Trechos da entrevista do governador Mário Covas após inauguração da fábrica da Delphi em Jaguariúna

Parte Final

ter, 22/08/2000 - 18h19 | Do Portal do Governo

Parte Final

Pergunta: O senhor acha que esse problema de saúde do Tasso Jereissati deve mudar muito os planos de eleições do PSDB para…

Covas: O Tasso Jereissati não tem problema de saúde. Qual é o problema dele?

Repórter: Isquemia.

Covas: O Tasso, o pai dele morreu de infarto, tem várias casos na família, ele mesmo já teve infarto, apesar de muito moço. Ele se trata lá nos EUA, e volta e meia vai fazer exames lá, como eu, eventualmente, faço aqui no Incor, todo mundo já viu. Mas o Tasso não tem nada de doente, não. Outro dia o rapaz da revista IstoÉ, me perguntou: “foi por causa da capa da IstoÉ que ele ficou doente?”. Eu disse: “olha, só quem fica doente financeiramente com a IstoÉ é o Quércia”. Porque deve custar caro para ele aquilo, não é?

Pergunta: Existe alguma verba destinada para Jaguariúna?

Covas: Olha, na região (envolvendo Americana, Artur Nogueira, Campinas, quer dizer, onde é a Região Metropolitana de Campinas), foram investidos R$ 586 milhões. Tem R$ 133 milhões que em 22/8/2000 estava em licitação, o que representa R$ 700 milhões de investimentos. Em Jaguariúna nós investimos até agora R$ 2,6 milhões e tem outros R$ 881 mil em investimento regional.

Pergunta: Gostaria que o senhor falasse do pacote de medidas do Governo Federal sobre a aplicação do dinheiro público?

Covas: Olha, eu não conheço esse pacote na profundidade. Vi alguma coisa ontem na televisão, mas nem li nos jornais ainda hoje. Não sei quais são as premissas. Mas qualquer medida que tenha como objetivo dificultar qualquer forma de corrupção na área pública – e poderia se fazer um pacote na área privada também, porque não há como debitar só para a área pública os desmandos que existem no Brasil nesse aspecto. Mas, acho que tudo que se fizer nessa direção é bom. Acho muito bom. Não li quais são as medidas, mas acho que é uma afirmação do Governo no sentido de tornar possível controlar essas coisas, pelo menos em alguns aspectos. Dizer que isso vai eliminar toda corrupção não é verdade. É como se dizer que uma vacina vai acabar com a morte daquela doença para o resto da vida, não vai. Mas, sem dúvida alguma, é um passo adiante e um passo que um Governo sério toma.

Pergunta: Campinas já recebeu as viaturas, isso é muito importante. Mas ontem aconteceu uma chacina em frente a uma escola da cidade. A falta de segurança ainda é um problema e…

Covas: Não é a falta de segurança que é o problema, você reconhece que não é isso. É o aumento da violência que é o problema.

Pergunta: É justamente sobre isso que eu queria abordar. Geralmente envolve adolescentes, tanto vítimas quanto agressores. E os modelos de Febem, Uapi e Unipae – que em Campinas também não estão funcionando –, qual seria a solução para este problema no Interior do Estado?

Covas: Eu acho que não é no Interior do Estado. Outro dia um professor me pegou na rua e disse assim: “os alunos hoje não respeitam mais os professores”. E eu disse para ele: “no meu tempo a educação começava dentro de casa, era com a família, era com o pai e com a mãe”. Hoje, por uma série de razões, que às vezes até independe do pai e da mãe, isso não acontece. Há uma desestruturação familiar por conta de uma porção de coisas. Se você for à periferia das grandes cidades, o número de mães solteiras que se encontra, ou de mães abandonadas pelo marido, é enorme. Essa mulheres são obrigadas a trabalhar durante o dia e o filho fica sozinho em casa. Com isso, descobre muito cedo que indo para pontos onde se trafica crack etc., consegue viver com liberdade e ganhando muito mais dinheiro. Daqui há pouco ele virou refém de traficante.
Eu ouço muito falar que a Febem é um ninho de criação de assassinos. Mas ninguém bate na porta para ficar lá. Os jovens que estão lá é porque o juiz determinou. Não foi eu não. É porque foram condenados pela Justiça e o juiz determina que o Governo os mantenha sobre privação de liberdade. E eu não sei nenhum jeito de deixar uma pessoa sob a condição de privação de liberdade a não ser trancando em algum lugar. Então a gente olha para a Febem e imagina, imediatamente, criança de 11, 10 anos. Outro dia, numa das visitas à Febem, fui na ala dos meninos de 11, 12 anos. Encontrei um menino lá que me conhecia, porque ele é da minha terra. Então, ele veio falar comigo. Quando ele falou o que tinha feito (parece que ele deu um tiro num policial, numa mulher, ou roubou a bolsa de alguém), mas ele falou o que tinha feito de passagem, o menino era muito interessante, eu levava ele para casa tranqüilamente. Mas aí ele falou do seu crime como se aquilo fosse um fato absolutamente banal. Olha, isso é tão perceptivo que o Rotary lá da Zona Norte de São Paulo fez um concurso para criança de escola pública e de alguns colégios particulares, cujo tema era o seguinte: “se você fosse governador por um dia, o que faria para diminuir a violência?”.
Você precisa ver a composição da menina que ganhou. Ela disse exatamente isso, é impressionante como ela identifica as causas da violências. A Polícia melhorou muito. Por menos que vocês acreditem. Nós prendíamos duas mil pessoas quando assumi, hoje nós prendemos 10 mil por mês. E quem tiver dúvida disso, vamos já lá e eu provo isso. A eficiência da Polícia melhora a cada dia.

Pergunta: O que está faltando então, governador. O problema é na base?

Covas: Não é na base. O problema é na violência. Porque a Polícia não faz e nem deixa de fazer violência. Pode ser boa ou ruim, mas ela não aumenta a violência. A violência nasce e cresce por outras coisas. Vocês, por exemplo, a televisão tem um papel fundamental no aumento da violência. Se você ligar na TV e passar por 10 canais, 9 deles têm gente matando gente.

Pergunta: Não cabe ao Governo Federal proibir isso?

Covas: Aí vocês vão botar a boca no mundo, dizendo que é censura, imagina só, a liberdade de imprensa etc. Eu até prefiro que seja assim, porque isso é uma coisa de que cada um deve se convencer. Se não se convencer, não adianta.

Pergunta: Mas aí cabe educação, emprego, tudo isso…

Covas: Sim, você imagina o que é para um pai de família sem emprego ver a filha de 15 anos ser arrimo de família? Sai de madrugada de casa para trabalhar e é o único salário da família. Isso deixa o cara louco. Mas, nós (sociedade) vulgarizamos a violência, vulgarizamos mesmo. Entra arma aqui pela divisa do País, esse acho que é um dos assuntos para o plano de combate à violência do Governo Federal, porque a droga e a arma entram no País por contrabando e entram pelas divisas. Aqui se tira presos de dentro das delegacias e você diz: “não é possível”. Mas a Polícia tem regras, ela tem um armamento que pode usar, mas é limitado. Até em filme de cinema você vê isso, a Polícia está sempre só com um revólver. O bandido, ao contrário, tem cada metralhadora.

Pergunta: Tem solução, governador?

Covas: Tem, tem. Todas essas coisas precisam ser combatidas. Mas elas não vão ser resolvidas pela Polícia. A Polícia te dá segurança, mas não elimina a violência. A gente vive falando hoje em Nova York, do seu programa de tolerância zero, mas ninguém lembra que o prefeito de lá fez uma quadra de basquete em cada bairro…

Pergunta: Então é isso que está faltando?

Covas: Não é só isso. Não há uma razão só para a violência. Posso te citar 20 razões aqui. Outro dia um menino matou outro …

Pergunta: Mas isso são atitudes de governo?

Covas: Nem sempre. Vou te citar um caso que não é. Outro dia um menino que fazia aniversário matou outro a 100 metros do Palácio para lhe roubar o tênis, porque o dia inteiro ele ouve falar que precisa de um tênis daquele. O dia inteiro batucam na cabeça dele que um jovem como ele precisa de um tênis daquele tipo. E ele fazia aniversário, precisava de um tênis daquele, então matou o outro para tomar um tênis. Quer dizer, parece nada, mas…
Vou contar uma coisa a vocês, o Jô, do qual tenho muito respeito intelectual, outro dia disse assim: “o Covas está errado, se fosse assim a gente via um filme do Bambi e virava tudo veado”. Não é verdade, não vira. Mas me explica por que aquele menino fez aquilo.
Aquele menino que é estudante sextanista de medicina e que matou gente. Lá no apartamento dele encontraram um vídeo com a mesma cena que ele protagonizou no cinema. Exatamente igual. Influencia a todos? Não, mas influencia os que são influenciáveis.

Repórter: E o que pode ser feito para ser coibido isso?

Covas: Tudo.

Repórter: Tudo o quê?

Covas: Por exemplo, se o dono da televisão entender que só deve passar filme fora do horário que a criança vê, está dando um avanço. Você já entrou num desses parques temáticos onde tem dez mesas de vídeo. O que são aquelas mesas de vídeo? Pode passar as dez, as dez têm homem e mulher dando pernada um na cara do outro até que um caia morto. Homem e mulher, tudo igual. Mulher briga com homem, homem briga com homem, mulher briga com mulher. Mas sempre termina com um morto no chão. Meu neto quer ir comigo e ele já corre para aquele negócio. E a gente acha que isso não influi. Olha, tem um cara que trabalha comigo. Ele tem um filho que tem oito anos de idade. O filho quer porque quer que o pai compre um revólver. Você pensa que ele quer que o pai compre o revólver para se defender? Não. Ele quer que o pai compre o revólver porque ele sabe que, com o revólver na mão, ele fica com poder.

Repórter: Qual seria então o modelo para melhorar essa situação?

Covas: Não tem modelo. Você tem que atacar todas essas frentes. O que eu estou dizendo é que a Polícia faz o trabalho da segurança. Mas ela ser boa ou ruim não contribui para aumentar a violência.

Repórter: Mas é preciso a recuperação desses adolescentes infratores.

Covas: Sim, só que isso não se faz só pelo Estado. Faz pelo Estado, faz pelo município, faz pela União e faz pela sociedade. É combater a violência, que é o que na realidade nos assusta. Bom, a Polícia tem hoje o que ela nunca teve. Só eu já comprei 11 mil viaturas.

Repórter: O senhor acha que os meios de comunicação ajudam bastante a continuidade da violência?

Covas: É, eu acho que a televisão ajuda muito. Os filmes que ela passa ajudam muito. É isso mesmo. Se você vai fazer disso o centro da notícia, pode fazer. É isso mesmo o que eu acho. A televisão ajuda uma barbaridade a violência. E, pior, ensina o ladrão muitas vezes. Você estréia um negócio no posto de pedágio mostrando o controle pela televisão, no dia seguinte o ladrão chega lá e toma aquilo. É assim. Ela não é a única culpada, lógico. Mas há uma porção de coisas que ela podia evitar e não evita. A gente precisa começar a acostumar com a verdade. Não me ameace dizendo que você vai pôr isso no jornal. Pode pôr. É isso mesmo que eu acho.