Trechos da entrevista coletiva do governador Mário Covas após inauguração do Poupatempo Itaquera

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sáb, 18/11/2000 - 15h18 | Do Portal do Governo

Seguem trechos da entrevista coletiva do governador Mário Covas após a inauguração do Poupatempo Itaquera, na Zona Leste da Capital, neste sábado, dia 18 de novembro de 2000:

Repórter: Como o senhor se sente com essa homenagem feita por duas pessoas, que vieram na inauguração do Poupatempo?

Covas: … O povo é muito generoso. Muita solidariedade! Já senti isso em outras oportunidades, voltar a sentir isso agora é uma coisa que estimula muito a gente. É uma reação que deixa a gente muito contente, muito.

Repórter: Governador, como o senhor acaba recebendo essas manifestações de carinho dos populares?

Covas: Muito comovido. Eu já experimentei isso em outra oportunidade. É um povo muito carinhoso, muito generoso, esse povo de São Paulo. É um povo que sabe o que quer. Tem muito menos do que deveria ter, muito menos que gostaria de ter, mas ainda lhes sobra uma enorme parcela no coração para solidarizar-se comigo. Eu acabo tendo o privilégio, pela segunda vez, de receber a dádiva dessa solidariedade. É uma coisa muito comovente, muito comovente. É difícil eu transmitir, às vezes brinco, invento estórias exatamente para não ser obrigado a manifestar a emoção que estou sentido. Mas é uma coisa muito densa, muito forte. Muito forte porque, sinto quando estou junto das pessoas e até mesmo, quando estou sozinho. Me lembro disso, sempre comentava com a Lila disso: mesmo no quarto do hospital a gente podia sentir essa corrente forte. É uma coisa muito generosa, muito generosa.

Repórter: O senhor vai com a mesma fé que foi para enfrentar a última batalha de saúde?

Covas: Eu procuro pensar pouco nisso. Procuro aguardar os acontecimentos e fazer minha parte na luta. Vamos ver, se agente puder contribuir com vontade, com desejo de lutar, com desejo de viver a gente contribui. O resto está nas mãos de Deus, evidentemente, qualquer que seja e decisão Dele é sempre a melhor decisão. Mas eu acredito que as coisas vão se sair bem, tenho até fé que a coisa… a bem da verdade que, nesta operação o que eles vão ver é só depois que abrir. Mas de qualquer maneira, como sente a coisa, você afinal é receptor do incômodo, da dor, eu quero crer que vai ser uma coisa menor do que poderia ser.

Repórter: O que o senhor recomendou para seu secretariado?

Covas: Não, só algumas coisas que eu queria distribuir como tarefa para quando voltar já estar feita. De forma que eu tenho dois dias para escrever algumas coisas que eu gostaria de fazer, coisas que ainda não estão em curso e poderiam ser feitas durante esse período para depois que eu voltar serem encaminhadas. Até lá, o Geraldinho toma conta do pedaço, que está em melhor condição que eu.

Repórter: Governador, qual a grande recomendação que o senhor está deixando para o secretariado?

Covas: Nenhuma grande recomendação, algumas coisas. Há dois projetos que a gente tem na cabeça que, por falta de tempo, por falta de oportunidade não houve tempo jeito de realizar. Como agora, a gente vai ficar um período sem ficar chateando o pessoal, dá tempo deles trabalharem com mais folga. Então, algumas dessas coisas a gente colocou nas várias secretarias para ver se podem formular o projeto durante esse tempo, para que, quando a gente volta possa ser tocado. Como não são projetos de outro mundo, até porque povo não quer coisa de outro mundo, não. Povo quer coisa que atenda as necessidade, o povo não acredita em grandes saltos, ele acredita em passos seguros, sucessão de passos. Ele não quer dar passo maior que a perna porque tem medo de ter de volta. Então, ele prefere ir andando paulatinamente. E portanto, ele não é ambicioso além dos limites. ele quer aquilo que é possível, às vezes até a gente se pergunta: por que querendo tão pouco, eles não têm o mínimo dispensável? Por isso é que a gente pesa muito em tudo que se faz, pensa muito nesse pessoal, que afinal precisa mais. Todos os programas são direcionados para… lógico fazemos programas de estradas, até de grandes estradas que custam fortunas etc. Mas, em média, os programas são sempre voltados para quem precisa mais. Aqui, por exemplo, acho mais importante instalar um Poupatempo aqui, do que botar um na região mais rica da cidade. Bom, talvez o uso até pudesse ser maior, não sei. Mas aqui é mais necessário, aqui é gente que precisa mais. Então, fico muito contente de ver uma obra como essa aqui.

Repórter: inaudível

Covas: Olha, na outra vez eu fui para o hospital sem saber o que eu tinha. Então eu fiz uma primeira intervenção e foi a partir dela que se descobriu. De forma que eu não tive contato popular, a não ser posterior. Dessa vez não, há um mês que já se sabe o que eu tenho, o que tem de ser feito. Então, todos em todos esses contatos a gente sente… é uma coisa inexplicável, a não ser pela generosidade do povo. Mas é uma coisa … às vezes são pessoas que têm simpatia pelo meu governo, às vezes são pessoas que têm simpatia por mim Mas é uma coisa tão unânime, tão coletiva que deixa a gente sem ter muita resposta… Dizer obrigado numa coisa dessas é quase que desvalorizar as o que as pessoas estão fazendo, porque parece que elas estão fazendo como um favor, e não é. Estão fazendo porque são portadores de solidariedade, numa hora como essa se manifesta. Talvez se todas as pessoas que ficasse doente tivessem a repercussão pública que tem o fato de você estar. Não digo os (inaudível) talvez todos tivessem esses mesmo tipo de solidariedade. Mas, é um sentimento que não tem controle pessoal, o valor está em quem dá e não em quem recebe. Para quem recebe é uma coisa excepcional. Mas o valor, o peso, está em quem dá.

Repórter: Queria que o senhor fizesse uma avaliação desse processo temporário da privatização do Banespa?

Cova: Eu acho que isso foi confuso desde o começo. Em determinado instante nosso chefe da receita Federal conseguiu jogar água em tudo. Quando ele fez uma multa para o Banespa de R$ 2,8 milhões, mesmo sem discutir se era válido ou não – porque afinal, ele estava multando o Governo Federal, porque a multa em incidiu sobre o período em que o banco estava sob intervenção, então sob o comando da Receita, então foi naquele período e não no período que o banco era do Governo do Estado, onde se cometeram muitos crimes. Mas, o que está acontecendo hoje, esse vai e vem, não é bom nem para os funcionários, nem para a instituição bancária, nem para quem for comprar, nem se ele não for vendido, não é bom em hipótese alguma. Está é desvalorizando o banco. Não é bom. Eu acho engraçado, porque alguns me falam em retomar o banco. Olha, se há alguém que brigou para o banco ficar com São Paulo foi eu. Briguei até contra a opinião pública, briguei até contra a imprensa.

Repórter: O senhor teria saneado o banco?

Covas: Ah, é difícil dizer. Teria saneado é uma presunção. Mas eu posso dizer o seguinte: que a Nossa Caixa, Nosso Banco funciona hoje com plena eficiência. A Nossa Caixa produz hoje lucros anualmente. Aliás, a cada trimestre nós recebemos dividendos de lucros que a Nossa Caixa produz. E a NC, quando nós assumimos, tinha que correr diariamente para fechar o caixa no fim do dia, a empréstimos de R$ 500 milhões do Banco Central. Numa situação semelhante à do Banespa. Hoje é o sétimo banco do Brasil. Mas isso quer dizer que teríamos resolvido o Banespa? Não. O Banespa não tinha problema, quem tinha problema era o Estado. Talvez hoje a gente tivesse condições de resolver, condição que não tínhamos naquele tempo. Cansei de dizer isso. Quem tem problema não é o Banespa, quem tem problema é o Estado.

Repórter: A União 47 bilhões no Banespa e ainda faltam dois bilhões que foram declarados agora no saneamento pelo próprio banco…

Covas: Investiu 47 bilhões? A União? Em que?

Repórter: Foi declarado pelo próprio banco…

Covas: Não acredito que tenham investido 47. A grande dívida que o Banespa tinha que o Banespa tinha era dívida do Estado. E essa dívida era uma dívida de 27 bilhões quando passou para a mão da União. Mas a União escolheu o caminho porque ela fez uma intervenção antes de eu assumir. Diga-se de passagem que, em face do que tinha acontecido, eu até diria que diante da Lei, a Lei foi descumprida, portanto deu margem para que houvesse a intervenção. Para mim, foi até muito desagradável. Porque ela foi feita na véspera de eu assumir. Parece que sempre andou tudo bem e quando eu assumi, ia andar mal. Então, foi uma coisa desagradável. Mas eu briguei muito para o Banespa ficar, muito. Cheguei até a mandar para a Assembléia Legislativa um projeto com uma equação pela qual eu pagaria 50% da dívida para o Governo Federal. Demorou para ser aprovada e foi aprovada contra o voto do PT, de forma que hoje não tem muita lógica achar que não deve fazer. Depois que o processo iniciou, não tem retorno. Qualquer coisa que acontece no meio do caminho em vez de melhorar, piora.

Repórter: O que o senhor acha da proposta de plebiscito?

Covas: Mas o que o plebiscito fará? Dirá que não deve privatizar? Então está bem. O Governo Federal vai respeitar isso? Pode uma Assembléia Legislativa de São Paulo determinar que se faça um plebiscito em São Paulo dizendo que não deve privatizar para o Governo Federal não cumprir isso? Está bem, de repente o Governo Federal, até em face da existência do plebiscito que diga o contrário, resolva ficar com ele. Mas para devolver para o Estado, o Estado vai ter que pagar aquilo que está lá. O que devia.

Repórter: (inaudível)

Covas: Não sei, mas não faço nenhuma aposta nisso. É tanta briga, tanta Justiça, tanta liminar. Para São Paulo o que foi ruim, se você pensar apenas em valores, o que foi ruim foi ter (inaudível) quando ele tacou a multa. Porque muito provavelmente naquela época nós estávamos no melhor instante para fazer isso e teríamos tido um leilão naquele instante com um ágio maior. Hoje o que aconteceu? Uma série de bancos desistiram de fazer. Muito provavelmente os que ficaram tendem a dar valores menores do que nas outras circunstâncias. Então não achei bom o caminho. Mas não achei bom para todo mundo. Não achei bom para o Banespa. O Banespa vai existir privatizado ou público. Os funcionários do Banespa vão continuar existindo e eles têm 17% do capital do Banespa. É ruim para eles que desvalorize isso. É ruim para todo mundo. Privatizar ou não privatizar é uma discussão que perdeu a época. Não tem mais sentido ficar discutindo isso. A gente privatizou a área energética porque se não privatizasse, em dez anos, ela seria comida. A dívida era tanta, que ela seria comida. Olha, nós fizemos de privatização R$ 14 bilhões e transferimos de dívida 9 bilhões. Quatorze bilhões nós faturamos e nove nós transferimos de dívida. Esses 14 também foram usados para pagar dívida.

Repórter: (inaudível)

Covas: Não, quem vai governar é o Geraldinho. Eu vou ficar dando palpite do hospital. Eu vou pedir no fim do dia o caixa para ver como é que foi. Eu tenho interesse especial no caixa.

Repórter: O senhor não abre mão do cargo?

Covas: Não, eu abro mão do cargo. Não abro mão do cargo não é a expressão correta. Não abrir a mão do cargo significa que você quer ficar com o cargo à força. Não é isso, não. Eu acho que se eu puder cumprir a responsabilidade que me atribuíram, eu cumpro. Se eu não puder, também terei a responsabilidade necessária para me afastar. Não é esse o problema. Eu não estou deixando de me afastar por estar apegado ao cargo, até porque os secretários todos sabem que eu saio de lá, o Geraldinho comanda como se eu tivesse lá. Então, não tem esse problema, apenas se mantém o status quo no que se refere a representação, o que me permite inclusive receber o salário, que me faz falta. Não sou jornalista, ganho pouco.

Repórter: O senhor vai continuar despachando internado?

Covas: Você, no hospital não está o tempo todo esticado na cama lá sem se mexer. Após a operação, fica-se uns três dias na UTI e aí vem para o quarto, onde se trabalha normalmente. Quer dizer, não é visitado a cada instante, mas se trabalha. Eu cansei de despachar no quarto. Agora, se eu sentir que estou mais fraco, que a operação deixou mais reflexo etc , e portanto é melhor se afastar, eu não tenho esse problema.

Repórter: O senhor disse que o Poupatempo teve 96% de aprovação da população. O senhor pretende estender?

Covas: Bom, tem o projeto de fazer um em Santos, outro em São Bernardo. Hoje tem seis, mas queremos fazer 12. No interior tem em São José dos Campos, onde o Poupatempo está instalado num shopping. Nós encontramos lá um shopping que se dispôs a dar parte das instalações para instalarmos um Poupatempo. Aí o trabalho da gente foi só a instalação de equipamentos e de pessoal. Não tivemos que construir como aqui. Aqui a construção densa, são 300 metros de comprimento. isso aqui é quase uma obra de arte parece um viaduto. Mas nós temos um em andamento em São Bernardo, num terreno da Prefeitura. Então nos municípios você tem essa facilidade, a Prefeitura dá o terreno e nós fazemos o Poupatempo. É uma coisa muito bem recebida pela população, porque quebra-ganho mesmo, resolve mesmo uma série de problemas.

Repórter: Que lição o senhor tira disso tudo que lhe vem ocorrendo?

Covas: É difícil dizer, talvez a gente dê um pouco menos de importância para certas coisas baseadas na vaidade, por exemplo, que a gente cultivava. Talvez a gente dê mais importância para outras coisas, coisas transcendentais. Mas eu acho que a gente vive aprendendo, tem sempre alguma coisa de bom que a gente tira dessas circunstâncias. Para mim, só tirei coisas boas. Ficam cortes na gente, às vezes como o no umbigo que tenho aqui. Mas isso é de menos. Você quando acorda, depois de receber a anestesia, e vê que está vivo, é uma satisfação tão grande, inigualável. O último pensamento que se tem antes da anestesia fazer efeito é saber se vai acordar. Você acorda com um sentimento tão agradecido porque está vivo, que o tudo aconteceu não tem mais importância. Só se tem importância a nova etapa pela frente. Mas , acho que, de alguma maneira, influi no ânimo, na vontade, no reconhecimento das pessoas, na vontade de ser cada vez mais verdadeiro com elas. Não sei, algumas coisas se aprende mesmo sem isso.

(…)

Covas: (inaudível) e eu respondo para esse alguém e no dia seguinte eu leio que eu bati boca. Porque a gente tem um conceito muito errado disso. A gente acha que quem governa é para ficar sentado no gabinete e o povo lá na outra ponta. E a rigor, essa é uma cidade onde as carências são tão grandes, tão grandes, que você pára para dizer “não” para uma pessoa, ela acha uma consideração. As pessoas não querem ouvir só “sim” de você. Elas aceitam o “não”, elas querem é discutir, elas querem ter a oportunidade de saber porque afinal elas estão sendo privadas de alguma coisa. E você acaba ficando cada vez mais estimulado a fazer isso. No fim isso não é um vício, isso é uma conseqüência, uma dívida que você vai amontoando. Esses episódios contribuem para fazer com que a dívida cresça muito. Mas eu vou-me embora senão começo a chorar daqui a pouco.

Repórter: Governador, falando em chorar, como é que o senhor está se sentindo agora?

Covas: Agora, com você perto de mim eu estou ótimo. Veja, minha esposa à direita, você à esquerda, eu posso pedir mais coisa que isso?

Repórter: A Zona Leste está em festa porque o senhor entrega a nova obra da Zona Leste, que é o Poupatempo Itaquera, e daqui a pouco o senhor vai dar um caratê lá nas grades do 21º DP. Eu gostaria de saber como o senhor consegue atender a maior reivindicação do povo da Vila Matilde, 78 anos brigando para desativação da cadeia e o senhor desativou a cadeia. Quero saber qual é a forma.

Covas: Nós vamos desativar a cela, o Distrito continua lá. Desativar as celas porque acabaram de ser entregues seis Centros de Detenção Provisória e é exatamente lugar no qual vão ficar as pessoas que estão presas mas ainda não foram condenadas. O objetivo dessa construção é exatamente liberar os Distritos Policiais. Alguns deles como o da Vila Matilde, até a Nenê foi pedir.

Repórter: O senhor vai para a Vila Matilde?

Covas: Eu hoje vou no Nenê da Vila Matilde.

Repórter: Vai almoçar depois?

Covas: É, vou almoçar depois.

Repórter: Vocês vão lá para a cadeia?

Covas: Não, nós não vamos para a cadeia, vamos visitar a cadeia.