A matemática do sono

Estudo aposta em método de interpretação matemática dos ruídos do sono para simplificar a identificação da apneia

ter, 02/10/2012 - 9h49 | Do Portal do Governo

Um método em estudo no Instituto de Física (IF) da USP pode promover a popularização do diagnóstico da apneia do sono, desordem que causa interrupções momentâneas da respiração durante o sono. Idealizada pelo professor Adriano Alencar, do IF, em parceria com o coordenador do Laboratório do Sono da Faculdade de Medicina da USP, Geraldo Lorenzi-Filho, a técnica abrange a gravação dos sons emitidos pelo paciente durante o sono e a posterior análise matemática computacional dos intervalos temporais do ronco captado.

Segundo Alencar, o trabalho está baseado no princípio de que os fenômenos naturais do ser humano possuem padrões passíveis de serem interpretados matematicamente e, dessa forma, revelar a ocorrência ou não de distúrbios. No caso da apneia, o indicativo é a verificação de intervalos maiores entre os roncos.

A proposta da pesquisa é validar a técnica para que seja utilizada como um pente fino para o diagnóstico, ou seja, indique os pacientes que apresentam padrões de apneia para a confirmação nos exames de polissonografia. Esses exames são limitados pelo custo e pelo inconveniente de exigir a presença do paciente no hospital, onde ele deve dormir ligado a equipamentos de monitoramento.

De acordo com pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a apneia do sono atinge 33% da população adulta na cidade de São Paulo. “No futuro, a nova tecnologia poderá ajudar a fazer o diagnóstico do problema na população de forma simples e barata”, prevê Alencar.

Roncômetro

A pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), teve início há dois anos. O ponto de partida foi a experiência adquirida pelo professor Adriano Alencar em estudos realizados nos EUA que relacionavam ruídos com doenças respiratórias.

A mesma base do estudo – de investigação dos padrões dos sons – foi adotada para a criação do roncômetro, como é chamado o método. Sua aplicação é possível para a maioria dos casos, já que cerca de 90% dos portadores de apneia roncam. “Isso acontece porque durante o sono dessas pessoas ocorrem obstruções repetidas da garganta. Se a passagem do ar é interrompida parcialmente, são emitidas as vibrações sonoras, ou seja, ocorre o ronco”, esclarece Alencar.

O método foi testado em um grupo de 17 pacientes no Laboratório do Sono da Disciplina de Pneumologia no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Para tanto, um gravador de áudio profissional, calibrado pela equipe, foi colocado ao lado da cama de cada um deles para registrar todo o período de sono (em média sete horas).

As gravações foram enviadas pela internet para processamento num servidor no IF, onde um programa especialmente desenvolvido para o estudo identificou os sons provenientes do ronco, descartou os restantes e traduziu a intensidade dos ruídos em decibéis. Depois, a partir de um algoritmo (fórmula matemática usada em computação), elaborou gráficos do intervalo de tempo em segundos entre os roncos, usados em seguida para o cálculo do Índice de Intervalos Temporais de Ronco (STII), que permitiram a identificação da indicação de apneia.

“Para isso, foram considerados todos os intervalos entre roncos maiores do que 10 segundos e menores que 100 segundos, que caracterizam uma parada total momentânea da respiração”, aponta o professor. Constatou-se que, quando o intervalo foi maior, ou o paciente mudou de posição na cama, ou acordou, voltando a respirar.

Para a validação do método, os resultados obtidos pelo método foram correlacionados com os do Índice de Apneia e Hipopneia (IAH), resultante do polissonígrafo. “Nessa primeira fase do trabalho, todos os resultados do roncômetro e da polissonografia corresponderam, o que nos permite avançar no estudo”, explica o professor.

Novos passos – Na próxima etapa, prevista para ser desenvolvida durante um ano, os pesquisadores pretendem realizar testes com 200 pacientes que, diferentemente da etapa anterior, não serão apenas pessoas que já possuem indicação de teste para apneia. “A gente imagina que essa amostragem seja suficiente para validar o método para uso público”, aposta Alencar.

Os experimentos servirão também para aprimorar a captação de sons do equipamento, além de adaptá-lo para utilização na residência do próprio paciente. “Pretendemos adquirir mais dois gravadores profissionais, para essa etapa e, ao mesmo tempo, tentar adaptar os comuns no decorrer para serem usados”, explica.

Os experimentos tiveram a participação, ainda, dos alunos de Medicina Diego Greatti Vaz da Silva e Carolina Beatriz Oliveira, bolsistas da Fapesp, e de André Vieira, também professor do IF. Adriano Alencar é o responsável pelo trabalho na área da física, e Geraldo Lorenzi-Filho na da saúde. Henrique Moriya, do Laboratório de Engenharia Biomédica da Escola Politécnica (Poli) da USP, desenvolveu o aparelho que realiza as gravações e faz o pré-processamento das informações.

O método de medição do ronco também está sendo utilizado em outros estudos do Laboratório do Sono relacionados à apneia, como o que avalia o impacto de exercícios para a garganta e a língua na melhora do distúrbio, realizado pela fonoaudióloga Vanessa Ieto. Na Faculdade de Odontologia (FO) da USP, a pesquisadora Isabelle Trigueiro defendeu tese de doutorado em que utilizou o sistema para estudar o efeito da próteses de avanço mandibular na redução do ronco em paciente sem dentes. O trabalho é direcionado para a terceira idade e realizado dentro do projeto Envelhecer Sorrindo.

Os resultados dos experimentos estão descritos no artigo “Dynamics of Snoring Sounds and Its Connection with Obstructive Sleep Apnea”, publicado na revista científica Physica A.