Presas convivem com recém-nascidos no Centro de Atendimento Hospitalar

Reeducandas ficam no mínimo quatro meses na unidade, acompanhadas de seus bebês e cercadas de cuidado

qua, 09/05/2007 - 11h32 | Do Portal do Governo

Reeducandas ficam no mínimo quatro meses na unidade, acompanhadas de seus bebês e cercadas de cuidado

O direito à amamentação, garantido pela Constituição Federal, é exercido pelas mulheres presas que cumprem pena ou aguardam julgamento no Estado no Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa (CAHMP). Anexa à Penitenciária Feminina Dra. Marina Marigo Cardoso, no bairro do Butantan, a unidade recebe as detentas para permanecerem com seus bebês no mínimo até eles completarem quatro meses de vida. Atualmente, 69 mulheres das 6,1 mil mantidas sob custódia pelo Estado estão alojadas no CAHMP, que tem capacidade para atender 80 presas simultaneamente. Conforme a lei, elas podem ficar na unidade durante a fase de amamentação, limitada a quatro meses.

Nesse período, mães e filhos são assistidos por uma equipe multidisciplinar de clínica geral, pediatria e ginecologia, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, nutricionista e fonoaudiólogo. Após esse tempo, são transferidas às unidades prisionais de origem e seus bebês são encaminhados à guarda temporária de alguém da família, ou, se isso não for possível, a um abrigo.

A diretora do CAHMP, Rosane Rodrigues Marques, explica que a permanência só é prolongada nos casos em que é necessário manter o aleitamento para a garantia da saúde do bebê, quando a presa precisa de mais tempo para se recuperar fisicamente do parto, ou se ocorre algum impasse, que pode ser resolvido rapidamente, para que a guarda provisória da criança seja concedida a uma pessoa da família.

Psicóloga, com 13 anos de atuação no sistema carcerário, Rosana dirige o Centro desde novembro de 2004: “Nosso maior desafio é preparar essas mulheres para o momento em que terão de se separar de seus bebês e, ao mesmo tempo, estimular o vínculo delas com as crianças”, afirma a diretora.

Ela conta que, por ser um local onde as presas permanecem por período curto, a rotatividade é grande. No ano passado, a unidade recebeu 209 mulheres, das quais 103 eram procedentes de cadeias públicas e 106 de penitenciárias. A maior parte delas, no período e atualmente, tem entre 20 e 30 anos.

“Em sua maioria, são mulheres que vêm de famílias desestruturadas e têm muita dificuldade em lidar com a afetividade”, conta Rosana. A psicóloga diz que, em função disso, a equipe procura desenvolver com a ajuda de parceiros, além dos atendimentos, atividades de terapia ocupacional. “Lidamos com as reeducandas num momento delicado de suas vidas. Muitas choram por falta de apoio da família, pois nessa hora querem colo. Quem dá essa retaguarda é o corpo funcional, todos nós”, avalia.

Harmonia – A unidade foi criada em 2004, para atender tanto as mulheres em fase de amamentação, com seus bebês, como as que necessitavam de cuidados ambulatoriais e, ainda, as portadoras de moléstias infectocontagiosas. Em janeiro de 2005, uma mudança estrutural dividiu a demanda e o CAHMP passou a receber exclusivamente as mães recentes. As presas com problemas de saúde passaram a ser encaminhadas para a enfermaria da Penitenciária Feminina da Capital.

A divisão desencadeou uma grande mudança no aspecto da unidade. A presença exclusiva de mães e bebês garantiu um ambiente mais propício ao fortalecimento do vínculo nessa fase, conforme avalia Rosana. Ainda nesse intuito, em 2006 o local foi reformado e ganhou decoração mais leve, com o uso de cores laranja e amarelo-claro na pintura. O CAHMP dispõe de 40 alojamentos, cada um mobiliado com duas camas e dois berços. Entre os espaços de uso comum, há de salas de TV e de reuniões, cozinha, consultórios, farmácia, pátio com parquinho (usado pelas crianças que freqüentam o local nas visitas) e uma pequena biblioteca.

A agente de segurança Maria Isabel Goes exalta a harmonia do ambiente. “Aqui, as presas não dão trabalho”, conta. Segundo ela, “para resolver os conflitos, são adotados a conversação e o convencimento, com êxito. Há muito tempo não há ocorrência de sanções disciplinares”, afirma.

Bom resultado – Móbiles feitos de origame (técnica japonesa de dobradura de papel), recortes com motivos infantis e a presença dos bebês são as marcas registradas do Centro de Atendimento, que o diferem de uma penitenciária. As atividades propostas também. Na rotina do lugar, os períodos dedicados ao aleitamento – natural ou artificial – são os principais do dia. “O ato é importantíssimo, pois fortalece os vínculos”, explica a psicóloga Maria da Glória Santa Cruz, que ressalta a dificuldade inicial de apego ao filho que suas pacientes apresentam logo que chegam, trazidas de suas experiências familiares. “Graças ao trabalho desenvolvido, temos poucos caso de rejeição persistente”, afirma.

Entre várias atividades, semanalmente, ocorre atendimento em grupo voltado ao estímulo da amamentação. São feitas palestras de esclarecimento por profissionais da própria unidade. O médico pediatra Túlio Konstantyner, que atua no local desde 2003, considera a tarefa educativa. Conta que na maior parte dos atendimentos, a mãe pede a prescrição de leite artificial na primeira consulta, “até por acreditarem que é um alimento mais forte que o leite materno”.

As iniciativas têm dado bom resultado. O consumo de leite artificial no CAHMP diminuiu mais de 50% no final do último semestre. “Nossa equipe está empenhada nesse objetivo”, destaca o psicólogo Ségio Bassitt. Embora a amamentação seja o tema principal do local, as mulheres que sofrem impedimento para o aleitamento natural, além de terem o mesmo direito de permanecer durante os quatro meses ao lado do filho para alimentá-lo com a mamadeira, também têm o apoio e a orientação para realizar a tarefa maternal.

No seio da família – ­O momento mais difícil, o de deixar o local, é mais doloroso quando a criança não vai ficar sob a guarda da família. A assistente social Rosângela Albuquerque de Oliveira Fortunato explica que esse é o maior temor das mães e que o seu trabalho é direcionado para evitar que ele ocorra: “Não medimos esforços para que o bebê vá para o seio da família”, ressalta. Ela informa que 90% dos casos são bem-sucedidos. Para isso, são feitos contatos com os familiares da presa, para a avaliação de quem tem o melhor perfil para acolher o bebê. São promovidas também conversas entre os parentes. “Encaminhamos ainda o registro da criança e a documentação necessária para a liberação da guarda provisória.”

Simone de Marco

Da Agência Imprensa Oficial