Reabilitada na Rede Lucy Montoro, a angolana Jéssica já pode sorrir

Hoje com 2 anos e vivendo no Brasil, o bebê encontrado no lixo com malformação no pé ganhou prótese especial e já corre, pula e brinca

qua, 28/03/2018 - 20h13 | Do Portal do Governo

De um lado para o outro, Jéssica demonstra que nenhum obstáculo é capaz de impedir sua felicidade. Corre, pula, sobe escadas e até chuta bola. Mais do que uma criança, a menina carrega uma história de luta e superação. Nascida em Angola, mudou-se com a mãe para o Brasil ainda bem pequena em busca de um sonho: um tratamento que seria difícil e demorado em sua terra natal.

Desde então, Jéssica pode olhar para trás e ver que suas dificuldades foram superadas. Hoje com dois anos de idade, ela conseguiu um tratamento em uma das unidades da Rede Lucy Montoro, no interior do Estado de São Paulo. Com acompanhamento médico multiprofissional, se tornou referência de um trabalho especializado e eficiente em reabilitação.

‘Neném Lucola’

Jéssica nasceu sem nome e sem parte da perna esquerda. Na verdade, foi por algum tempo reconhecida apenas como “Neném Lucola”, uma referência a um rio que atravessa a cidade de Cabinda, em Angola. Foi próximo a ele que a bebê, com poucos dias de vida, foi encontrada abandonada em um lixão, sem identidade e correndo risco de vida. Os moradores da região a viram por acaso e rapidamente acionaram o serviço de emergência.

Encaminhada ao hospital, o estado de saúde dela era alarmante. Os insetos presentes naquele ambiente inóspito foram suficientes para causar diversas feridas pelo corpo da pequena. Jéssica permaneceu por algumas semanas na neonatologia, onde foi encaminhada à adoção logo após a estabilização do quadro. Contudo, muitos casais que iam visitá-la não se interessavam pela bebê. Talvez pela malformação, talvez pela procedência, Jéssica foi rejeitada por diversas famílias.

O coração acima da razão

Neste período, a angolana Elisa Tunguica, de 35 anos, voltava de uma viagem de turismo no Brasil. Até então, a policial de imigração estava trabalhando nos turnos de uma maternidade. Coincidentemente, era a mesma instituição que recebera o caso da ‘Neném Lucola’. Convidada por uma amiga, quando voltou ao trabalho, foi conhecer a criança.

“Foi paixão à primeira vista. Depois que visitei o leito, não conseguia mais tirar da minha cabeça, ainda mais sabendo que ninguém queria adotá-la. Ela tinha um olhar muito triste, estava muito doente. Aí eu pensei: por que não fico com ela? Eu nunca pensei em adotar uma criança, mas com ela foi diferente”, explica a policial.

Elisa virou mãe e Jéssica ganhou nome e família. A menina ainda estava muito doente e aos poucos se recuperava das enfermidades adquiridas no período de abandono. Elisa, dessa forma, tinha um desafio maior: oferecer qualidade de vida à criança.

A vinda para o Brasil

A angolana procurou o serviço de saúde de seu país para tentar corrigir a malformação na perna da filha adotiva. Informada de que a criança deveria completar pelo menos sete anos para realizar a cirurgia, Elisa viajou ao Brasil em busca de melhores tratamentos.

Em São Paulo, a primeira opção foi encontrar um médico particular que cuidasse do caso da menina. Os diagnósticos e o posicionamento clínico foram positivos para dar continuidade ao tratamento. No entanto, os valores para cirurgia estavam muito acima do que a policial poderia pagar.

Foi então que uma amiga, moradora da cidade de São José do Rio Preto, auxiliou Elisa a procurar pela rede pública de saúde. Após a avaliação em um Postinho, Jéssica foi encaminhada ao Hospital de Base, no mesmo município da amiga. Foi ali que a menina pôde realizar a cirurgia e preparar a perna para receber uma prótese.

A entrada na Rede Lucy Montoro

Logo após o procedimento, Jéssica foi encaminhada para reabilitação na unidade da Rede Lucy Montoro, em São José do Rio Preto. Através da Rede, a menina teria todo aporte de uma equipe multidisciplinar para realizar o tratamento especializado de acordo com as características do seu caso.

A Lucy Montoro é uma Rede criada pelo Governo do Estado de São Paulo voltada para a reabilitação de pacientes com deficiências físicas incapacitantes, motoras e sensório-motoras. Hoje, são 17 unidades espalhadas pelo Estado com mais de 100 mil atendimentos por mês.

“Aqui em Rio Preto nós atendemos 200 cidades do interior do Estado. A nossa unidade já transformou a vida de muitas crianças. A Jéssica é um dos nossos maiores exemplos. Quando ela chegou aqui, fizemos questão de desenvolver uma prótese sob medida, esculpida exatamente para o seu tamanho”, afirma a diretora da unidade de reabilitação do município, Regina Chueire.

Os primeiros passos

Com a prótese, a menina continuou surpreendendo: teve uma adaptação mais rápida do que a esperada. Com apenas dois meses de uso, ela já está correndo, subindo escadas e brincando como qualquer outra criança.

Segundo Chueire, foi graças às instalações do Governo do Estado que a menina teve sua vida transformada. “A grande conquista neste caso foi colocar a medicina em sua essência. Conseguimos restituir na integridade um paciente que veio nos procurar. É a realização profissional e pessoal feito com equipamentos totalmente público”, comemora a diretora.

Por trás do tratamento de Jéssica, tem uma equipe muito grande de profissionais. Hoje, a menina além de realizar fisioterapia, tem acompanhamento de pediatra, psicólogo, serviço social, nutrição, bem como outros atendimentos. O objetivo, portanto, é assisti-la com base no seu desenvolvimento.

“Como essa primeira prótese foi desenhada especialmente para ela, nós temos que adaptá-la constantemente de acordo com o seu crescimento” explica a médica por trás do tratamento, Vera Mendonça Catarucci.

A fisioterapeuta, Kamila Prates, também conta que a reabilitação da menina está muito diferente do que a equipe imaginava. “Ela assimilou muito bem com a prótese. Em pouco tempo ela já ficou de pé e já saiu andando. Ela se sente tão independente e confiante, que nós temos que fazer com que ela se controle”, completa.

Família verde e amarela

Diante da atual situação da filha, Elisa revela que se sente realizada com tudo o que aconteceu. “Eu agradeço a toda equipe médica. Antes, ela era muito debilitada e dependia de mim pra tudo. É um orgulho ver que agora ela está independente e levando uma vida igual a de outra criança”, conta.

A mãe ainda pretende voltar com a filha para Angola, onde se encontra toda sua família. Ela conta que assim que Jéssica tiver alta prolongada, pretende pelo menos passar um tempo na terra natal.

Mas, por enquanto, a casa de Elisa e Jéssica é aqui no Brasil, lugar onde construíram vínculos para serem chamados de família. A saudade do país africano pode ser grande no coração das duas, mas o carinho e afeição que têm pelos brasileiros serão eternos. A partir de agora, o desejo é que mais nenhum obstáculo atrapalhe cada passo da vida de Jéssica.