Trecho da entrevista coletiva do governador Mário Covas após Seminário sobre Guerra Fiscal

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qui, 29/06/2000 - 18h59 | Do Portal do Governo

Pergunta: Agora governador, no caso da jurisprudência do STF, o senhor a um tempo atrás dizia que estava esperando esta decisão do STF para avaliar se entraria com processo em relação a outros estados. O senhor acha que isso nem é necessário agora?

Covas: Não, não, não. Eu estava esperando a decisão do Supremo. Porque se o Supremo dissesse que aquilo era válido, então a gente ficaria com liberdade de fazer também. O Supremo disse que não é válido, agora que eu vou fazer? Não, não vou fazer também. Aliás ontem, dez minutos antes de saber disso, eu disse que se tivesse que fazer para a Embraer, eu faria. Agora já não faria mais.

Pergunta: O senhor acha que em relação a outros Estados, o senhor já tem em mira?

Covas: Fiquei a vida inteira para (inaudível). Agora que eu digo que vou fazer, ela resolve, acho que foi por isso.

Pergunta: O senhor já tem outros projetos na mira, de outros estados, para apresentar ações semelhantes a esta?

Covas: Não, não. Olha quando a gente tem uma decisão peremptória, como essa, ela passa a valer para todo mundo. Quem fizer hoje no Brasil, quem frustar a lei nº 2475, quem desobedecer a lei, não está desobedecendo a lei, está desobedecendo uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que foi absolutamente contundente quanto a esse resultado. Portanto, eu acho que vai ser muito difícil daqui para frente isso acontecer. Bem, precisa se equacionar o problema para trás. Quem fez a coisa, embora tenha feito ilegal, disse: mais agora eu vou ficar com o ônus? Não me disseram que era ilegal antes, mas estava escrito na lei, não precisava ninguém estar avisando. Mas, é evidente que você está fazendo um acordo e tem que levar isso em consideração. Eu não acho que pagar isso é o pior, eu acho que vão prevalecer certas empresas que vão ficar o resto da vida com vantagem e ainda com a certeza de que as outras não podem ter vantagem. Ou seja, você eterniza o favor fiscal para alguns, eu acho isso ruim, mas enfim.

Pergunta: Qual é a parcela que São Paulo pagaria neste Fundão, neste semestre? O senhor disse que não precisa nem dizer o número?

Covas: Não tem valor, é percentual do ICMS, se for o Fundinho é 17%, se for o Fundão é mais do que o dobro disso.

Pergunta: Agora governador, do ponto de vista político, o senhor não tem expectativa de que esta decisão do Supremo possa interferir nos rumos da discussão da reforma e nos rumos da discussão do Fundão?

Covas: Neste aspecto pode. É até possível que possa, mas eu não imagino que não leve em consideração o que já aconteceu no passado.

Pergunta: Como vai ser decidido se vai ser o Fundinho ou o Fundão?

Covas: Isso, normalmente se decide no Congresso. Ou se chega a uma conclusão por unanimidade, ou se vota.

Pergunta: Mas, quando?

Covas: Quando tiver pronto para votar. E quando é que está pronto para votar? Quando você chega a um consenso razoável em que a maioria está de acordo com aquilo. Como nestas coisas São Paulo é minoria, não vai depender muito de São Paulo.

Pergunta: Mas, esse fundo vai fazer parte da emenda da Reforma.

Covas: Não é fundo. É a maneira de que se vai fazer este ressarcimento ou falar forte sim.

Pergunta: Vai estar na emenda constitucional?

Covas: Sim.

Pergunta: Governador, eu queria mudar um pouquinho de assunto.. O que o senhor achou daquele possível ataque de bactéria salmonela ao senhor?

Covas: Olha eu soube disso ontem à tarde. Eu ontem à noite até estava com expectativa de ver no dicionário o que significava salmonela, porque eu não sei até agora. Mas, não pude ver porque eu já cheguei em casa muito tarde e tinha uma rodada dos jogos de tênis que tinha havido de manhã, lá em Wimbledon. E eu fiquei lá vendo, numa tal de PSN, que eu pensei que era partido político, mas não era é uma estação de rádio. Fiquei vendo aquilo, então não sei o que é salmonela. Me dói que na minha terra alguém tenha pensado isso. Evidentemente o rapaz hoje esteja sofrendo até o problema de um arrependimento por ter pensado, não é por ter feito. Não dá para eu imaginar que um rapaz estudando, universitário, tenha a idéia de fazer mal a alguém. Não é nem de jogar bactéria, eu nunca tinha visto alguém fazer este tipo de coisa, quer fazer uma guerra química comigo? (risos) Mas enfim, provavelmente foi apenas um rasgo de notoriedade. Não tenho nenhum , se dependesse de mim isso não seguia daqui para frente.

Pergunta: Eu gostaria que o senhor comentasse um pouco sobre o caso do senador Luís Estevão?

Covas: Acho que o resultado foi um resultado inevitável. Acho que diante das circunstâncias, diante de tudo que aconteceu o resultado foi um resultado esperado. Eu, sabe de uma coisa, eu vou contar uma coisa para vocês que nem é favorável contar agora. Eu ganhei um certo respeito por este rapaz, porque das pessoas que o Collor chamou como testemunha para defendê-lo, o único que teve coragem de defendê-lo foi o Luís Estevão. Ele chegou lá e disse: olha eu fiz o empréstimo para o Collor, o dinheiro é meu e eu dou para quem eu quero, e fui eu que dei. Os ministros do Collor chegaram na base de depor, lá na CPI, e disseram tira este bicho da minhas costas, quem é este tal de Collor. Ninguém foi capaz de abrir a boca, ele falou. Um dia eu tive a ocasião de encontrá-lo na casa de um amigo comum, e de dizer isso para ele. Olha eu passei a ter respeito por você, eu respeito muito as pessoas que numa circunstância destas tomam uma posição e ele tomou. Agora, eu acho que a certas coisas que você não mistura, ele é um homem de empresa. Aliás, talvez o mais rico empresário lá de Brasília, tem sete ou oito empresas bem sucedidas, e um empresário que recebeu as empresas, ele herdou as empresas e toca aquilo corretamente. Não dá para misturar, política ou você faz só política ou você mistura as coisas. Não dá para fazer as duas coisas. Então quando você ouve falar em profissionalização da política, isso não é um erro não. Isso é uma coisa correta, quem faz política, só pode fazer política, não pode misturar isso com mais nada. Eu tinha uma empresa de engenharia lá em Santos quando fui eleito pela primeira vez. Tinha 30 anos de idade, a primeira coisa que eu fiz foi fechar a empresa, porque não dá para fazer as duas coisas, não dá. Amanhã você está misturando, você vai visitar um banco, um Banco do Brasil, qualquer outra coisa, e você não pode se despir da sua qualidade de senador. E mesmo que não queira acaba esta coisa, parecendo tráfico de influência se eu não acho isso bom. Eu acho que se você quer fazer política, você faz política. Representação é pior, porque implica numa série de coisas, não quero dizer com isso que ele tenha abusado. Eu esperava este resultado, achei acompanhando a distância o desenrolar do caso, que o desenlace, o final teria que ser este mesmo. Portanto, não me causou surpresa. É sempre desagradável você ver alguém ser acusado, e não conseguir apresentar razões satisfatórias pelas acusações, mas acho que o Senado fez o que tinha que fazer. Não tem que ter, essas coisas não tem que ter muito, a pessoa mesmo numa casa parlamentar, ela é igual a qualquer outra. O que o Poder não pode é deixar de julgar e deixar de julgar com consciência, porque senão ele deixa de ser Poder. E um Poder que queira ser Poder, ele não transfere o policiamento do seus atos para outro Poder, ele exercita esse policiamento e portanto é um exemplo de conduta que eu acho louvável. Foi lá tomou a decisão e caçou o mandato dele. Eu não conheço em detalhes todos os fatos, não conheço nem mesmo a obra aqui, nunca tive em interesse em ir ver. Porque as minhas já custam caro e ainda assim a gente consegue um bom desconto em todas elas, mas eu não tive nenhum interesse em ver a obra. É a tal história, você acaba ampliando de tal maneira que não dá para tocar tudo. Às vezes outras pessoas estão envolvidas na coisa, você tem que se servir de outras pessoas para isso. Enfim, eu acho que o resultado foi o esperado. Eu acho que inevitavelmente diante do desenvolvimento do processo, das circunstâncias o final teria que ser esse.

Pergunta: Governador, e este caso na Assembléia Legislativa com funcionários fantasmas, que o Jornal Nacional tem mostrado todos os dias. Isso também não mereceria uma punição?

Covas: Mas quem tem que fazer esta punição, se merecer esta punição? Quais funcionários fantasmas?

Pergunta: Ontem no Jornal Nacional apareceu uma reportagem que o próprio presidente da Assembléia, Wanderlei Macris, teria uma série de funcionários trabalhando para ele em Americana e recebendo salário pela Assembléia Legislativa.

Covas: Essa é uma prerrogativa que o presidente tem. Um parlamentar que tem funcionários parlamentares, os funcionários tanto podem trabalhar lá no Parlamento ou em outro lugar. É a tal história, chegamos a outro problema, o inverso. O parlamentar deve ser mau pago, deve atender os contribuintes, deve morar em Brasília, deve manter um escritório aqui. Mas, ele não pode manter funcionários trabalhando uma parte lá, uma parte aqui. Ele não está ultrapassando o limite de funcionários que ele tem prerrogativas para ter, ele está localizando o funcionário. Eu não vejo que nisso acha um grande crime. Eu vi foi uma denúncia inicial de uma funcionária que trabalhou com ele de 81 a 84, eu conheço o Macris. Ele era menino quando eu recuperei meus direitos políticos, eu era deputado estadual. Eu tenho muitas dúvidas que o Macris seja capaz de uma atitude destas, ele é um rapaz limpo, um rapaz sério. Tenho muita dúvida e faço muita questão de manifestar isso claramente. Eu pessoalmente não aposto um tostão furado em que ele tenha feito isso.

Pergunta: Governador, em relação ao pacto federativo, que também é um dos temas essenciais do seminário, uma das questões levantada recentemente é que os estados não foram devidamente ouvidos na elaboração do Plano Nacional de Segurança. Essa é uma característica que pode relatar um pouco a relação ou a falta dela entre a União e os estados. Eu queria saber na sua avaliação o que está faltando para o pacto federativo hoje?

Covas: Eu não acho que isso é realmente expressão ou não do pacto federativo. Isso seria expressão da relação entre níveis diferentes de governo. Eu acho que o governo teria avançado muito mais e talvez não tivesse recebido algumas críticas, às vezes até por má informação, se antes tivesse dado conhecimento, olha nós vamos apresentar um plano, envolve uma porção de aspectos. Eu vejo virtudes no plano, talvez porque me senti lisonjeado porque o plano aborda o problema da maneira como eu abordo. Eu vivo dizendo que a razão da violência não é apenas a existência boa ou má da polícia, ela tem uma série de razões. E a elaboração do plano me mostrou que uma faixa institucional pensa da mesma maneira, tanto que apresentou a luta contra a violência em “n” aspectos diferentes. Eu acho que isso é verdadeiro, a polícia mais ou menos eficiente é que te garante mais ou menos segurança. Mas, ela não te aumenta a violência nem te diminui a violência, que é gerida por outros fatores que não a polícia. Esta pode te dar mais ou menos segurança. Eu posso te afiançar e mostrar claramente que a eficiência da polícia em São Paulo aumentou e muito, e ainda assim a violência aumentou também.

Pergunta: Agora, em relação ao pacto federativo, o senhor acha que ele está sendo exercido plenamente hoje no país?

Covas: Olha se você quiser um exemplo de negativa disso, você toma o que acontece com a bancada federal de deputados. Houve um instante em que um ato institucional programou uma mudança nesta composição de tal maneira que estados como São Paulo foram prejudicados em relação a estados mais pobres que são muito mais dependentes do Governo Federal, do que estados mais ricos. Isso leva portanto a uma mudança nas decisões afinal, uma mudança na influência indireta que o Executivo Federal tem no Congresso, em relação às decisões que são tomadas. Agora, nós temos uma dificuldade, nós somos um país de cenário muito diverso, muito diferenciado, isso repete numa escala muito maior, o problema da Região Metropolitana. Você pega a Região Metropolitana de São Paulo, eu me lembro quando era prefeito, uma vez eu fui numa reunião do Consulte. Uma vez o secretário dos Transportes Metropolitanos, que era meu amigo disse, Mário vem uma comissão do Consulte numa reunião. Eu fui. Eu estava sentado ao lado do prefeito de Embu, do prefeito de Franco da Rocha. Então eu era tratado como um estranho, como uma figura que não se identificava com aquelas figuras dali. Porque eu era prefeito de uma cidade de 10 milhões de habitantes, e eles prefeitos de cidadezinhas pequenas. Este tipo de coisas torna mais difícil você obter consenso. É preciso uma dose de humildade grande para que uma cidade de 10 milhões de habitantes aceite uma decisão que foi tomada com a participação de uma cidade que tem 5 mil habitantes. Então isso dificulta o conceito de Região Metropolitana e o que é a Federação senão uma grande Região Metropolitana que abrange o país todo e que portanto reproduz estas dificuldades tendo em vista a diversidade existente.