Pré-Univesp traz entrevista com especialista em memória

Ivan Izquierdo fala, entre outras coisas, da capacidade de memorização nos tempos digitais

sáb, 20/08/2011 - 20h00 | Do Portal do Governo

Médico argentino radicado no Brasil, atualmente trabalha na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),  Ivan Izquierdo é um dos maiores especialistas do mundo na área de Fisiologia da Memória e tem vários livros publicados sobre o tema. Nessa entrevista para a Pré-Univesp, Izquierdo explica, entre outras coisas, como a prática é importante para manter a memória viva.

Pré-Univesp: Diariamente o cérebro coleta uma infinidade de informações nos jornais, televisão, na internet ou simplesmente quando uma pessoa conversa com outra. De tudo o que vemos, ouvimos, lemos e aprendemos, como o cérebro seleciona o que memorizar?

Ivan Izquierdo: O cérebro tem um sistema, no córtex pré-frontal, que seleciona rápida e cuidadosamente quais itens guardar e descartar a cada dia.

Pré-Univesp: De quanto tempo o cérebro precisa para realmente memorizar uma informação?

Ivan Izquierdo: Depende da informação. Algumas são aprendidas em milissegundos (nomes, endereços), outras em anos (a medicina, o inglês). De fato, há uma quantidade de informação enorme a nossa disposição. O fundador da neurociência, Santiago Ramon y Cajal, já se queixava disso em 1920. Aparentemente, no entanto, os seres humanos estão aguentando bastante bem. Aliás, é justamente para isso que existe o Google.

Pré-Univesp: Há estudiosos que acreditam que encontrar tudo na internet prejudica nossa capacidade de memorização. Qual sua opinião sobre isso?

Ivan Izquierdo: Há jornalistas brasileiros que dizem isso. O único estudo científico sobre esse tema é de Betsy Sparrow, uma pesquisadora norte-americana, publicado há dois ou três meses na revista Science. Esse artigo simplesmente expõe achados da pesquisa, sem fazer um julgamento de valor a respeito. A maior parte dos pesquisadores sobre memória, entre eles eu, pensa o contrário: quanto mais periféricos (bibliotecas, Google etc.), melhor servida estará nossa memória.

Pré-Univesp: É possível aperfeiçoar a capacidade de reter informações? O modo como estudamos afeta a memorização?

Ivan Izquierdo: A prática ajuda muitíssimo, e a repetição também.

Pré-Univesp: Há pessoas com incrível capacidade de memorização. Também existem aquelas que guardam informações específicas como datas, nomes ou as escalações da seleção brasileira ao longo dos anos. O que determina essas especificidades de memorizar nas pessoas? A genética tem a ver com isso?

Ivan Izquierdo: A genética é um dos fatores que interfere na capacidade de memorização, mas, a meu ver, a prática é mais importante. Quem melhor lembra música são os músicos; os bancários lidam melhor com números etc.

Pré-Univesp: Todas as pessoas já tiveram o chamado branco, aquele momento em que não conseguem lembrar uma informação importante. É uma coisa que acontece, por exemplo, com um jovem no dia do vestibular. Por que isso acontece? Como o estado emocional ou o estresse afetam a memória?

Ivan Izquierdo: O branco deve-se à liberação de cortisol pela glândula suprarrenal. O cortisol é um hormônio liberado em situações de estresse ou nervosismo que chega até o cérebro, pelo sangue, onde atua inibindo mecanismos da evocação das memórias, no hipocampo e no núcleo amigdalino.

Pré-Univesp: Quais os problemas neurológicos que podem afetar a memória?

Ivan Izquierdo: Muitos. Desde doenças degenerativas como alcoolismo e Alzheimer, incluindo outras demências, Mal de Parkinson, até traumatismos, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), infecções e, certamente, a idade muito avançada.

Pré-Univesp: Que drogas afetam a memória? Esse efeito é reversível?

Ivan Izquierdo: Há muitíssimas drogas que afetam a memória; só meu grupo estudou mais de 300 tipos. O álcool, por exemplo, deprime maciçamente a memória. Os canabinoides (derivados da planta Cannabis Sativa, como a maconha e o haxixe, considerados drogas psicodélicas leves, alucinógenas ou depressoras) também. Em níveis moderados, a adrenalina estimula a memória, já em níveis elevados a deprime.

Pré-Univesp: E as emoções? O mecanismo pelo qual guardarmos as emoções é o mesmo com o qual retemos outros tipos de informação?

Ivan Izquierdo: Sim. As emoções fazem parte da memória como um todo. Não existem experiências e, portanto, memórias “a-emocionais”. Há algum grau de emoção em todo momento de nossas vidas, até quando estamos dormindo.

Pré-Univesp: Em relação ao aprendizado, se houver emoções envolvidas aprenderemos melhor? As emoções ajudam a memorizar?

Ivan Izquierdo: Sim, as memórias que envolvem mais emoções são as mais e melhor lembradas. Todos recordam, em detalhe, onde e com quem estava quando morreu Ayrton Senna, mas não lembra da tarde anterior ou posterior.

Pre-Univesp: No sentido oposto, há situações de emoções muito fortes em que ocorre um apagamento da memória. Isso seria um mecanismo de autopreservação?

Ivan Izquierdo: Só nos filmes. Na vida real isso geralmente não ocorre. Uma emoção muito forte habitualmente traz a recordação de outra emoção muito forte, similar ou não. Repito: as memórias mais cheias de emoção são as que melhor recordamos.

Pré-Univesp: Como a tecnologia tem ajudado a desvendar os mecanismos da memória? O que temos pela frente?

Ivan Izquierdo: A tecnologia mais usada nos estudos de memória é a Biologia Molecular, que mudou completamente os estudos sobre memória. Não posso prever o que temos pela frente. Se soubesse, e fosse bom, tentaria viver um pouco mais tempo.

Pré-Univesp: O senhor se considera uma pessoa com boa memória? Quais são suas melhores memórias?

Ivan Izquierdo: Tenho uma memória bastante boa, mas nada do outro mundo. Minhas melhores lembranças são de momentos de amor ou de música, que talvez seja uma das formas do amor.

A edição de agosto da revista digital pode ser vista aqui.

Da Univesp