Pesquisa constata: 67% das jovens estão insatisfeitas com o corpo

Estudo da Secretaria da Saúde com jovens entre 10 e 20 anos mostra que muitas cometem atos extremos para ficar mais magra e ser aceita

sáb, 02/06/2007 - 12h28 | Do Portal do Governo

Magreza é sinônimo de beleza, felicidade, aceitação e aprovação para boa parte das adolescentes que recebem tratamento e acompanhamento* *no Ambulatório de Ginecologia da Adolescente do Hospital das Clínicas (HC). A insatisfação com o corpo leva meninas de 10 a 20 anos a ter vergonha de se expor em público e a desejar mudar a imagem para se sentir mais bonita esteticamente, ser aceita no meio social e agradar ao outro. O descontentamento é generalizado e não é apenas com o peso. Barriga, busto, quadril, cabelo, nariz, nada escapa ao olhar crítico que vê defeito em tudo e busca perfeição. Em nome de um padrão de beleza, elas cometem atos extremos que põem em risco a própria vida.

Para se sentir belas e amadas, as meninas não vacilam em ficar sem se alimentar, pular refeição, tomar remédio (tarja preta) e viver à base de água, suco, alface, pão. Essas são algumas das práticas comportamentais descobertas na pesquisa feita no ambulatório de Ginecologia do HC que aponta que 75% das jovens ouvidas “pulam” refeições, 67% não gostam do corpo e 37% sentem vergonha do físico. Pior: “São meninas com massa corporal normal e expressam a beleza adolescente brasileira”, afirma a médica ginecologista Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa de Saúde do Adolescente da Secretaria Estadual da Saúde e responsável pelo estudo.

Albertina diz que a insatisfação, a insegurança e o desejo de mudança para ficar mais bonita fazem parte da adolescência. “O risco está nas atitudes extremas que fazem mal à saúde. Elas sentem medo de não ser aceitas, acolhidas e amadas se não conseguir chegar ao ideal de beleza que acham que deve ter porque se comparam com a imagem divulgada nos meios de comunicação. Isso traz tristeza e sofrimento desnecessários. Elas se tornam alvo fácil de qualquer risco porque buscam aprovação de qualquer pessoa, o que as torna bastante vulneráveis. Quem se torna escravo do corpo, fica sem liberdade de decisão e exposto a toda migalha de afeto”, alerta a médica.

Bulimia e anorexia

Pelo estudo, 60% das garotas têm como padrão de beleza as mulheres magras e altas que aparecem nos meios de comunicação. Foi constatado que muitas não medem esforços para chegar ao peso considerado ideal (média de 52,3 quilos) e nem se importam com as conseqüências de seus atos para que o ponteiro da balança atinja esse número. “Elas não se importam com a altura, querem é pesar 52 quilos, porque é o divulgado na mídia. A nutrição é apenas uma forma de perder peso. Não se preocupam com alimentação saudável e nem com qualidade de vida”, observa Albertina.

“Estava com 37 quilos, não conseguia mais comer, evacuar e queria emagrecer mais. Só enxergava o peso na balança. Se estava diminuindo, ficava contente e era o que importava. Tomava laxantes três vezes ao dia e continuava a beber refrigerante”, conta Milene Rinaldi. Depois de um mês sem evacuar e ter febre constante, foi internada. O resultado foi que o intestino perdeu o movimento peristáltico (responsável por eliminar o bolo fecal) e precisou fazer tratamento por muitos anos.

Milene estava com 15 anos e diz que seu namorado na época a “trocava por qualquer coisa: jogos, amigos, família, viagem”.  Casos graves como o de Milena ainda são minoria, mas situações pré-bulímicas e pré-anoréxicas e distúrbios alimentares são preocupações constantes para quem lida com as jovens que chegam ao ambulatório, relata Albertina. Letícia de Moura viveu problema semelhante ao de Milene. Aos 15 anos, não se sentia amada e nem aceita pelo primeiro namorado. Só não chegou a ficar doente porque procurou ajuda no HC para cuidar “das dores do coração”.

Calorias e cirurgias

Letícia disse que engordou 30 quilos durante o relacionamento e o namorado “cobrava” que ela voltasse a ficar magra. Por isso, durante um mês sua única refeição foi um copo de suco tomado pela manhã. “Consegui emagrecer os 30 quilos, mas não estava me sentindo bem. Quando terminei com o meu namorado fiquei pior e procurei ajuda”, relata a garota. Hoje, com outro rapaz e em acompanhamento psicológico nutricional, diz que tem dificuldade de manter o peso atual (que acredita não ser o ideal), mas “como de tudo e estou bem”.

Reforça que não é só ela que se acha fora do padrão estético aceito socialmente. “Quando entro em bancos, as pessoas falam para eu ficar na fila de gestante porque pensam que estou grávida”, comenta aborrecida. Além de diminuir o peso, Letícia gostaria de “acabar com a barriga e o excesso nas costas”. Conta que essas “imperfeições” atrapalham a conquista amorosa, a manutenção do relacionamento e dificulta a compra e a escolha de roupas. “Não é fácil encontrar uma blusa ou uma calça que fique bem no meu corpo.”

Letícia diz saber que o certo é “procurar academia e não entrar na faca”. Mas o levantamento mostra que apenas 18% praticam atividade física, 4,5% usam remédios para emagrecer e a maioria recebe informações sobre cirurgias estéticas. “São meninas esclarecidas sobre lipoaspiração, preços de cirurgias plásticas e sabem a quantidade de caloria de cada alimento. Mais de 52% têm 12 anos de estudos e 47%, nove anos. Mas muitas se endividam para comprar remédio ou para alisar o cabelo”, afirma Albertina.

Mudar tudo

Mãe de dois filhos, Cristiane Simi Domingues, 18 anos, diz que a maternidade mudou “completamente” o seu corpo, principalmente a barriga e o busto. “Nada está como antes. Um dia meu marido me abraçou pela cintura e disse que ia abrir uma borracharia. Isso me matou por dentro”, recorda Cristiane com lágrimas nos olhos. A garota se mostra ainda mais insatisfeita com o seu corpo porque “meu marido me traiu com uma menina que estava com tudo em cima e ficava se atirando para ele”. Ela conta que não se despe na frente do esposo por vergonha e “que todo mundo quer trocar alguma coisa no corpo”.

Durante três meses Angélica Rodrigues dos Santos comia e vomitava. “Pulava refeições e quando ficava com fome comia bastante. Então, colocava o dedo na  boca. Mesmo assim, não consegui emagrecer. Agora faço tratamento e regime. Estava com quase 100 quilos e agora peso 75 quilos. Edivânia Maria Jesus Santos conta que mudaria tudo: “Eu nascia de novo”. Diz que era magrinha e agora ficou “esse balão”. Mas acrescenta, sorrindo, que ficou “linda” no vestido de noiva e está feliz com o casamento próximo.

A queixa atual de Erica Cristina dos Santos é com a barriga. “Tenho gases e minha barriga fica estufada. As pessoas ficam perguntando se estou grávida. É horrível”, lamenta. Mas há cinco anos, antes de iniciar o acompanhamento no HC, a situação era mais complicada: “Eu me achava feia, horrível e estava tão mal que não saía na rua. Nem conseguia me olhar no espelho porque não gostava do meu rosto, do meu corpo, de nada em mim”, lembra a menina. Defeitos irreais De acordo com a pesquisa, 6% das adolescentes se afastam do convívio social por vergonha de se exporem em público. “Falam que sentem vergonha do corpo quando estão com amigos e nem emprestam roupas para as amigas com medo de que elas percebam quanto estão gordas. Muitas nem colocam biquíni porque se acham flácidas, estão com a `barriga indecente` e sabem dos efeitos da Lei da Gravidade. Outras evitam blusas que marcam a silhueta. Há as que dizem fazer qualquer coisa com o cabelo”, exemplifica Albertina.

O psiquiatra Chafi Abduch, responsável pelo encaminhamento das discussões da Oficina do Sentimento promovidas pelo ambulatório do HC, diz que a imagem corporal que muitas adolescentes têm delas próprias “não corresponde à verdade. Muitas enxergam o que não existe. Vê deformações irreais e isso atrapalha a vida delas e põem em risco a felicidade. Outras se sentem inferiores por causa do corpo e têm baixa auto-estima. A maioria não tem planos de vida e assume postura infantilizada. Trabalhamos o juízo crítico para elas pensarem a vida e encontrar soluções, e não ficar atrás de bodes expiatórios para os seus problemas”.

Claudeci Martins

Da Agência Imprensa Oficial