Projeto da USP beneficia 7 mil pessoas no Vale do Jequitinhonha

Alunos da USP prestaram serviços na área de saúde e ministraram palestra em Itaobim

qui, 19/02/2009 - 10h35 | Do Portal do Governo

Sete mil moradores do município de Itaobim, no Vale do Jequitinhonha, nordeste do Estado de Minas Gerais, foram beneficiados pelo Projeto Bandeira Científica em sua mais recente expedição. Entre os dias 10 e 20 de dezembro do ano passado, 205 pessoas, entre estudantes, professores e profissionais de diversas áreas prestaram serviços médicos, odontológicos, psicológicos, nutricionais, de fisioterapia, realizaram exames laboratoriais, testes oftalmológicos, entre outros, beneficiando boa parte da população local.

Durante os dez dias, a equipe também ministrou ciclos de capacitação para agentes de saúde locais e palestras para a população sobre qualidade de vida, saneamento básico, agricultura familiar, etc. Foram sete mil pessoas atendidas diretamente pelo projeto, destacando-se 1,5 mil atendimentos oftalmológicos, 780 amostras de sangue, 1,72 mil testes de glicemia, 140 exames de papanicolau, 132 ultrassonografias, 1,52 mil tratamentos odontológicos infantis. Os 1,5 mil atendimentos oftalmológicos resultaram em receitas para 538 óculos, que serão entregues neste mês.

Desde 1998, o projeto vem assistindo municípios carentes em todo o País, por meio de expedições anuais. De lá para cá, os serviços têm sido aperfeiçoados e ampliados a cada ano. “Para se ter ideia, em 1998 éramos somente da área de medicina”, destaca o pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, Dr. Luiz Fernando Ferraz da Silva, um dos idealizadores do projeto.  Ele conta que a Bandeira Científica foi criada em 1957 e perdurou até 1969, época em que o projeto foi interrompido em decorrência do regime militar. “Em 1998, quando eu ainda era estudante, reativamos de forma muito simbólica, sem atendimento, só com atividade educativa e de pesquisa de campo”, lembra o médico especialista em patologia.

No ano seguinte, tiveram início os atendimentos médicos e, em 2002, com a necessidade de uma abordagem multidisciplinar na área de saúde, foi incluído o serviço de fisioterapia. Três anos depois, estudantes e profissionais de nutrição já integravam a expedição. Em 2006, também psicólogos, dentistas e outros dois grupos: os agrônomos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e os engenheiros da Escola Politécnica (Poli) passaram a trabalhar na equipe, desempenhando atividades voltadas para saneamento, construção de fossas, abastecimento de água, qualidade do solo, entre outros. Em 2008, a equipe contou também com a colaboração dos alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA), que criaram o blog da expedição e estão produzindo documentário sobre a viagem.

Know-how – A preparação para cada expedição leva, em média, dez meses. Nesse período, parte da equipe realiza visitas ao município selecionado, para discutir o projeto com o poder público local e identificar demandas, de forma que o projeto seja adaptado às necessidades do município. Nessas visitas, decidem-se também os locais onde a equipe fará o atendimento, faz-se o agendamento de pacientes e estabelecem-se contatos com a universidade local.

 “Conversamos com gestores, agentes de saúde, diretores das escolas, enfim, um número considerável de pessoas, para tentar identificar o que a população precisa”, informa Luiz Fernando. Os agentes de saúde locais passam por treinamento para que se tornem aptos a dar continuidade ao projeto quando a expedição terminar, retransmitindo os conceitos para a comunidade.

O pesquisador destaca a importância das visitas prévias para que a equipe tenha condições de se preparar para atender às demandas de cada região. Ele conta que na expedição de 2006, em Machadinho d’Oeste, em Rondônia, foi detectada a necessidade de trabalhar com a questão da malária. Em 2007, no Maranhão, o trabalho foi mais direcionado à hanseníase e à leishmaniose, enquanto na expedição de 2008, o foco foi saneamento básico.

A seleção do município é feita com base em três critérios: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que permite aos integrantes da Bandeira traçarem perfil do nível de carência e das principais necessidades; a disponibilidade política do município, que inclui concessão de infraestrutura e espaço para o atendimento à população. “É fundamental que o poder público do município esteja alinhado com o projeto, porque muitas questões não dependem só da gente”, argumenta Luiz Fernando.

O terceiro critério para que um município receba uma expedição da Bandeira Científica é a presença de uma universidade na região. Durante o período de preparação, alunos da instituição de ensino local são recrutados para trabalharem lado a lado com os integrantes da Bandeira. A ideia é transmitir o know-how de organização do projeto, mostrar como funciona, com vistas a estimular a instituição a também desenvolver o seu projeto. “Em 2004, trabalhamos com a Universidade Federal de Alagoas, que tem dado continuidade ao projeto. Em 2006, o trabalho desenvolvido em Rondônia prossegue por meio de universidade privada, a Faculdade São Lucas”, relata o pesquisador. 

Experiência compensa – Além da importância assistencial, por beneficiar grande número de pessoas de comunidades carentes, a Bandeira Científica destaca-se pela experiência que proporciona aos seus integrantes. Os estudantes têm a oportunidade de ver, na prática, o que aprendem na faculdade, de maneira um pouco diferente da prática que adquirem no Hospital das Clínicas (HC), principal hospital-escola da Faculdade de Medicina da USP. “Tanto o HC quanto o Hospital Universitário (HU) têm infraestrutura de atendimento muito boa, com tomografia à disposição, ultrassom na hora, ressonância magnética, resultado de exame laboratorial em quatro horas, enfim, é um outro nível de tecnologia, muito longe do que é a realidade de 90%, 95% do sistema de saúde do Brasil”, constata Luiz Fernando. “As expedições são uma experiência muito enriquecedora, para que eles conheçam as dificuldades que possivelmente enfrentarão no exercício de sua profissão”, completa.

Para a aluna Fernanda Christina Berto, de 21 anos, o crescimento acadêmico proporcionado pelo projeto é indiscutível. “A gente tem contato com a família inteira do paciente, atende a mãe, o pai, os filhos… isso é muito importante. É um choque de realidade”, declara a estudante do quarto ano de medicina.

As dificuldades referentes à acomodação, à rotina puxada, a adaptação à cultura regional, ao modo como as pessoas vivem e até a maneira pela qual elas se expressam para relatar os sintomas são, segundo ela, recompensadas pelo tratamento que a equipe recebe dos pacientes, que já no segundo dia de atendimento reconhecem, cumprimentam e agradecem a seus benfeitores. “Além de tudo isso, a gente ainda ganha mais experiência, aprende a condensar informações com rapidez, a atender mais rápido, porque lá o número de pacientes é muito grande”, ressalta Fernanda.

Currículo – Todo atendimento médico é supervisionado e os estudantes são acompanhados por profissionais – chamados de discutidores – que os orientam, transmitem a conduta, debatem sobre os procedimentos e os remédios a serem administrados, conversam com o paciente na presença do aluno e esclarecem dúvidas.

Fernanda, que já participou de duas expedições, destaca ainda a importância do intercâmbio entre profissionais e alunos de outras áreas, o que amplia o aprendizado, cria e fortalece laços de amizade.

Os alunos participantes da Bandeira Científica não têm aumento em suas notas, mas recebem certificados que contam como atividade extracurricular. Independentemente disso, a cada ano cresce o número de estudantes interessados em participar das expedições, o que tem levado a equipe organizadora a aplicar testes de seleção e a oferecer cursos de treinamento para os candidatos. Para participar, o aluno precisa ter concluído, no mínimo, o segundo ano de curso.

Rotina – Durante as expedições, a rotina dos bandeirantes é puxada. Acordam às 6 horas e, após o café da manhã, carregam equipamentos, caixas de medicamentos e fichas de pacientes até os ônibus. Dividem-se então em três grupos, que seguem separadamente para pontos estabelecidos de atendimento dentro do município. Cada grupo chega a atender 100 pessoas por dia. 

No local, o paciente preenche uma ficha e segue para a triagem, onde mede pressão, pesa-se, faz teste de glicemia, etc. Em seguida, passa pela entrevista epidemiológica, onde responde a um questionário sobre sua vida, doenças que teve, como e onde mora, tipo de alimentação, histórico familiar, etc. Só depois segue para o atendimento, após o qual é encaminhado à farmácia, para receber os medicamentos receitados.

Para os integrantes da Bandeira Científica, a jornada só termina no início da noite, e às vezes se estende até às 22 horas. “Como as próteses dentárias são moldadas e feitas na hora, por vezes a turma da odontologia trabalha até muito tarde”, lembra o professor Luiz Fernando. Os pacientes de oftalmologia fazem o teste oftalmológico, escolhem as armações e aguardam o retorno da equipe, dois meses depois, para receberem os óculos.

De olho no município

Ao final de cada expedição, o trabalho continua. No decorrer de todo o ano seguinte, o município atendido recebe de três a cinco visitas para acompanhamento, discussão de relatórios sobre o andamento dos projetos e entrega dos óculos aos pacientes. “Ficamos de olho no município durante todo o ano seguinte, para sabermos quanto a gente conseguiu atingir aquela população.

Os dados coletados são analisados, cruzados e debatidos para traçar um panorama da relação entre a prevalência de determinados tipos de doenças e o estilo de vida, alimentação e condições de saúde dos municípios atendidos. Em Itaobim, por exemplo, foram detectados altos índices de depressão e de problemas relacionados à tireoide. A equipe da Bandeira coletou amostras de aproximadamente 800 pacientes e agora analisa os dados para chegar a uma conclusão. Os resultados são frequentemente apresentados em congressos internacionais sobre saúde pública.

Parceiros da Bandeira

O custo de cada expedição varia entre R$ 400 mil e R$ 700 mil, de acordo com a distância. Esses valores, naturalmente, não incluem os custos com recursos humanos, referem-se apenas a gastos com transporte, alimentação, remédios, insumos hospitalares, seguro de equipamentos, etc. Quando o município atendido é muito distante, a equipe conta com apoio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

Os recursos provêm de instituições públicas (Fundação Oncocentro de São Paulo e Fundação para o Remédio Popular, Hospital das Clínicas da FMUSP) e privadas, incluindo um grupo de patrocinadores principais (HC, Sanofi Aventis, Centro Ótico Miguel Giannini e Fundação Faculdade de Medicina). A cada ano, outros patrocinadores são agregados, como o Instituto Varilux, que em 2008 doou as lentes para os óculos, e o laboratório EMS, que ofereceu medicamentos.

Alguns dos equipamentos levados nas viagens pertencem aos próprios profissionais e alunos. Os mais caros, como os de oftalmologia e os de ultrassonografia, são emprestados pelo HC. A Fundação Faculdade de Medicina é uma instituição privada que gerencia e fornece recursos para o projeto.

Projeto vai até o campo

O Projeto Bandeira Científica também realiza pequenas expedições mensais no Estado de São Paulo. São viagens com duração máxima de cinco dias, geralmente feitas em feriados prolongados, nas quais até 50 bandeirantes encarregam-se de desenvolver as mesmas atividades das expedições maiores. Na região de Andradina, cidade situada no noroeste do Estado, a oito horas da capital, o grupo atende, há um ano, a população de oito municípios, por meio de convênio com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A equipe trabalha com 33 assentamentos, levando aos moradores cuidados médicos e informações sobre saúde.

Roseane Barreiros – Da Agência Imprensa Oficial