Polícia usa inteligência no combate ao negócio ilegal dos jogos eletrônicos

A Polícia Civil começou a estudar o volume desse negócio depois de ação que apreendeu quase dez mil máquinas

qui, 26/04/2007 - 18h30 | Do Portal do Governo

Custo baixo, lucro alto e sonegação são os principais atrativos dos caça-níqueis, verdadeiras máquinas de fabricar dinheiro fácil que podem ser vistas em quase metade dos estabelecimentos comerciais do Estado de São Paulo. Um equipamento comprado por R$ 1,5 mil arrecada entre R$ 300 e R$ 1 mil por mês. Pela estimativa da polícia, há 300 mil máquinas em operação instaladas em bares, padarias, lanchonetes e bingos no Estado, que permite estimar que esse negócio ilegal movimente valores astronômicos que chegam a R$ 300 milhões por mês.

O volume deste negócio visível, mas desconhecido pela maioria das pessoas começa a ser estudado depois que uma ação da Polícia Civil apreendeu quase dez mil máquinas na maior operação no gênero no Estado. “É um dinheiro que ainda nem dá para fazer conta direito”, ressalta o delegado Aldo Galiano Júnior, diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap). Ele informou que levantamento completo com os dados econômicos deve ficar pronto em seis meses.

O negócio funciona como uma espécie de franquia dos jogos de azar. Grande parte desses equipamentos não pertence aos proprietários dos estabelecimentos onde estão instalados. Eles recebem uma porcentagem que varia entre 45% e 50% do lucro líquido obtido na exploração dos jogos eletrônicos. Na maioria dos locais, há entre três e cinco máquinas. Calcula-se que o faturamento renda ao dono do estabelecimento média mensal de R$ 1 mil líquido.

Barato e lucrativo

O restante fica com o proprietário da máquina, responsável pelo pagamento dos demais participantes no esquema do jogo eletrônico. O recolhimento de dinheiro costuma ser semanal, como relataram os donos de estabelecimentos visitados pela reportagem do Diário Oficial. Muitos deles dizem que o lucro obtido com os equipamentos é suficiente para pagar as contas de água, luz e os impostos.

O valor informado pelos comerciantes soma de R$ 300 a R$ 1,2 mil por mês. Dizem que o negócio seria ainda mais lucrativo se pudessem ser donos e ter o controle completo, já que os equipamentos não custam muito e não há dificuldade de encontrar empresas que vendem esses produtos. Ocorre que a parte do leão não é para qualquer um.

Os preços cobrados por máquina vão de R$ 1,5 mil até R$ 6,8 mil, depende do tipo. O maior problema é que os proprietários abordam os comerciantes para aceitar os seus equipamentos e participar do “esquema de locação” e dificultam o negócio de quem possui os próprios caça-níqueis, afirmam os entrevistados. É uma parceria feita na marra.

 Empresas identificadas

Um dono de estabelecimento que tentou ser dono do negócio enfrentou dificuldades. Após comprar seu caça-níquel foi assaltado três vezes. Além de roubar dinheiro das máquinas, retirar peças caras, quebraram o seu bar. Assim que concordou em colocar três máquinas pelo “esquema de locação” não foi mais roubado. A maioria alega que se não colocar a máquina perde freguês porque o vizinho aceita.

O coordenador geral do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (FIA/USP), o economista Cláudio Felisoni de Ângelo, diz que além do lucro da locação dos caça-níqueis, os comerciantes ganham com o “aumento do fluxo de pessoas no estabelecimento e com a permanência de clientes no local. Esses dois fatores aumentam as vendas porque os clientes consomem mais os produtos oferecidos pelo comerciante”.

Os donos das máquinas são empresas cujos proprietários são, na maioria, antigos bicheiros e donos de bingos, informa a polícia que já identificou 40 empresas que distribuem essas máquinas em todo o Estado. O delegado explica que é difícil identificar os donos das empresas porque o contrato com os proprietários dos estabelecimentos onde estão instaladas as máquinas é feito por um “laranja” ou com empresas com CNPJ inativo.

Algumas são empresas offshore (não se sabe quem é o dono porque as ações são ao portador). E a contabilidade mostra movimentação financeira e recolhimento de imposto “insignificantes”, de acordo com Galiano. Das empresas identificadas, a polícia sabe quem são quase todos os proprietários.

 Caça às empresas

A polícia busca os contratos originais e a documentação entre as empresas e as importadoras. “Estamos atrás dos fabricantes de máquinas, distribuidoras e importadoras. Estamos realizando operações de inteligência. Recolher máquina não adianta. Precisaríamos de três estádios do Maracanã para guardá-las. A polícia apreende hoje e no dia seguinte já colocaram outra. Precisamos acabar com as empresas e descobrir para onde vai o dinheiro”, afirma Galiano.

 A operação que abrange o trabalho de sete mil funcionários da polícia apreendeu quase dez mil caça-níqueis, fechou três galpões onde as máquinas foram encontradas e analisa toda a documentação. As principiais constatações, de acordo com o delegado, são de que os equipamentos eletrônicos vêm do exterior (países asiáticos – boa parte das Filipinas), há indícios de contrabando, de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro.

 Ao ser questionado por que um negócio ilegal prosperou a tal ponto, Galiano diz que o “embróglio jurídico” e as liminares são os grandes responsáveis. “Mas agora quase todas as liminares foram cassadas pelo Ministério Público e o negócio dos caça-níqueis está ilegal”, informa. Outra irregularidade investigada pela polícia é a fraude nas máquinas que altera a probabilidade de o apostador ganhar.

 Programada para ganhar

O delegado disse que a perícia completa das máquinas ficará pronta em dois meses, mas adianta que o dono da máquina pode programá-la da “forma que quiser”. Boa parte é preparada (um aparelho altera o chip do equipamento responsável pela configuração das probabilidades) para pagar 10% das apostas, informa Galiano. A perícia vai avaliar os componentes eletrônicos, os softwares que permitem manipular as probabilidades de ganho e as leitoras de cédulas.

 Manipular os resultados do jogo é um crime contra a economia popular, informa o promotor público José Mario Barbuto do Centro de Apoio Operacional à Execução e das Promotorias de Justiça Criminais do Ministério Público de São Paulo. Ele reforça que a exploração de caça-níqueis é uma contravenção porque a lei não permite a exploração desses jogos em local público ou de acesso ao público.

“O que houve foi uma sucessão desordenada de leis que deu abertura a diversas interpretações, a decisões que permitiram a exploração desses jogos e a batalhas judiciais”, explica Barbuto. Acrescenta que um dos motivos de haver tantos caça-níqueis em operação é que a polícia não dá prioridade a esse crime porque “considera ser menor, de pouca gravidade, e que há outros mais importantes a resolver (morte, seqüestro)”.

O promotor público enumera outras explicações dadas pela polícia para não acabar com a prática ilícita dos jogos eletrônicos: falta de estrutura, problemas de logística (caminhões para recolher as máquinas e locais para armazenar), dificuldade de identificar as empresas ligadas ao esquema e envolvimento de autoridades de foro privilegiado que dificulta a investigação.

O promotor disse que há indícios fortes de caixa dois, que há integrantes de criminosos, traficantes e bicheiros nas empresas proprietárias das máquinas e práticas de outros crimes. Pelo acompanhamento das investigações, Barbuto afirma haver de 50 a 100 empresas controlando a exploração dos caça-níqueis e que os equipamentos eletrônicos são fabricados em países asiáticos e passam pela Espanha e Itália antes de entrar no Brasil.

Antes as máquinas chegavam prontas, agora são montadas aqui. Há suspeita de que alguns componentes já sejam fabricados em solo brasileiro. Embora não mencione valores, Barbuto diz que esse negócio “dá tanto dinheiro que para os criminosos vale a pena comprar autoridades públicas e correr riscos”.

Jogo ilegal

Os donos dos estabelecimentos onde funcionam os caça-níqueis podem ser punidos por “contravenção de exploração de jogo de azar e pagar multa, e a máquina, confiscada”. Se pagarem propina, “respondem por corrupção”. Os proprietários que não têm autorização para explorar o jogo também respondem criminalmente. “Essas empresas têm de ser extintas”, afirma o promotor.

O promotor Eder Segura, do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), reforça que “os jogos de azar nunca foram legais no Brasil. Houve um curto período de legalidade com a Lei Zico e a Lei Pelé que cessou em 2000”. Além da lei federal que proíbe o jogo em todo o território nacional há também em São Paulo uma lei estadual em vigor. A lei paulista precisa definir o órgão fiscalizador e o valor da multa.

 Segura afirma que o problema maior não é com o jogo propriamente dito, mas sim com a lavagem de dinheiro e o tráfico que abrange a atividade dos jogos eletrônicos.

Claudinei Martins

Da Agência Imprensa Oficial