Trechos da entrevista coletiva do governador Mário Covas após inauguração da Casa de Solidariedade

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seg, 04/09/2000 - 16h39 | Do Portal do Governo

Parte I

Repórter – … no Estado de São Paulo, mas num momento como este. Qualquer político, qualquer ser humano amolece e vi que o senhor se emocionou com a solenidade

Covas – É verdade, isso aí mexe com a gente. Aliás, mexe com todo mundo que assiste, mesmo quem está aqui a trabalho. Nós estamos vendo que crianças que poderiam amanhã – numa circunstância adversa dessa se desviar do bom caminho, mas encontram uma maneira de poder conviver, de poder aprender. Essa sala, por exemplo, é a sala das artes. E quem já visitou a outra Casa de Solidariedade durante o horário de funcionamento pode ver que é muito interessante. Você vê o rosto das crianças, o sorriso etc. Eu gostaria que isso aqui se multiplicasse em cada cidade, pelo menos na Região Metropolitana de São Paulo, onde esse problema é mais grave.

Repórter – É através dessa casa que a Febem vai ficar um dia vazia?

Covas – Eu acho que sim, casas como esta. É a tal história, outro dia um professor me dizia: ‘as crianças hoje entram na escola e não têm nenhum respeito pelos professores’. No meu tempo de estudante, a educação era dada em casa primeiro. Nós chegávamos na escola com uma educação já feita e, portanto, a escola complementava essa coisa. Hoje, por força de uma série de circunstâncias que, às vezes não têm a ver com os pais, não são culpados disso, essa coisa não acontece mais. Então muita criança, por falta de antecedentes, chega lá em dificuldades. Aqui você concilia a escola com a permanência aqui. Ou seja, as crianças que estudam de manhã, e aqui tem um número muito grande de escolas no entorno, vêm no período da tarde e as que estudam à tarde vêm no período da manhã. Portanto, elas passam o dia inteiro num ambiente escolar e passam o dia na escola sob um clima muito simpático para elas, um clima de bastante liberdade, aprendizado etc. E com gente, das quais vocês vêem, com devoção pelo trabalho. As pessoas que trabalham aqui estão mais alegres que as crianças, elas fazem da atividade uma constante realimentação da sua solidariedade.

Repórter – Governador, o senhor falou sobre a violência na TV. Hoje, não seria nem o caso da Lei de Censura, mas o senhor falou de um censo de responsabilidade das emissoras. O que seria colocar em prática esse censo de responsabilidade das emissoras?

Covas – Ah, não tenho nada para colocar em prática. Qualquer coisa nesse sentido precisa ser feito pelas próprias televisões porque, caso contrário, fica parecendo que é censura e eu abomino a censura sob qualquer forma. Eu acho que é alguma coisa que deveria vir de dentro para fora. As redes de TV deveriam se organizar para apresentar a programação segundo horários adequados. A criança vê TV desde às 9 horas da manhã até às 9 horas da noite. Deixem para passar as coisas mais pesadas depois desse horário. Mas isso tem que ser alguma coisa que as próprias emissoras, os meios de comunicação decidam fazer. Não pode ser imposição, uma determinação governamental. Porque se for, passa a funcionar como censura e daí é um passo para se fazer censura e outras coisas que não têm nada a ver com isso. Penso que, para ser conquistado, precisa ser através de uma decisão própria dos proprietários das redes de TV. E quando eu falo televisão, falo rádio e dos outros meios de comunicação. É lógico que a comunicação influencia, se ela não influenciasse nós não tínhamos publicidade, propaganda. A propaganda é exatamente o uso do meio de comunicação, que potencializa, multiplica.

Repórter – O senhor falou do binômio que causa o aumento da violência, a desestruturação familiar e a TV …

Covas – Não, existem várias coisas. Não é um binômio é um polinômio e de várias faces diferentes. A desestruturação familiar talvez seja o pior deles, a droga é outro problema muito sério, o armamento que entra como contrabando no País. Normalmente você vê um policial dotado da arma que a lei permite, que é o revólver, enfrentando o bandido com metralhadora nas mãos. Mas não se fabrica essa metralhadora aqui, apenas se importa isso para o Exército, as Forças Armadas. Tem bandido invadindo Distrito Policial com metralhadora, que veio para o País em contrabando. Portanto, alguém deveria estar lá da divisa do País tomando conta para que isso não acontecesse. Mas acontece, as divisas são grandes, você pode ter uma porção de razões que expliquem isso. Mas, a rigor, elas acabam produzindo esse resultado. Eu acho que não é só isso, não. A voragem de consumismo que nós temos estimula a isso. A própria vulgarização da violência estimula a isso, a convivência que nós temos diariamente com a violência em cada esquina é um fator de violência. Você passa a se acostumar com isso. Você chega numa esquina à noite com seu automóvel e tem uma criança para pedir alguma coisa, você fecha o vidro e nem olha para a criança. Ou seja, nós já temos a reação que não é a tradicional de um ser humano perante outro. Por que? Porque se tem medo que essa criança reaja de forma violenta. Mas, a rigor, essa criança deveria ter um tratamento preliminar que não a fizesse ir parar ali. Mas é o que eu digo: a polícia de São Paulo melhorou e muito. Nós prendemos 10 mil pessoas.

Repórter – É bastante, governador?

Covas – É bastante sim. É o triplo do que se fazia antes. Aliás, é o quíntuplo do que se fazia antes. Agora você não resolve apenas prendendo. É tão eficiente este trabalho que, quando eu assumi nós tínhamos 55 mil presos, hoje nós temos 90 mil. Isso decorre de uma polícia que foi mais eficiente. Está mais organizada, tem mais recursos, tem mais armamentos etc. E até tem mais vontade, mais estímulo. O que é bastante? É botar um policial ao lado de cada cidadão? Isso é absolutamente impraticável. Nós precisamos é de repente parar e dizer assim: ‘será que o que está acontecendo aí é culpa da polícia?’ A polícia não faz a violência, ela oferece garantias de segurança.