Projeto resgata cidadania de presas na capital

Mulheres que não sabiam ler participaram da ação e depois iniciaram curso de alfabetização

qua, 11/03/2009 - 8h30 | Do Portal do Governo

Ler estimula a imaginação e forja a cidadania. Partindo desse princípio, os bibliotecários Wagner Paulo da Silva e Durvalino Peco criaram o Projeto Leitura Ativa como trabalho de conclusão de curso, em 2003, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Mas eles escolheram um universo diferente para trabalhar: as penitenciárias. A dupla desenvolve o Leitura Ativa na Penitenciária Feminina do Butantã, na capital, há cinco anos, período em que trabalharam com mais de 800 presas.

Toda quinta-feira à tarde, ensinam as detentas a interpretar texto, estimulam a leitura e ainda conversam sobre assuntos atuais e da vida, tudo para resgatar a cidadania e levantar o astral de quem está atrás das grades. A iniciativa também utiliza recursos da música, cinema e teatro.

Wagner conta que costuma usar trechos de livros, reportagens da imprensa e músicas brasileiras, sempre dentro de um tema. O texto é lido por quem quiser. “Tentamos ensinar que a leitura é uma forma de refletir sobre a vida”, assegura Wagner. Seu colega, Durvalino, diz que já usou várias vezes trechos do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para explicar a relação entre pais e filhos. Ele conta que o personagem Fabiano tem dificuldade de se comunicar com os filhos. “A partir daí a gente conversa sobre conflitos familiares e todas participam, por se identificar com o assunto”, explica Durvalino.

O Leitura Ativa não tem forma definida. Wagner diz que pode ser encarado como curso, debate, palestra ou qualquer outra interação entre pessoas. Às vezes convidam gente de fora para conversar com as presas. Já levaram jornalista, escritor, psicólogo, assistente social, padre e pastor. O que a dupla gosta de ressaltar é o caráter informal do projeto. “A gente ensina, esclarece, conscientiza, mas sem parecer aula da educação formal, que exige frequência, estudo, prova”, informa Wagner. O número de empréstimo de livro na biblioteca da unidade chegou a crescer.

O projeto ficou em quarto lugar no 1º Concurso Pontos de Leitura, do Ministério da Cultura, no ano passado. Como prêmio, a penitenciária vai ganhar kit com 500 livros, mesa, estante, tapete, almofadas, cadeira giratória, computador e impressora.

Primeiras letras – A diretora de educação da penitenciária, Cláudia Marize Cândida e Silva, entusiasta de projetos de cidadania, lembra que até mulheres analfabetas já participaram da sessão de leitura. “Algumas ficaram tão encantadas que no dia seguinte estavam na nossa sala de educação fundamental, para aprender a ler e a escrever”, ressalta. Cláudia diz também que as participantes da ação passam a ler e a escrever melhor. “No plano psíquico, noto que se expressam bem, são reflexivas e críticas”.

Por ser uma penitenciária de regime semiaberto, é difícil manter a mesma turma no projeto, por causa da rotatividade. Cláudia frisa que há mulheres com direito a trabalho externo, mas têm de dormir na prisão, e saída temporária por ocasião de datas significativas, como Natal, Ano Novo, Páscoa, Dias das Mães. Cláudia organiza outros projetos na unidade do Butantã. Além do ensino fundamental e médio, as detentas aprendem artesanato, informática, corte de cabelo, ginástica, ioga e empreendedorismo, pelo Sebrae. 

Superação – Diretora-geral da penitenciária desde 2004, Gizelda Morato Costa informa que projetos como o Leitura Ativa, por sua interatividade, às vezes até superam a educação formal, mas sem perder a função de complemento ao ensino fundamental e médio. “Há conceitos que elas aprendem nas reuniões e jamais esquecem, levam para o resto da vida depois que obtêm a liberdade”, ressalta Gizelda.

Na unidade, localizada na Rodovia Raposo Tavares, divisa da capital com Cotia e Osasco, vivem 690 mulheres, em média, em regime semiaberto. A maioria veio de outras unidades onde cumpriu boa parte da pena, geralmente por tráfico de drogas e assalto; e no Butantã esperam meses ou anos até o juiz determinar a soltura. “É uma penitenciária de média e baixa periculosidade”, assegura a diretora-geral. 

Tomada de consciência 

– Márcia Margarete Mohamad (42 anos), condenada a cinco por tráfico de drogas, espera sair este ano. Ela também é professora no curso interno de ensino fundamental. “Esse projeto de leitura mudou minha cabeça, passei a me valorizar mais e hoje leciono melhor na nossa escola”, diz Márcia, leitora da poesia de Carlos Drummond de Andrade

– Janaína Alessandra Branco da Silva (35 anos) cumpre o final de pena de quatro anos por tráfico e está desde o ano passado no projeto. “Depois que comecei a frequentar as sessões de leitura e música passei a gostar mais de mim, a me cuidar melhor, despertei para a vida”, ressalta a admiradora do guru Paulo Coelho

– Aparecida de Lourdes Bernardino (55 anos) foi condenada a dois anos de prisão por estelionato: “Texto e música mexem com nossa imaginação e sensibilidade, nos deixam melhores”, afirma Aparecida que gosta de ler notícias e até assina uma revista semanal

– Monalisa Cristina Vilas Boas (32 anos). Por causa do tráfico, pegou seis anos de prisão, dos quais já cumpriu quase quatro e espera voltar para casa neste ou no próximo ano. “O que aprendo aqui vou levar para minha família, mãe e filhos quando estiver livre”. Ela não é somente participante dos bate-papos, é também monitora do Projeto Leitura Ativa

Otávio Nunes

Da Agência Imprensa Oficial