Pesquisador capta mais de mil sons de diferentes espécies de aves em 35 anos

Ornitólogo da Unicamp está digitalizando acervo para, em breve, disponibilizar na Internet

qui, 26/06/2008 - 14h36 | Do Portal do Governo

A natureza transformada em som digital. Durante 35 anos, o ornitólogo (especialista que estuda aves) Jacques Vielliard pesquisou o som das aves brasileiras e o registrou em cerca de 30 mil fitas magnéticas. Seu desafio atual é digitalizar todo o acervo, considerado um dos maiores do gênero no mundo, e contribuir para a preservação dos estudos na área de bioacústica.

Vielliard, que também é professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, diz que a tarefa abrirá oportunidade para que outros cientistas desenvolvam investigações relacionadas à biodiversidade brasileira. Destaca a relevância da digitalização porque abase de dados revela aspectos específicos sobre espécies que compõem a fauna nacional.

“O canto do pássaro é uma forma de comunicação. Apresenta qualidades sonoras de freqüência, intensidade e duração próprias de cada espécie. Por meio do canto, os indivíduos de uma mesma espécie se reconhecem e podem demarcar seus territórios e formar seus pares”, explica.

As aves espalham-se por todos os pontos de um bioma. Estão nas copas das árvores, nas vegetações rasteiras, nos campos. “Ao estudarmos o comportamento das diversas espécies de uma dada região, obtemos informações a respeito da flora, do clima, do ciclo da água”.

Os neurocientistas também demonstram crescente interesse em pesquisar a comunicação entre as aves. “Eles querem entender melhor como elas aprendem e trocam informações. Com bom gravador e bom alto-falante, pode-se reproduzir o fenômeno e é possível medir a sua freqüência, duração e intensidade”, esclarece o ornitólogo.

Diversidade 

O material começou a ser digitalizado há três anos graças a uma parceriaentre a Unicamp e a Universidade Federal do Pará (UFPA) e ao apoio de dois empresários. Perto de sete mil rolos magnéticos já estão armazenados no computador.

Vielliard acredita que a partir de agora o processo de substituição de uma mídia pela outra será mais rápido. É possível que em dois ou três anos todo o trabalho seja concluído. Quando o conteúdo completo estiver no computador, haverá autorização de acesso público das gravações pela Internet.

Viajando pelo País, o professor da Unicamp conheceu boa parte da biodiversidade brasileira. O resultado é a captação de sons de mais de mil espécies de aves. Registrou também a expressão sonora de sapos, onças, macacos, insetos e até de baleias. Inclusive sons emitidos por animais raros, como ararinha-azuleoutros, provavelmente, extintos.

O ornitólogo realizou incontáveis expedições a regiões isoladas da Amazônia e enfrentou situações adversas. Numa das andanças pela selva brasileira contraiu malária, que lhe deixou seqüelas. “Mesmo assim não considero meu trabalho tão perigoso. Até mesmo para atravessar a rua a gente corre risco”, minimiza.

Descobertas

Nos 35 anos de estudos na área da bioacústica, que consumiram investimentos de U$ 2 milhões, o professor fez descobertas interessantes. Depois de muita investigação, ele e equipe identificaram semelhanças e diferenças entre aves de espécies diferentes.

É o caso de uma pequena coruja, encontrada na Mata Atlântica, considerada a menor do mundo. Outros pássaros, da Amazônia e da América Central, que pareciam compor a mesma espécie, pertenciam a outra. Intrigado, o docente foi a campo e reproduziu o som do exemplar da Mata Atlântica para o que vivia na Amazônia. “Descobri que o segundo não reagia ao som do primeiro, pois era de espécie diferente. Como são originárias da América do Norte, provavelmente as corujas promoveram duas colonizações diferentes na América do Sul. Sem os recursos da bioacústica, dificilmente chegaríamos a essa conclusão”, explica.

Caminho da digitalização

A digitalização do acervo nasceu da necessidade de preservar os conteúdos das fitas magnéticas que têm vida útil de até 50 anos. “Como os primeiros registros já completaram 35 anos, passei a temer pela qualidade e integridade das gravações”, explica.

O docente procurou os reitores da Unicamp e da UFPA e propôs projeto que contemplasse tanto a conservação do acervo como a realização de estudos cooperativos entre as duas universidades. Além disso, conseguiu apoio financeiro de dois empresários, Patrice de Camaret e Luiz Oswaldo Pastore, para a compra de equipamentos, sobretudo computadores.

A digitalização é feita na Unicamp, com a ajuda de gravador de rolo suíço de alta precisão e computador formatado para esse fim. Assim que o conteúdo de uma fita magnética começa a ser convertido para o arquivo digital, o software abre dois arquivos distintos: o primeiro registra o som e o segundo, recebe dados textuais sobre a gravação (espécie, local, data, hora, circunstância e o nome do responsável pelo registro). Na UFPA, a gravação, já em formato digital, é editada. Parte desse acervo encontra-se disponível para consulta da comunidade científica.

Da Agência Imprensa Oficial

C.C.