Protocolo de exercícios reduz um dos sintomas incapacitantes da doença de Parkinson

Estudo conduzido por cientistas da USP conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

sex, 17/07/2020 - 16h34 | Do Portal do Governo
DownloadDivulgação/Agência Fapesp

Um dos sintomas mais incapacitantes da doença de Parkinson é o chamado congelamento da marcha, que consiste na interrupção súbita ou intermitente da caminhada, além da impossibilidade de retomada dos movimentos de locomoção. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mostraram ser possível reduzir este problema por meio de um protocolo de exercícios físicos bastante complexo, que estimula simultaneamente diferentes habilidades motoras e cognitivas e foi descrito em artigo na revista Movement Disorders.

O estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), mostrou ainda que o treinamento modifica áreas cerebrais relacionadas às alterações fisiológicas do congelamento da marcha. O achado está associado, sobretudo, ao efeito do treinamento no aumento da ativação de neurônios (plasticidade cerebral) nas áreas relacionadas aos mecanismos que acarretam esse sintoma da doença de Parkinson.

“Além do relato positivo dos pacientes que realizaram o treinamento, os testes clínicos também apontaram uma melhora significativa e clinicamente relevante de 60% de diminuição do congelamento da marcha e 70% dos sintomas motores da doença. Outro resultado importante do trabalho foi a restauração das áreas do cérebro diretamente relacionadas ao problema. A plasticidade cerebral nessas áreas é um preditor na melhora do congelamento da marcha”, diz à Agência Fapesp Carla da Silva Batista, pesquisadora na Escola de Educação Física e Esporte da USP e primeira autora do artigo.

O vídeo produzido pela Agência Fapesp sobre o assunto pode ser conferido pelo YouTube.

Reativação

A reativação das áreas do cérebro foi comprovada por meio de imagens de ressonância magnética funcional. O protocolo é o primeiro a reduzir os sintomas de congelamento da marcha – avaliado clinicamente de maneira objetiva – e a registrar alterações nas áreas cerebrais relacionadas com a patofisiologia desse sintoma.

A pesquisa é fruto do estudo de pós-doutorado de Batista e parte da pesquisa foi realizada no Oregon Health and Science University, nos Estados Unidos, por meio de uma bolsa de estágio no exterior, também apoiada pela Fapesp.

De acordo com a pesquisadora, a ativação da região cerebelar (relacionada com a automaticidade da marcha) e da região mesencefálica (associada aos ajustes posturais e à cognição) explica a reversão do congelamento da marcha após o treinamento adaptado.

Motivo de queda

Embora não tenha tratamento específico, o congelamento da marcha é um dos principais motivos de queda entre portadores da doença de Parkinson. Junto com tremores e dano cognitivo, o problema é um dos responsáveis pela perda de qualidade de vida entre os indivíduos com a enfermidade.

Estimativas apontam que o congelamento da marcha afeta aproximadamente 26% dos pacientes em estágio moderado da doença de Parkinson e 80% dos casos mais graves. Geralmente, o problema acontece quando a pessoa está caminhando: o pé paralisa, levando o indivíduo a quedas, fraturas e internações precoces.

Outra forma comum de congelamento de marcha ocorre quando a pessoa se levanta ou inicia uma caminhada e ocorre a paralisia do pé, fazendo com que o indivíduo tropece, – ou caminhe aos trancos – até que caia ou entre, repentinamente, em movimento regular.

“Não se sabe exatamente o que ocasiona o congelamento da marcha, apenas que existem alguns fatores que podem ser preditores importantes, como o maior uso de medicamentos para o Parkinson, o avanço da doença, declínio cognitivo severo, além de fatores estressantes e a ansiedade”, diz.

Batista afirma, no entanto, que existem casos de pacientes que, apesar de terem todas as características preditoras descritas, não desenvolvem o problema.

Treinamento adaptado

O estudo da USP dividiu 32 indivíduos nos estágios três e quatro da doença (existem cinco no total) em dois grupos. O primeiro grupo, formado por 15 pessoas, realizou a reabilitação tradicional (fisioterapia) e o segundo, com 17 indivíduos, fez o treino específico e complexo proposto pelos pesquisadores.

Durante 12 semanas (em um total de 36 sessões de treinos), os pesquisadores compararam os efeitos da fisioterapia tradicional com os do treinamento físico com exercícios que combinavam instabilidade, sobrecarga, coordenação motora e demanda cognitiva simultaneamente.

“São exercícios intensos e que precisam ser realizados concomitantemente para causar complexidade. Isso exige muito do paciente e também requer confiança no treinador, que invariavelmente terá que segurá-lo durante a execução da atividade para evitar quedas”, diz Batista.

De acordo com a pesquisadora, a complexidade do treinamento é necessária para que se atinja o resultado desejado. “Sabe-se que exercícios de complexidade motora, quando realizados de forma conjunta, tornam-se mais eficazes. Estudos em modelo animal confirmam isso: eles promovem maior neuroplasticidade cerebral, como a formação de neurônios e sinapses em regiões do cérebro, que era exatamente o que queríamos atingir”, diz.

A avaliação da reversão do quadro nas regiões do cérebro e o aumento da plasticidade dos pacientes foram medidos graças a um modelo de análise de imagens de ressonância magnética, desenvolvido anteriormente por pesquisadores da USP em parceria com a universidade americana, publicado em 2017 na revista Scientific Reports.

“Com o uso desse modelo, conseguiram medir a atividade das regiões cerebrais afetadas pelo congelamento da marcha antes e depois das 12 semanas de treinamento. Dessa forma, foi possível comprovar a reversão do quadro para a plasticidade cerebral nas regiões relacionadas com a patofisiologia desse problema”, explica Batista.

No estudo, não foi observada nenhuma melhora entre os participantes do grupo que realizou o tratamento tradicional. “É importante ressaltar que o treinamento tradicional não foi capaz de diminuir a gravidade do congelamento da marcha e nem de causar alteração positiva nas áreas cerebrais”, pontua.

Exercícios combinados

A despeito de a causa do congelamento da marcha ser ainda desconhecida, os pesquisadores montaram o treinamento a partir da seleção de exercícios relacionados a domínios e características preditoras ou comuns em indivíduos com o problema. Dessa forma, o treinamento combinou quatro tipos de exercício que deveriam ser realizados simultaneamente: sensório-motor, sobrecarga, coordenação motora e demanda cognitiva.

Batista ressalta que, geralmente, pacientes com congelamento da marcha apresentam perda de noção espacial do corpo (propriocepção), de coordenação motora, de força muscular, além da perda cognitiva.

“Por isso, utilizamos exercícios de força e coordenação sobre acessórios de instabilidade (bolas ou pranchas) que causam desequilíbrio. Como a perda cognitiva é também um preditor do congelamento, usamos tarefas cognitivas e exercícios de tarefa dupla, que demandam atenção para ambas atividades ao mesmo tempo. Isso exigiu dos pacientes flexibilidade mental ao mudar de uma tarefa para outra quando necessário”, destaca.

O fortalecimento foi o quarto domínio trabalhado nas sessões de treinamento, pois a perda da força motora também está relacionada aos sintomas do Parkinson. “Os exercícios propostos tinham sobrecarga. Não é um treinamento fácil. Ele exige bastante do paciente, mas muitos voluntários do estudo se disseram desafiados e, com o tempo, passaram a notar a melhora, o que os deixou mais motivados a continuar o tratamento”, diz.

O artigo (em inglês) pode ser lido em  https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/mds.28128.