Pesquisa diz que SP não é apenas metrópole de serviços

Tese de doutorado apresentada na Unicamp alerta que a indústria continua determinando a dinâmica da economia na metrópole

dom, 17/02/2008 - 11h48 | Do Portal do Governo

Desde os anos 1980, corre a idéia de que a indústria da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) tem se esvaído para o interior do Estado ou para outras unidades da federação. O coração da indústria brasileira estaria se transformando na metrópole contemporânea, baseada no setor de serviços, conectada pela tecnologia da informação em uma rede inteligente e integrada de cidades globais.

A profunda mudança na estrutura do emprego na região, com os trabalhadores de serviços ultrapassando em quantidade os da indústria, alimenta teorias sobre a crise do fordismo e a substituição do setor secundário por um terciário pujante, jovem e empreendedor. Daí, conceitos não muito bem-fundamentados como da “desindustrialização”, “interiorização do desenvolvimento”, “metrópole de serviços”.

Tese de doutorado apresentada no Instituto de Economia (IE) da Unicamp alerta, contudo, para certa ilusão de ótica. “Na verdade, é a indústria que continua determinando a dinâmica da economia na metrópole. O setor terciário realmente se desenvolveu bastante, mas em função da indústria, e não ‘apesar’ dela”, afirma o economista Miguel Matteo, autor da tese orientada pelo professor Jorge Ruben Biton Tapia.

Na opinião de Matteo, que chefia a Divisão de Estudos Econômicos da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), a falsa imagem de uma metrópole transmutada se deve em boa parte à grave crise no sistema estatístico nacional no período de 1985 a 1995. “O IBGE quase fechou as portas. Os censos econômicos de 1990 não foram realizados e o censo demográfico só saiu no ano seguinte”, recorda.

Segundo o economista, novos números levantados no final dos 90 e a exitosa reestruturação do IBGE já mostravam que a indústria da RMSP teima em crescer, apesar das crises econômicas sucessivas e da abertura do mercado. Sua tese sustenta-se principalmente em duas Pesquisas da Atividade Econômica Paulista (Paep) da Fundação Sedae, referentes a 1996 e 2001.

“Ainda no meu mestrado, demonstrei que a anunciada fuga da indústria para o interior era um movimento limitado a um raio de cem quilômetros. O ‘interior’, no caso, forma uma mancha geográfica extremada pelas regiões de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e a Baixada Santista”, explica.

Esta mancha, que em 1970 concentrava 90% de toda a atividade industrial do Estado de São Paulo, manteve-se neste patamar nos anos 80 e 90. Nas Paep de 1996 e 2001, o resultado foi o mesmo. “Esses 90% equivalem a mais de 40% da atividade industrial brasileira. Ninguém pode dizer que a indústria de São Paulo está perdendo importância”.

Miguel Matteo informa que houve um rearranjo interno, em que municípios como Campinas, Guarulhos, Osasco, Barueri e São José dos Campos ganharam peso, enquanto São Paulo perdeu. “Mesmo a região do ABC, que estaria condenada a virar uma zona fantasma devido à idéia corrente de fuga de indústrias, preservou o mesmo nível de atividade industrial”.

É este quadro que fundamenta a crítica do autor a conceitos como da “desindustrialização” enquanto sugere a fuga de indústrias de São Paulo. “O risco de desindustrialização existe, mas não no sentido espacial, e sim no sentido de a indústria não suportar a concorrência, o dólar baixo, a falta de investimento por conta dos juros altos”.

Renovação – Inegável, como aponta o economista, é a profunda transformação da indústria da RMSP em comparação com as plantas gigantescas e os grandes contingentes de empregados dos anos 70. Por conta da concorrência trazida pela abertura do comércio exterior, que obrigou ao enxugamento de custos, as indústrias passaram a priorizar seu produto principal, terceirizando inúmeras atividades de apoio.

“O faxineiro da Volkswagen está agora numa empresa de serviços, embora varra o mesmo chão de fábrica. O torneiro mecânico é uma profissão em extinção, substituído por robôs e centros de usinagem. Encomenda-se a porta do carro pronta, ao invés de moldar a chapa de aço, assim como inúmeros componentes do automóvel. A montadora foca suas atenções na concepção e na montagem dos veículos”, ilustra o autor.

Matteo observa, por outro lado, que a indústria da Grande São Paulo demanda serviços cada vez mais sofisticados e com grande base de conhecimento, como fabricação de software, programas de gestão e tecnologias inovadoras. “São essas prestadoras que começam a oferecer serviços para a indústria e, depois, para outros segmentos, como na automação de bancos e de supermercados”.

Idéia central – A idéia central defendida na tese de doutorado é que a atual renovação industrial em São Paulo vem sendo possível graças à articulação de um conjunto de inovações produtivas e tecnológicas e à crescente integração com os serviços. “A metrópole paulista é, ainda, uma região que tem seu dinamismo econômico conferido pela indústria, e não pelos serviços”, reitera o economista.

Miguel Matteo ressalta que seu estudo não pretende diminuir a importância da RMSP no setor terciário, sobretudo o mais avançado. “Um setor de serviços tão bem encorpado e sofisticado como o de São Paulo não se reproduz em qualquer lugar. Se pessoas do país inteiro vêm buscar atendimento em hospitais como o Sírio Libanês, Albert Eistein ou Incor, o mesmo acontece em relação aos serviços oferecidos pelas empresas”.

O desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação, conforme Matteo, viabilizou o surgimento de prestadoras de serviços organizadas de forma similar à industrial. “Há a prestadora que atende a outra prestadora, que por sua vez atende a indústria. O encadeamento é tão forte que torna difícil uma definição precisa entre o que é indústria e o que são serviços”.

Histórico – Uma preocupação do autor foi de compreender todo o processo evolutivo que levou a metrópole paulista aos patamares de hoje: desde a economia cafeeira, da qual foi centro administrativo e financeiro, e de onde provieram os capitais e o mercado para sua industrialização, até a formação da Região Metropolitana.

“Há muito mais continuidades do que rupturas neste processo histórico e não se muda a característica de uma região apenas porque a economia está diferente. Dizer que a metrópole industrial virou uma metrópole terciária é simplificar demais a história”, conclui Miguel Matteo.

Fábricas fumacentas que não esfumaçaram

Na tese intitulada Além da metrópole terciária, o economista Miguel Matteo não se limitou a demonstrar a adaptação da economia da Região Metropolitana de São Paulo diante das transformações do capitalismo contemporâneo – ao invés do propalado surgimento de uma nova metrópole. Ele também questiona conceitos relacionados com a divisão territorial da economia paulista, como “descentralização concentrada”, “interiorização do desenvolvimento” e “city region”.

Tais conceitos, na opinião do autor, levam a equívocos como o de identificar o “interior” como uma região em contraposição à RMSP. “A economia da metrópole só pode ser entendida quando se contextualiza sua inserção na macro-metrópole paulista, dada a formação de uma densa aglomeração econômica, que, ao contrário de se contrapor à RMSP, a complementa”.

Referindo-se à mancha geográfica que se estende a cidades como Santos e Cubatão, Campinas, Jundiaí, Piracicaba e Limeira, Jacareí e São José dos Campos, e Sorocaba e Itu, o autor da tese lembra que esta macro-região tem uma participação importante nas transformações ocorridas na economia da metrópole, abrigando muitas das fábricas de chaminés fumacentas e máquinas barulhentas que de lá estão desaparecendo.

“Diante da valorização imobiliária, ficou impossível para a Kopenhagen manter sua fábrica no Itaim Bibi. Vendeu um quarteirão inteiro para uma incorporadora e se instalou na região de Campinas, mas mantendo-se perto do seu grande mercado consumidor”, exemplifica Matteo.

O economista ressalta, porém, que nem todas as grandes indústrias estão saindo da metrópole, que ainda concentra, por exemplo, dois terços do setor de confecções do Estado, empregando desde a costureira de Ermelino Matarazzo até o estilista da São Paulo Fashion Week. “Além disso, enxergamos apenas as que saem, pois aquelas que entram não fazem barulho, como as de cosméticos, farmacêuticas, mecânica de precisão e automação eletrônica. Nem parecem indústrias”.

Luiz Sugimoto

Da Unicamp

(L.F.)