Neuroimagem para tratar traumas psicológicos

Estudo pioneiro no Brasil mostra alterações cerebrais após o uso de terapia de exposição e reestruturação cognitiva

seg, 19/02/2007 - 19h20 | Do Portal do Governo

Uma pesquisa comprovou os benefícios da terapia de exposição e reestruturação cognitiva no tratamento do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) parcial. Pacientes traumatizados por assaltos, acidentes ou violência sexual que foram submetidos à psicoterapia conseguiram superar o evento traumático ao elaborarem um novo significado para a experiência. O mesmo não aconteceu com o grupo controle, que não fez terapia. A comprovação ocorreu por meio da análise de imagens de determinadas áreas cerebrais dos dois grupos.

De acordo com o estudo, as pessoas submetidas ao tratamento apresentaram um aumento da atividade do córtex pré-frontal (responsável pela classificação e categorização das experiências), do hipocampo esquerdo (ligado à capacidade de síntese, de aprendizagem e de memória) e dos lobos parietais (relacionados com a orientação espacial e temporal dos eventos), além de um decréscimo da atividade da amígdala (área do cérebro envolvida com a expressão do medo).

“Os que fizeram psicoterapia conseguiram rotular e sintetizar mais positivamente o evento e passaram a ter uma melhor orientação temporal e espacial da experiência, ou seja, o trauma passou a ser um acontecimento pertencente ao passado”, conta o psicólogo Júlio Peres, doutorando do programa de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da USP. “Existem apenas 22 trabalhos científicos sobre esse tema em todo o mundo. Este é o primeiro estudo brasileiro envolvendo neuroimagem funcional e psicoterapia”, completa. Os resultados serão publicados neste mês na Revista Psychological Medicine.

Durante dois meses, uma vez por semana, o grupo de 16 pacientes fez a terapia de exposição e reestruturação cognitiva, totalizando oito sessões. Antes da primeira sessão, eles leram em voz alta um roteiro personalizado para evocação da situação traumática vivida. Em seguida, receberam a injeção de um radiofármaco (marcador da atividade cerebral) e foram encaminhados para fazer um exame chamado SPECT (tomografia por emissão de fóton único), que permite identificar os circuitos cerebrais ativados e desativados durante determinada tarefa. Depois da oitava sessão, esse mesmo exame foi repetido.

Os resultados foram comparados aos do grupo controle, composto por 11 pacientes com o mesmo diagnóstico em lista de espera para psicoterapia, mas que fizeram apenas os exames de tomografia, em um intervalado de 60 dias.

TEPT parcial Peres explica que o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) pode ocorrer após um evento traumático como um abuso sexual, um acidente de carro ou um episódio de violência entre outros. Memórias traumáticas, pesadelos e pensamentos indesejáveis recorrentes, estado de alerta, insônia, distanciamento afetivo e isolamento social podem ser, entre outros sintomas, indicadores do TEPT.

“É um transtorno limitante, que afeta a qualidade de vida, os relacionamentos pessoais e profissionais e atinge cerca de 9% a 10% da população”, comenta o psicólogo. Quando a pessoa apresenta alguns desses sintomas, o diagnóstico é de TEPT parcial. “Neste caso a ocorrência na população em geral é maior, cerca de 30%”, conta, lembrando que a pesquisa foi desenvolvida com este grupo, que é “esquecido por muitos pesquisadores”.

Novos arranjos

“Os efeitos neurobiológicos da psicoterapia são hoje considerados dos mais relevantes às Neurociências”, conta Peres. “Os resultados do estudo confirmam que processos psicológicos de aprendizado podem ocasionar novos arranjos nas sinapses cerebrais relativos à remissão dos sintomas.”

De acordo com o pesquisador, até poucos anos não existiam métodos que permitissem avaliar os marcadores biológicos dos efeitos da psicoterapia. E que, mesmo na área da saúde, ela não era tão creditada por trabalhar com a subjetividade das pessoas. “Isso mudou, pois as Neurociências têm mostrado em estudos recentes com neuroimagem que as psicoterapias aplicadas apresentam o potencial de modificar circuitos neurais disfuncionais associados aos transtornos tratados”, esclarece.

Da Agência USP