Metade das crianças e adolescentes toma remédio por conta própria

Antibióticos e antiinflamatórios são alguns dos medicamentos mais ingeridos por conta própria

ter, 08/07/2008 - 9h08 | Do Portal do Governo

Mais da metade das crianças e adolescentes até 18 anos de idade ingere remédios sem prescrição médica, o que pode acarretar sérios problemas de saúde. Essa é uma das constatações de estudo pioneiro no Brasil, que integra tese de doutorado da enfermeira Francis Solange Vieira Tourinho, defendida na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, com orientação do professor Fábio Buraretchi. Em 2003 e 2004, equipes de pesquisadores visitaram 1.756 residências das cidades de Limeira e Piracicaba. Ao todo, realizaram 772 entrevistas com pais ou responsáveis de crianças e adolescentes.

As conclusões do trabalho são alarmantes: 56,6% da população até 18 anos haviam ingerido remédios sem prescrição médica nos 15 dias anteriores à entrevista. Na maioria dos casos (51%) a indicação vinha das próprias mães. Para 20% dos entrevistados, a recomendação partiu de farmácias. Apenas 1,8% afirmou que a automedicação é estimulada pela propaganda na mídia. “Apesar do rigor das entrevistas, temos razões para desconfiar deste último dado, pois outros estudos consideram a propaganda fator de grande influência no consumo”, pontua a enfermeira. Verificou-se também que em 15,3% dos casos, os pais usam prescrição médica antiga, pois relacionam o problema dos filhos com algum sintoma antigo e resolvem repetir o medicamento.

Aspirina – O estudo apontou que crianças e adolescentes assistidos pelo sistema público de saúde têm mais chances de receber ou recorrer à automedicação. A enfermeira diz que, devido à dificuldade ou demora no atendimento, é comum enfrentarem os problemas de saúde por conta própria, tomando remédios indicados pelos pais, amigos ou vizinhos. Os principais sintomas da automedicação, relatados pelos entrevistados, são febre, dor de cabeça e cólica abdominal. A população desconhece os riscos do consumo sem orientação médica.

De acordo com o estudo, antibióticos e antiinflamatórios são alguns dos medicamentos mais empregados por conta própria. Os pesquisadores observaram que os familiares tinham “farmácias domiciliares” – estoques de remédios em casa. Identificaram produtos vencidos, armazenados em quartos, cozinhas e banheiros. Em algumas residências, os produtos estavam na gaveta do criado-mudo ou em caixas sob a cama. “Locais ao alcance das crianças, ampliando o risco de intoxicação”, adverte Francis.

Antibiótico consumido indiscriminadamente pode levar à ampliação da resistência das bactérias, informa a enfermeira. Já o ácido acetil-salicílico, encontrado na aspirina, por exemplo, e consumido de forma inadequada, acarreta problemas gastrointestinais e até mesmo a morte. Causa óbito se o paciente desenvolver a síndrome de Reye, que aparece associada à catapora.

Falta informação – Em relação às adolescentes, Francis destaca o uso de anticoncepcionais. Os meninos procuram medicamentos contra acnes e espinhas. A partir das informações obtidas do estudo, a enfermeira concluiu que as crianças com mais de sete anos têm maior chance de se automedicarem. É possível que os pais temam dar remédio sem a orientação médica aos filhos mais novos por considerar que o organismo deles ainda não tem resistência necessária para receber determinadas substâncias.

A enfermeira orienta os responsáveis a procurarem programas de puericultura (ramo da pediatria que se dedica à fisiologia, higiene e sociologia da criança), “que normalmente são de boa qualidade e existem nos municípios brasileiros”.

Mesmo que certos estudos relacionem a automedicação à condição social da pessoa, a profissional adverte que sua pesquisa não identificou diferenças significativas de comportamento de acordo com a situação socioeconômica. “A prática é comum em todas as classes sociais”.

Francis defende a intensificação de campanhas de esclarecimento sobre os riscos da automedicação com abordagens mais explicativas. “As campanhas existem, mas não atingem os resultados desejados. Talvez seja preciso mudar a linguagem para que as pessoas entendam com clareza a proposta. Não adianta dizer apenas que os medicamentos devem ser mantidos fora do alcance das crianças. Tem de ensinar a melhor maneira de se fazer isso”.

Francis Solange defende a urgência da adoção de medidas complementares que ajudem a desestimular o uso indiscriminado de remédios. Para ela, a ação mais viável, porém complexa, seria facilitar o acesso ao atendimento médico.

Existe um projeto de lei federal que determina o acondicionamento dos medicamentos em embalagens de segurança, o que dificultaria o acesso das crianças. Mas para ser empregada, a lei depende de votação, que está tramitando no Congresso Nacional há 14 anos. “Não sabemos o motivo da lentidão. Na Europa, legislação semelhante resultou na queda drástica de casos de intoxicação infantil e de transplantes hepáticos (doses excessivas de paracetanol podem causar lesões graves no fígado)”, exemplifica a pesquisadora.

Brasil: 20 mil óbitos por ano

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), metade da população mundial toma remédios sem prescrição médica. No Brasil, dados da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma) indicam que cerca de 20 mil pessoas morrem anualmente por consumirem medicamentos por conta própria. Os óbitos estão freqüentemente relacionados a intoxicações, reações de hipersensibilidade e alergias. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que os remédios são responsáveis por 27% das intoxicações registradas no Brasil e por 16% das mortes relacionados a esses episódios.

Da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)