Primeiro dicionário da língua portuguesa está na rede

Trata-se do Vocabulário Portuguez e Latino, editado no século 18

dom, 04/05/2008 - 12h00 | Do Portal do Governo

Durante palestra realizada na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, István Jancsó, coordenador geral da Brasiliana USP (que reúne a Biblioteca Guita e José Mindlin), anunciou aos participantes uma novidade brasileira: o Vocabulario Portuguez e Latino, de autoria do padre Raphael Bluteau, em dez volumes publicados entre 1712 e 1728, em Coimbra, Portugal, está à disposição do público on-line, como resultado de parceria entre o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e a Brasiliana USP. “Espanto, surpresa, curiosidade e alegria tomaram conta de todos do outro lado do Atlântico”, conta István.

Esse mesmo sentimento dominou alunos, professores e demais pessoas daqui, envolvidas no projeto do IEB que, segundo, István, é ousado, arrojado, pioneiro. Primeiro, porque preserva o livro, pertencente à biblioteca do IEB, como documento raro, evitando-se seu manuseio excessivo; segundo, porque a versão digital torna disponível ao grande público um dicionário de difícil acesso, além de atender às necessidades de todos os países onde se fala a língua portuguesa: Portugal, Brasil, Guiné Bissau, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Ilha da Madeira, Cabo Verde e Timor Leste (não oficialmente, a língua é falada em Macau e Goa).

Entusiasmado com a digitalização, que durou cerca de ano e meio, e colocou o histórico dicionário para consulta pública e gratuita na Internet, István costuma dizer sobre a ferramenta: “Isso não é um Fusca, é uma Ferrari”.

A historiadora e coordenadora do projeto Dicionários no IEB, Márcia Moisés Ribeiro, garante que a frase faz sentido. “Afinal, é um dicionário composto por quase 44 mil verbetes. Digitalizá-los foi uma parada em todos os sentidos, já que tivemos de criar um sistema de busca, em que o usuário pesquisa uma palavra tanto com base na ortografia atual como naquela empregada no século 18”.

Segundo Márcia, os primeiros oito volumes que compõem o dicionário foram publicados ao longo de dez anos. Os exemplares 1 e 2, em 1712, os volumes 3 e 4 no ano seguinte, o 5º, em 1716, e em 1720 os números 6 e 7, seguidos do número 8, em 1721. Entre 1727 e 1728, dois suplementos, contendo mais de 5 mil vocábulos não constantes das edições anteriores, complementaram as demais publicações. Seu autor, o padre Raphael Bluteau, era clérigo regular da Ordem de São Caetano. Nascido em Londres, em 1638, filho de pais franceses, Bluteau chegou a Portugal em 1668.  

Desafio – Para a coordenadora, a digitalização do Vocabulario justifica-se não só pela ampla divulgação do patrimônio da língua portuguesa, mas, principalmente, por despertar interesse que vai ao encontro das necessidades de pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. De acordo com István, pesquisadores, escritores, tradutores, lingüistas, geógrafos, jornalistas e estudiosos em geral poderão se beneficiar das pesquisas on-line do raro produto. Estimulados pelo sucesso obtido, eles revelam que em apenas três dias de exposição na rede, o site registrou quase dez mil acessos, provando o quanto a demanda é grande.

Foram longas semanas de trabalho para a pequena equipe comandada por Márcia. Além da coordenadora, participaram Aldair Carlos Rodrigues, historiador, cursando doutorado na USP, Denis Machado Rossi, fotógrafo, e Marcos Cason, programador da área de informática. Segundo Cason, foi um desafio contornar os problemas que o próprio autor certamente encontrou na época. “Por exemplo, o verbete ‘armado’ está na letra ‘b’. Imagino que ao ordenar as palavras, o autor se esqueceu da ordem alfabética, e depois encaixou na letra seguinte. Em outros casos, verbetes não colocados no Dicionário foram parar nos Suplementos que acompanham a obra”. Na atualização das palavras, utilizou-se como referência o Dicionário Houaiss, conta Márcia. Há palavras que mudaram de sentido com o correr do tempo. É o caso de “vexado”, que hoje significa envergonhado, mas em 1700 queria dizer também “perseguido por coisa ruim”.

A palavra “computação”, termo moderníssimo que utilizamos diariamente em informática, era muito usada para designar contagem de números ou coisa parecida. Outro exemplo é a palavra “açúcar”, na época escrita “assucar”. No dicionário, o vocábulo é encontrado nas duas formas.  

Aldair diz que o trabalho, além de prazeroso, serviu como aprendizado.

Foi feito grande esforço para tornar uma obra antiga, produzida por um sistema arcaico, num software de última geração. À semelhança de ourives, examinaram página por página, linha por linha, para que nada pudesse escapar. Conta Aldair: “Foi como viajar no tempo, descobrindo mil coisas. Algumas páginas foram trabalhadas manualmente. As letras ‘i’, ‘j’, ‘u’ e ‘v’ deram um bocado de trabalho. Uma surpresa atrás da outra. Descobrir que “jacaré” se escrevia com ‘i’, ‘iacaré’, é surpreendente”.

Nos próximos meses novos documentos serão digitalizados e disponibilizados na Internet, a exemplo do Vocabulario de Bluteau: “O Tesoro de la Lengua Guarani (1639)”, de Antonio Ruiz Montoya, o “Dicionário Histórico e Documental (1899)”, de Souza Viterbo, e o “Diccionario da Língua Portuguesa (1813)”, de Antonio Morais Silva. “Até 2012, teremos 120 mil volumes on-line, dentro do limite do direito autoral”, adianta István. 

SERVIÇO

Para consultar o dicionário: www.ieb.usp.br/online/index.asp 

Maria das Graças Leocadio

Da Agência Imprensa Oficial