Trechos da entrevista do governador Mário Covas, após visita do presidente do Chile, Ricardo Lagos

Parte II

sex, 14/07/2000 - 17h48 | Do Portal do Governo

Parte II

Pergunta: Agora, mudando de assunto sem sair da questão política e também da administrativa, esse escândalo do caso Eduardo Jorge, que agora com alguns fatos novos depois da publicação das ligações das conversas telefônicas do juiz Nicolau dos Santos Neto, com alguns outros conhecidos dele, que envolve o Martus Tavares, que envolve o senador Romeu Tuma, o senhor acha que …

Covas: Envolve o Martus Tavares porque ele mandou um projeto para o governo. Olha, eu acabei de mandar para a Assembléia um projeto do Poder Judiciário de São Paulo, a pedido do Poder Judiciário.

Pergunta: O senhor leu?

Covas: (risos) Eu negociei antes o aumento. Não é que eu li, eu negociei antes o aumento. Que história! Que conversa é essa de que o presidente não lê?

Pergunta: O presidente apenas endossou? Ele não fez nenhum tipo de análise do período judiciário.

Covas: Mas, escuta, você sabe quantos pedidos devem passar pelas mãos dele? Para quê que você tem ministros?

Pergunta: No caso do Martus Tavares não adiantou muito, governador?

Covas: Não sei. Não sei em que circunstâncias, em que época isso foi feito. Não sei se naquela época já se achava que isso era um escândalo, ou não.

Pergunta: Já, tanto que o Congresso não liberou a verba.

Covas: Não. O Congresso não liberou a verba não foi por isso, não. Ele liberou verba, mas cortou aquilo que tinha sido pedido no orçamento, e por isso foi feito um pedido opcional. Pelo menos é o que eu tenho lido, eu não estou muito a par da questão. Acho que isso vai ser mais uma coisa para vocês ficarem perguntando para a gente o dia inteiro.

Pergunta: O senhor é favorável, como propõe os dirigentes do PT, a uma abertura de uma CPI para investigar este caso?

Covas: Bem, é óbvio que o pessoal do PT ia pedir a abertura de uma CPI para investigar este caso. Aliás, é um instrumento parlamentar que o PT usa com muita freqüência, é exatamente a CPI.

Pergunta: Mas, o senhor seria favorável à uma Comissão?

Covas: Não sei. Depende das circunstâncias. Eu nunca deixei de votar numa Comissão Parlamentar de Inquérito, tivesse de acordo com a tese ou não, para que não se deixasse de verificar. Mas, no final, como as outras, ou como muitas das outras, ela vai servir. Algumas delas até foram prejudicadas pela ação de alguns, quase que o problema do Collor se perde por conta disso, quase que o problema do orçamento se perde por conta disso, porque alguns, querendo o privilégio de aparecer diariamente com a novidade na imprensa, acabaram falando coisas que não correspondiam à realidade e quase puseram a perder todo o processo. Mas, eu nunca votei contra um pedido de CPI, eu sempre votei a favor.

Pergunta: Então o senhor seria favorável?

Covas: Isso é outra coisa, se eu daria o meu aval para que ela fosse feita, eu daria como dou para qualquer coisa, sempre dei e não deixaria de dar agora. Se sou favorável é outra coisa. Eu não vou tomar a iniciativa de sair pedindo uma CPI por conta disso, nem se tivesse lá. E nem acho que tem indicação ainda para esse fato.

Pergunta: O senhor concorda com o senador Pedro Simon que disse que o Fernando Henrique deveria demitir o Martus Tavares?

Covas: Isso é problema do Fernando Henrique, ele demite se ele achar. Deveriam ser demitidos os senadores que votaram no orçamento o dinheiro para fazer a obra? Deveriam ser demitidos os deputados que votaram no orçamento o dinheiro para fazer a obra? Porque deve ser demitido…

Pergunta: Mas esses parlamentares foram eleitos, governador.

Covas: Não, mas por que aquilo é um crime por parte do ministro e não é por parte de outras pessoas? Por que foram eleitas? Eu também conheço gente que vai dizer que… quase que a moda hoje é dizer que quem foi eleito não vai sofrer isso, vide Câmara Municipal.

Pergunta: Neste caso, Luís Estevão foi cassado?

Covas: Muito bem.

Pergunta: Ele perdeu o mandato. Não interessa que o Martus Tavares…

Covas: Mas ele não perdeu o mandato porque votou a emenda, ele perdeu o mandato porque estava envolvido numa transação.

Pergunta: É do que acusam agora o Martus Tavares.

Covas: De estar envolvido?

Pergunta: É.

Covas: Bom, está bem. E se eu acusar você de alguma coisa inconveniente, você acha que o seu jornal deve te demitir?

Pergunta: O fato de ele ter entregue um documento tão importante para o presidente, sem dar orientação para que ele lesse, antes de assinar…

Covas: Mas, que bobagem este negócio de ler ou não ler, que coisa incrível vocês virem com esta história de ler ou não ler. Meu Deus do Céu! Quem governa… eu assino aqui diariamente de 200 a 300 papéis. O meu secretário me traz, alguma parte deles eu leio, porque mesmo vindo de secretário eu não gosto, com alguns deles eu não concordo, e se eu não concordar eu não assino. Mas, a grande parte deles eu assino, créditos extraordinários etc. Isso é para quem trabalha só, para quem não trabalha aí dá tempo de ficar lendo todos, o tempo todo.

Pergunta: E a denúncia ou admissão por parte do ex-secretário, Eduardo Jorge, que o ex-presidente do TRT, o juiz Nicolau dos Santos Neto, indicava juízes que seriam favoráveis ao governo em decisões de questões trabalhistas? Isso compromete de alguma forma a posição do ex-secretário e do próprio Palácio do Planalto, que ele representava nestas negociações?

Covas: Por que representava?

Pergunta: Porque ele estava a serviço do Planalto.

Covas: Se você quiser forçar a mão, você chega a qualquer conclusão que você queira. Acho que se ele fez isso, independente do homem ser um safado ou não, ir perguntar para o cara se o juiz nomeado é a favor do governo ou não… Tem um jornalista colega de vocês que quando eu fui na posse do primeiro membro do Ministério Público aqui, se vocês lembram bem eu nomeei o segundo na lista tríplice e não o primeiro, que foi o Marrey. E que, ao sair, deu uma entrevista dizendo que não era meu amigo, era meu conhecido, mas não era meu amigo, no que ele está certo porque não temos relações pessoais, nada disso. Eu nem o conhecia antes de o nomear, eu só o nomeei porque uma série de pessoas me deram informações positivas, e nomeei porque conhecia os outros. Mas, quando eu fiz isso, um jornalista amigo de vocês, lá na hora da posse, teve a coragem de me perguntar se eu era favorável, ou não, que o governador nomeasse alguém que ficasse disponível para o governo para a chefia daquilo. É quase como chamar a gente de desaforado, de sem-caráter. Acho que é muito errado, alguém independente de ter ou não ordem, de trabalhar ou não no Palácio, perguntar para um juiz se os que estão sendo nomeados são favoráveis ou não ao juiz. Por ter nomeado devem ser juízes, e juiz não é a favor de ninguém, é a favor da Lei, da Justiça. Eu diria que é a favor da Lei, da Justiça nem sempre. Juiz é uma pessoa que não tem cor partidária, portanto tomar uma iniciativa desse tipo é, sem dúvida nenhuma, uma iniciativa disparatada. Mas, não acredito que o presidente da República tenha pedido para ele fazer isso.

Pergunta: Mas, de uma certa forma o governo era beneficiado pelas indicações?

Covas: A sim, e o telefone era o telefone do Palácio, e a conta quem pagou foi o Palácio, de forma que por isso o presidente é culpado.

Pergunta: Mas, um assessor tão próximo ao presidente, governador, tomar essa posição?

Covas: Mas, vocês estão julgando ele ou o presidente?

Pergunta: Não estamos julgando.

Covas: Estão sim. Estão sim. Esta postura é de quem julga.

Pergunta: Nós estamos querendo conhecer a opinião do senhor.

Covas: Que opinião que nada.

Pergunta: Governador, que avaliação o senhor faz deste episódio todo?

Covas: Péssima. Uma avaliação péssima. Nesta história, ela pode até não ter contida nenhum tipo de irregularidade de natureza formal, nenhuma corrupção, mas, de qualquer maneira, basta este fato. Se a verdade dos fatos, dita por quem os traficou, é de que o que se pretendia era saber, o pior que ele fez aí foi faltar à confiança do presidente. Isso foi o pior. Porque no final o presidente ainda paga porque alguém furtou a sua confiança, e nós transformamos isso em um ônus do presidente.

Pergunta: Mas isso confiando na hipótese de que (inaudível)

Covas: Mas, não tem que confiar em hipótese nenhuma. Isso para mim não é hipótese, é certeza. No dia que eu pensar o contrário, eu também falo para vocês, com a mesma liberdade que eu falo tudo.

Pergunta: Ainda que o presidente considere que o Martus Tavares tenha agido de forma incorreta, o senhor acha que uma demissão do Tavares demonstraria fraqueza do Governo Federal?

Covas: Não, não acho. Mas, isso é uma questão de convicção pessoal. Vocês acham que a demissão do Goro Hama representaria uma fortaleza do governo? No entanto, enquanto eu acreditar que ele agiu corretamente eu não o demito, a não ser que a Justiça o condene, aí eu não tenho alternativa. Mas, senão eu quero demonstrar claramente o que eu penso, o que eu acredito.

Pergunta: Então, o senhor não vê motivos para o ministro Tavares ser demitido?

Covas: Nesta altura, não. Pelo fato de ele ter levado um projeto para o presidente, que foi preparado tecnicamente a pedido da Justiça, para o presidente assinar e mandar para o Congresso? Eu não acredito que o Martus Tavares estivesse contra isso. E nem acredito que houvesse razão para ele estar. Hoje, com todos os acontecimentos conhecidos a posteriori a gente acha que está. Não adianta, o presidente vai acabar sendo a vítima do episódio, não tem jeito isso, é assim mesmo.

Pergunta: E a reação?

Covas: Reação só tenho do Santos Futebol Clube.

Pergunta: E a reação do governo? O senhor está contente com a reação do Planalto em relação a esse episódio?

Covas: Qual reação?

Pergunta: O senhor acha que houve contradição das notas, daquilo que foi divulgado, daquilo que foi apresentado pela mídia?

Covas: Mas, meu Deus , o problema é que você está admitindo que o fato de mandar um projeto para a Câmara Federal é motivo de vinculação com alguma coisa que foi cometido por um criminoso dentro da repartição. Então se amanhã se roubar no Ministério da Saúde, o presidente da República é culpado, porque mandou o orçamento para o Congresso? Isso não significa que não deva apurar e não deva verificar quem tem responsabilidade e se tem.

Pergunta: Como se faz essa apuração?

Covas: Como se faz todas as apurações. Eu, quando ouvi dizerem que no CDHU tinha safadeza, eu não pedi para ninguém fazer apuração, eu fiz. É por isso que eu o mantenho, porque eu estou convencido da correção.

Pergunta: Mas, o presidente Fernando Henrique está sendo isolado dos fatos?

Covas: Não, não está sendo isolado dos fatos, nada. Eu não entendo vocês. É verdade que eu não tenho o mesmo tempo que vocês têm de ler e de escrever jornal, mas então é até possível que eu não esteja atualizado. Quem já operou em Executivo sabe, em primeiro lugar, são poderes independentes, a coisa mais difícil do mundo é você chegar num outro Poder e dizer: “olha, eu preciso para pagar a folha de pagamento de mais R$ 100 milhões”. Você não tem de onde tirar R$ 100 milhões. No entanto, é outro Poder, tem que procurar uma acomodação, uma negociação que torne possível atender pelo menos parcialmente. Não é assim?

Pergunta: Outros pedidos foram feitos e não foram atendidos pelo Judiciário, e esse sim. Como a reforma do tribunal de Santa Catarina não foi atendido, mas o de São Paulo foi?

Covas: O que tem a ver uma coisa com a outra?

Pergunta: Por que alguns são atendidos e outros não? E justo aquele que foi acusado de irregularidades?

Covas: Então o que adianta a gente estar conversando, vocês já tem um ponto de vista, o que vocês querem, a minha concordância com o ponto de vista de vocês?

Pergunta: Não, é só uma pergunta, governador, que eu fiz.

Covas: Eu sei. Mas você já tem o seu ponto de vista, já fez até argumento, se não deram para o de Santa Catarina, porque que deram para onde roubaram? A conseqüência é lógica.

Pergunta: Mas isso é (inaudível)

Covas: Tudo bem, então não adianta nem eu dizer para vocês o que eu penso. Não tem necessidade de eu estar mais dizendo, eu mantenho o meu convencimento, vocês mantêm o de vocês. Quem sabe vocês tem razão. Se têm fatos, provarão. Esse negócio surgiu quando de repente se pediu uma intervenção do Judiciário, quando a intenção nem era essa, e ela acabou acertando isso, de repente poderia ter acertado em Santa Catarina, poderia ter acertado em outra coisa, não que necessariamente exista qualquer coisa irregular em Santa Catarina.

Dentro de instantes trechos da última parte da coletiva