Transplante de órgãos em São Paulo dobra em três anos

Resultado foi possível graças a criação da Central de Transplantes, que descentralizou a captação de órgãos por meio de dez hospitais vinculados a ins

sáb, 11/08/2001 - 13h45 | Do Portal do Governo

Resultado foi possível graças a criação da Central de Transplantes, que descentralizou a captação de órgãos por meio de dez hospitais vinculados a instituições universitárias e públicas

Escondida em duas discretas salas do 9º andar no prédio da Secretaria de Estado da Saúde, uma pequena equipe de profissionais, munida de computadores e linhas telefônicas, detém o controle de 35% dos transplantes de órgãos realizados em todo o País. O grupo coordena a Central de Transplantes do Estado de São Paulo, criada em maio de 1997 sob a sigla CNCDO (Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos). No ano passado, o órgão foi responsável por nada menos que 2.214 cirurgias do gênero, enquanto que o número nacional fechou em 6.299 operações – segundo dados do Ministério da Saúde.

A central é responsável pelo cadastramento de pessoas que precisam da doação de um órgão, pelo recebimento de notificações sobre morte encefálica (quando o cérebro e o tronco encefálico param de funcionar) e pela distribuição dos órgãos para os receptores, obedecendo critérios científicos através de um programa informatizado e sem interferência dos operadores.

O diferencial da instituição, no entanto, está no trabalho descentralizado de captação dos órgãos, delegado a dez hospitais vinculados a instituições universitárias ou públicas. ‘Com esse modelo, o número de transplantes no Estado vem subindo ano a ano’, observa o coordenador da central, dr. Luiz Augusto Pereira. De 1997 para 2000, as cirurgias de rim, fígado, coração e pâncreas, por exemplo, saltaram de 451 para 883. Ou seja, dobraram.

Os dez hospitais que fazem captação de órgãos no Estado estão divididos em duas regionais: Capital (incluindo Região Metropolitana e Litoral) e Interior. Na primeira delas estão o Hospital das Clínicas, a Santa Casa de Misericórdia, o Hospital São Paulo e o Instituto Dante Pazzanese. No Interior, as seis instituições estão localizadas nos municípios de Campinas, Sorocaba, Botucatu, Ribeirão Preto, Marília e São José do Rio Preto.

Para otimizar o trabalho – sobretudo no Interior, onde estão mais de 16 milhões de habitantes espalhados por centenas de municípios -, a Secretaria da Saúde mantém nos hospitais captadores um serviço chamado OPO (Organização de Procura de Órgãos). São equipes multiprofissionais que atuam em áreas geográficas determinadas. ‘Eles fazem um trabalho ativo, telefonando e visitando hospitais com serviço de emergência e UTI’, explica o Dr. Pereira.

O objetivo dessas equipes, destaca ele, é envolver algum profissional desses hospitais para atuar como informante nos casos de morte encefálica. O médico enfatiza que somente pacientes graves que tenham tido trauma de crânio ou lesão neurológica – como derrame, por exemplo – podem se tornar doadores em potencial. Neste caso, a notificação imediata a uma OPO ou à central de transplantes é fundamental para aumentar o número de doadores, o que vem ocorrendo com êxito, apesar da média de recusa familiar manter-se em 35% nos últimos quatro anos.

Mesma média da Austrália

Hoje o Estado de São Paulo está com índice anual de dez doadores para cada um milhão de habitantes. ‘Já nos encontramos no mesmo nível da Austrália’, comemora o coordenador da central. Em âmbito nacional, infelizmente, esta média ainda está muito aquém do desejado: 5,3 doadores para cada um milhão de brasileiros por ano, de acordo com o Ministério da Saúde.

Nos EUA, onde a captação de órgãos está organizada há mais de 10 anos, esse índice é de 20 doadores para cada um milhão de habitantes/ano. Já na Europa e Canadá, a média está em 15 doadores para cada um milhão de pessoas. O campeão mundial na doação de órgãos é a Espanha, que anualmente consegue 28 doadores para cada um milhão de habitantes. ‘Eles têm esse desempenho porque praticamente em cada hospital existe um serviço igual ao das nossas OPOs’, comenta o dr. Pereira.

Para difundir a cultura da notificação em cada hospital com UTI e pronto-socorro, recentemente o Ministério da Saúde baixou uma portaria estabelecendo aos hospitais que realizam transplantes e ou que tenham UTI de nível II e III (com técnico mais avançado) que criem sua comissão intrahospitalar de transplante, em modelo similar ao de uma OPO. ‘É, sem dúvida, uma boa iniciativa’, avalia o coordenador da central paulista.

O médico sustenta que a notificação imediata foi o principal fator para o aumento do número de transplantes em todo o Estado de São Paulo. Ele destaca que, mesmo assim, ainda existem muitos casos de morte encefálica não notificados, embora o procedimento seja obrigatório por lei.

A corrida contra o tempo se dá porque o coração do doador também pára de funcionar em questão de horas, inviabilizando qualquer aproveitamento dos órgãos. Após a notificação de um paciente por morte encefálica e o esclarecimento à família (que pode aderir ou não a doação), as equipes médicas precisam fazer exames bioquímicos e de sorologia do doador. Na seqüência, por critério do Conselho Federal de Medicina, um médico faz um exame clínico, que é repetido após seis horas por outro médico. Posteriormente é feito um exame gráfico para consolidar o diagnóstico de morte encefálica. O processo consome de 18 a até 24 horas, além de outras seis horas, quando geralmente é marcada a cirurgia para a retirada dos órgãos.

Outras atribuições e objetivos

Em maio do ano passado, a central de transplantes incorporou o gerenciamento do transplante de córneas, dentro dos mesmos moldes do trabalho realizado com coração, rim, fígado, pulmão e pâncreas. Com a notificação, captação e distribuição seguindo critérios técnicos, foi possível fechar o ano 2000 com a realização de 1.331 transplantes de córneas.

A central também gerencia a doação de outros tecidos, como pele, ossos, tendão e válvula. Neste casos, a distribuição é feita para as equipes de transplantes e não diretamente aos receptores cadastrados na central. Isso porque uma doação de pele, por exemplo, pode beneficiar até 30 pessoas, dependendo de cada caso.

O coordenador lembra que a principal missão da central de transplantes é garantir a distribuição justa de órgãos, baseada por tempo de espera, tipo sangüíneo, compatibilidade de porte físico com o doador e nuanças próprias do órgão. ‘São critérios unicamente científicos, jamais associados a questões econômicas ou políticas’, reitera dr. Pereira.

O cuidado começa já na inscrição dos receptores, que precisa ser feita pela equipe de transplante seja de um hospital público ou privado. A exceção fica por conta dos pacientes com problemas renais. Neste caso, a inscrição pode ser feita pelo centro de diálise, desde que tenha o aval de uma equipe de transplantes. De acordo com a central de transplantes, vinculada ao Ministério da Saúde, atualmente no Estado de São Paulo mais de 15,8 mil pessoas estão na fila de espera por um órgão.

Aumentar o número de cirurgias do gênero também é uma das prioridades da central paulista – o que felizmente vem ocorrendo graças à descentralização do trabalho de captação dos órgãos por meio das OPOs. Outro objetivo do órgão é avaliar a qualidade dos transplantes com acompanhamento do paciente pós-cirurgia, mantido sob registro com avaliação periódica.

Serviço

Informações mais detalhadas sobre a central de transplantes do Estado de São Paulo podem ser obtidas no site da Secretaria da Saúde: www.saude.sp.gov.br ou diretamente no endereço da central: www.saude.sp.gov.br/html/fr_ctrans.htm. Nele, é possível saber como trabalha o órgão e como funciona a ‘fila única’, legislações sobre o assunto, formulários e slides, além de dados sobre transplantes realizados e links de outros sites nesta área. Também é possível consultar o cadastro técnico dos inscritos, separado por órgão, inserindo o número do CPF do paciente.

Gislene Lima