Unicamp: Cientistas coordenam projeto sobre mapeamento do cérebro

Foco temático dos pesquisadores da Universidade de Campinas, da USP, da Unifesp e do Hospital Albert Einstein é a epilepsia

ter, 15/08/2006 - 13h11 | Do Portal do Governo

A Universidade de Campinas (Unicamp) idealizou e vai coordenar o mais amplo programa de pesquisa multidisciplinar sobre o mapeamento do cérebro realizado no País. Intitulado Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro (CInAPCe), a iniciativa terá financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Pelo menos 150 pesquisadores – entre docentes, alunos e técnicos – de nove unidades da Unicamp estarão comprometidos com o projeto, cujo foco temático é a epilepsia. Além da Unicamp, participam a USP (câmpus de São Paulo, Ribeirão Preto e São Carlos), Unifesp e Hospital Albert Einstein.

A Unicamp recebe, ainda este ano, uma máquina de ressonância magnética de alto campo, avaliada em US$ 2 milhões. Servirá de plataforma para a instalação na universidade, nos próximos meses, do Centro Multimodal de Neuroimagem para Estudos em Epilepsia. Outros três equipamentos similares serão instalados no Hospital Albert Einstein, na capital, e nas faculdades de Medicina da USP em São Paulo e Ribeirão Preto. O projeto está orçado em US$ 10 milhões e a previsão é que o CInAPCe comece a funcionar no início de 2007.

Roberto Covolan, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp e um dos coordenadores da ação, é um dos protagonistas do nascimento do projeto que deve formar e treinar, nos próximos quatro anos, pelo menos 300 pesquisadores. Desses (segundo documento dos coordenadores) 30 pós-doutores, 100 doutores, 50 mestres, 100 alunos de iniciação científica e 20 técnicos. Covolan revela que, no final dos anos 90, a Unicamp já dispunha de equipe multidisciplinar estruturada para fazer pesquisas na área da neurociência, campo que experimentou crescimento sem paralelo na década passada. A equipe se formou a partir de uma chamada interna da universidade para projetos estratégicos. Integravam o grupo cientistas da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e dos institutos de Física, Biologia e Computação.

Em 2000, Covolan, o neurologista Li Li Min e o chefe do Departamento de Neurologia da FCM, Fernando Cendes, manifestaram ao então presidente do Conselho Superior da Fapesp, o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, o interesse em transformar a Unicamp numa espécie de laboratório avançado em pesquisas na área de neurociências com a aquisição de um equipamento de ressonância de alto campo. Brito, que cumpria também seu segundo mandato à frente do IFGW e mais tarde seria reitor da Unicamp, apoiou a iniciativa, mas sugeriu que o programa não ficasse restrito à universidade. A partir daí, enquanto Cendes contatava diferentes grupos de pesquisa, Li Min e Covolan percorriam laboratórios para expor as diretrizes da iniciativa.

Várias áreas – O ponto de partida do projeto foi a realização de um workshop na Unicamp, em dezembro de 2000. No encontro, lembra Covolan, foi lançada a idéia da criação de um programa multidisciplinar e interinstitucional de abrangência estadual. A proposta foi encampada por grupos de cientistas especializados em dinâmica cerebral. Decidiu-se também, na ocasião, que pesquisadores das áreas de exatas e tecnológicas seriam incorporados ao escopo do programa, juntando-se ao pessoal de biomédicas e biológicas. Foram estabelecidos grupos de trabalho. “Houve muito debate até chegarmos aos pontos de convergência”, afirma Covolan. O amadurecimento da idéia foi materializado em documento enviado em 2001 à Fapesp, no qual eram inseridos os pontos principais do programa. A agência de fomento sinalizou favoravelmente.

Entretanto, quando se preparava para dar início aos entendimentos de praxe, a história passou a ter idas e vindas, ficando à mercê da conjuntura. A maior das dificuldades foi a crise cambial de 2002. A disparada do dólar estancou as linhas de pesquisa, paralisando dezenas de projetos, sobretudo em razão do preço dos insumos importados. Com o câmbio estável e a conseqüente volta dos investimentos, a Fapesp acenou com a possibilidade de bancar o programa. Convocou os interessados por meio de edital em 2004 e promoveu, juntamente com os grupos de pesquisa, um workshop interno. Avaliação feita por revisores internacionais mostrou à agência de fomento que valeria investir na idéia.

Além de participarem da avaliação interna, deram sugestões acerca do funcionamento do projeto Brian Meldrum, professor de neurologia experimental do King’s College, de Londres; Bruce Pike, do Centro de Imagem do Cérebro McConnell, em Montreal; e Ana Nobre, da Universidade de Oxford. A seleção dos convocados (feita oficialmente), consolidaria as bases do CInAPCe. No momento, diz Covolan, faltam apenas alguns detalhes burocráticos para a assinatura do contrato.

Foco – Em princípio, o objetivo do CInAPCe era estudar todo o sistema nervoso central. Depois, passou a ser consensual a idéia de que um foco muito amplo apenas criaria dificuldades, comprometendo o conjunto do projeto em razão de seu caráter difuso. A escolha da epilepsia como objeto do programa não foi aleatória, conforme revela Fernando Cendes, docente da FCM da Unicamp e coordenador do projeto temático. Alguns fatores listados pelo docente contribuíram para a convergência em torno da doença.

O primeiro foi o fato de a Unicamp abrigar um grupo cuja prioridade era essa patologia. Além disso, as outras instituições comprometidas com o projeto também tinham experiência na área, sendo detentoras de produção significativa em qualidade e volume. Levantamento da Fapesp feito nas instituições no campo da neurociência confirmava esse fato, ao mostrar a predominância dos estudos relacionados à epilepsia. Concluiu-se que seria mais produtivo trabalhar com algo específico e conhecido do que enveredar por áreas pouco exploradas, quando não, desconhecidas.

Outro aspecto importante diz respeito aos componentes clínicos da doença, vista invariavelmente pelos cientistas como “janela para entender o funcionamento cerebral”, conforme definição de Cendes. Muitas patologias, explica o docente, apresentam em comum as crises epilépticas: “Temos um conjunto de doenças, entre as quais o traumatismo de crânio, que podem causar a epilepsia”. Segundo o especialista, o avanço das neurociências está diretamente ligado aos estudos sobre epilepsia, pela observação de problemas como o comprometimento da memória, ou por meio de procedimentos médicos. Cendes lembra que a própria representação dos movimentos do cérebro foi desenhada e elaborada a partir de cirurgias da patologia, sendo possível, a partir das alterações de comportamento ocasionadas pela doença, entender o funcionamento do cérebro e suas manifestações, entre as quais a linguagem e os movimentos e a tessitura da memória.

Entender o funcionamento – O foco na neuroimagem, nesse contexto, será fundamental para fazer estudos comparativos entre pessoas sãs e as acometidas pela doença. Essa análise, segundo o médico, será determinante para compreender por que pacientes com epilepsia apresentam históricos de problemas como perda de memória, depressão ou outros sintomas associados. Com isso, acredita Cendes, será facilitada a tarefa de detectar a alteração e de esmiuçar o subsistema do cérebro onde ocorre. O efeito mais imediato desse esforço analítico será a criação de novas abordagens de tratamento, de diagnósticos e, conseqüentemente, de prevenção. O grande objetivo dos cientistas que trabalham nessa área, tanto clínica como experimentalmente, é entender como funciona o processo que desencadeia a epilepsia.

A expectativa é que o CInAPCe forneça subsídios que contribuam para o desvendamento desses mecanismos, e na descoberta de outros componentes presentes em patologias derivadas da epilepsia. “Com isso, não só poderemos entender a plasticidade da doença, como também adotar medidas que protejam o cérebro de pessoas sujeitas à epilepsia, desde o seu nascimento ou a partir de determinada idade”, diz Cendes. Essa patologia, além de ser confundida com outros males que têm como sintoma a repetição freqüente de crises, não atinge apenas os humanos. A epilepsia é muito comum, por exemplo, em cachorros, gatos e pequenos primatas.

Isso permite, afirma Cendes, que modelos experimentais aplicados em animais levem a simulações de determinados tipos de epilepsia que se assemelham àquelas que acometem os humanos, abrindo possibilidades para o estudo das inúmeras variáveis biológicas. Estimativas apontam que, na região de Campinas, a doença afeta ao menos 1% da população, mesma média registrada em escala planetária. Habitantes de países em desenvolvimento são mais suscetíveis, fator que também foi levado em conta na elaboração do programa. As causas vão desde infecções recorrentes, comuns em países pobres, até acidentes provocados por diferentes motivos.

Do Jornal da Unicamp

 

(AM)