pai e outra da mãe.

Assim, na hipótese de um deles ter que se submeter ao transplante haploidêntico, bastará que o outro, para ser o doador da medula óssea, apresente características análogas em apenas um dos dois haplótipos (combinações de polimorfismos que são transmitidos em bloco de geração para geração) do HLA, que é o antígeno de compatibilidade leucócita. Ou seja, a probabilidade disso ocorrer é maior do que a de encontrar um doador totalmente compatível. Mas como fazer para que não haja rejeição do material transplantado, uma vez que o doador não é totalmente compatível? De acordo com o hematologista Cármino Souza, a resposta está na manipulação das células.

Espécie de “enxerto” 

O que os médicos fazem no transplante haploidêntico é coletar do doador uma dose elevada de células-tronco e reprimir de maneira importante as células imunologicamente competentes, ou seja, aquelas responsáveis pela defesa do organismo. Com esse material, os especialistas fazem uma espécie de “enxerto”, que é administrado no receptor. “Se por um lado não agridem o organismo do paciente, essas células também não o protegem num primeiro momento. Assim, após o procedimento, o transplantado exigirá uma série de cuidados. Ele precisará ser monitorado clínica e laboratorialmente por um período de dois anos, visto que estará extremamente vulnerável. Um dos maiores riscos durante a fase de recuperação é a pessoa contrair uma infecção provocada por vírus ou fungos”, explica.

Os resultados dos transplantes haploidênticos realizados de forma experimental no exterior, reafirma o docente da Unicamp, estão sendo considerados promissores. “Dizendo de maneira simplificada, os médicos estão constatando que, adotados os cuidados necessários, o transplante pega rápido e também proporciona uma rápida recuperação do paciente”. Antes de a modalidade ser incluída entre os procedimentos do Hemocentro e da Unidade de Transplante de Medula Óssea do HC, destaca Cármino Souza, será necessário cumprir algumas etapas preliminares. Uma delas é a aprovação da proposta por parte do Conselho de Ética e Pesquisa da FCM, que já a está analisando.

Início em 2007

Outra etapa é a obtenção de recursos para o aparelhamento de laboratórios. Projeto nesse sentido já foi encaminhado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Se essas fases forem superadas a contento, a idéia é que os transplantes haploidênticos comecem a ser realizados já no primeiro semestre de 2007. A idéia é selecionar 20 pacientes portadores de leucemia mielóide aguda que tenham indicação de transplante, mas não tenham encontrado um doador de medula óssea compatível, aparentado ou não. Essas pessoas, diz Cármino Souza, serão possivelmente escolhidas entre aquelas indicadas pelos centros de referência da área.

Se os transplantes gerarem os resultados esperados, eles poderão ser posteriormente estendidos para um número maior de pacientes. “É importante que a sociedade saiba, entretanto, que o transplante haploidêntico não é a solução definitiva para o problema da leucemia aguda e nem vem para substituir as terapêuticas já existentes. Ele é apenas mais uma possibilidade de tratamento da doença”, lembra o hematologista Cármino Souza.

MANUEL ALVES FILHO

Jornal da Unicamp