Menores carentes aprendem tênis no Parque Villa-Lobos

São 128 meninos e meninas que estudam em escolas estaduais e aprendem tênis gratuitamente

qui, 22/01/2009 - 19h06 | Do Portal do Governo

“As mães me pedem para ocupar o dia inteiro deles, aqui no parque, pois o maior temor delas é que, sem isso, eles não tenham outra saída a não ser ficar na favela, no meio dos “nóia”. A preocupação, enfatizada pelo professor Agostinho, fundador e um dos idealizadores do Projeto Bola Dentro, que ensina tênis gratuitamente a 128 meninos e meninas carentes da capital, mostra a importância do trabalho desenvolvido desde 2005 nas quadras do Parque Villa-Lobos. “Nóia”, na gíria, remete aos traficantes ou viciados em drogas.

O Projeto Bola Dentro é uma iniciativa com objetivo de inclusão social, da Maricic Eventos, organizadora de competições de tênis como o torneio internacional Aberto de São Paulo, e da Secretaria do Meio Ambiente – SMA, sob a coordenação do professor Agostinho Carvalho. Com ajuda de outros professores, auxiliares, psicólogo e assistente social, além de profissionais voluntários de outras áreas, não só forma tenistas, como também professores da modalidade, pegadores de bola, juízes de linha e de cadeiras. Promove, ainda, há quatro anos, no Villa-Lobos, quase simultaneamente ao Aberto de São Paulo, a Copa Bola Dentro, reunindo os garotos do projeto.

“Nossa preocupação é proporcionar um futuro a essas crianças e adolescentes, que muitas vezes chegam aqui sem a menor perspectiva, e inseri-los na sociedade através do tênis”, afirma Agostinho, 56 anos, que já ministrou aulas em academias de São Paulo por 27 anos antes de ser convidado por Juliano Tavares, da Maricic, para iniciar o projeto. Como fruto desse trabalho, já são 14 alunos federados na Federação Paulista de Tênis – FPT, além de quatro que já atuam como juízes de linha e até de cadeira em torneios oficiais.

Bruno Correa, de 16 anos, que obteve o tetracampeonato na IV Copa Bola Dentro, de 2009, é um bom exemplo. Mora na unidade Cingapura do “Ceasa”, com uma tia que o adotou e estuda no 2º ano do Dilermando Dias dos Santos, uma escola estadual na Vila Leopoldina. Seus pais adotivos estavam desempregados em 2005, quando o projeto foi divulgado na escola e ele foi conhecê-lo. A partir de então, os treinos diários, de segunda a sexta-feira, no período da tarde, permitiram-lhe chegar à 2a. posição na 4a. Classe de sua categoria, na FPT. Com mais este quarto título na Copa, deve ascender para a 3a. Classe. E, além da pretensão de se tornar um tenista profissional, tem um sonho: “Se conseguir chegar ao profissionalismo no tênis, quero ajudar no projeto, ensinando outros garotos”.

Weverson Leão, 15 anos, vice-campeão na IV Copa, é outro bom exemplo. Mora na comunidade da Vila Andrade, na zona sul e estuda no 1º ano da escola estadual de 2º grau Jardim Bronzato, também na região da comunidade. Começou como catador de bola há nove anos, por influência do irmão, Weverton, 21, que atualmente é professor de tênis no projeto. Weverson, que até antes da Copa ocupava a 14a. posição em sua categoria, na FPT, acaba de ganhar e passar uma semana grátis de treinamento no hotel-fazenda-clínica de tênis Kirmayr, em Serra Negra, pertencente ao famoso tenista Carlos Alberto Kirmayr, defensor do país na Copa Davis por quinze anos e treinador da jogadora argentina Gabriela Sabatini, campeã do US Open em 1990. Sobre a experiência no centro de treinamento, Weverton afirma que foi diferente, além de tudo por ter ficado integralmente focado no esporte – “era tênis o dia todo” -, e pelo fato de ter sentido uma melhora técnica principalmente em seu “backhand”, golpe de fundo de quadra executado do lado contrário ao que o jogador segura a raquete, também conhecido como “revés”. Ambos, Bruno e Weverson, após jogarem a final da IV Copa Bola Dentro, na quadra central do Parque Villa-Lobos, em pleno “Fast Stadium”, com capacidade para 4.500 pessoas, especialmente montado para o Aberto de São Paulo, participaram, no mesmo dia, como pegadores de bola na partida entre o brasileiro Ricardo Mello e o chileno Paul Capdeville, classificados entre os 150 melhores do mundo e finalistas do torneio internacional. E, com a mesma humildade e seriedade com que atuam como alunos e praticantes do esporte, também se mostraram muito bons e atentos nessa tarefa, aproveitando o privilégio de poderem estar bem próximos e aprenderem um pouco mais, desses ídolos nacionais das quadras. No caso de Weverson, foi contemplado ainda com o troféu de melhor pegador da competição.

Dias de glória

Uriel, Jorge, Axel, Mayron, Alexandre e Washington são outros adolescentes participantes do Bola Dentro, alguns bem mais recentemente integrados, com condições de vida, escolaridade, ingresso no projeto e histórias parecidas com as de Bruno e Weverson. Aliás, histórias e fatos marcantes e inesquecíveis não faltam, todos têm algo para contar. Uriel da Costa Arakilian, 15 anos, desde 2006 no Bola, campeão da chave B da IV Copa, que gosta muito de tudo relacionado à modalidade e tem pretensão de se tornar um dia juiz de cadeira – “ganha muito bem” -, teve o seu dia de glória quando, munido do seu celular, “entrevistou” durante o Aberto de São Paulo do início do ano passado ninguém menos que Carlos Bernardes, juiz de cadeira brasileiro considerado um dos melhores árbitros de tênis do mundo: “Foi legal, estava nervoso”.

Já Uriel, com base em experiências que tem tido como juiz de linha, sentiu necessidade de aprender inglês – para poder se comunicar com os jogadores estrangeiros – e acaba de ser convidado para receber, gratuitamente, aulas do idioma, com uma professora e tradutora simpatizante do projeto. Vitalina Câmara, a professora e tenista amadora, diz que os garotos do Bola Dentro sempre atendem a suas solicitações para rebaterem bola nas quadras do Villa-Lobos e quer retribuir, contribuindo com o projeto. Ela vai ensinar inglês para o Uriel, uma hora por semana, lá mesmo, na “sede” improvisada do Bola, ao lado das quadras.

Jorge Pereira de Souza Junior, 16 anos, não fica por menos. Atualmente oitavo no “ranking” do projeto, ele conta, com a felicidade estampada em seu rosto, como foi o seu “jogo” com Pete Sampras, o tenista norte-americano ex-melhor do mundo e detentor do maior número de títulos em torneios do circuito “Grand Slam”, em que as estrelas da elite do tênis conquistam seus maiores prêmios. Tratava-se de um torneio exibição, o “Grand Champions Brasil”, no ano passado, no complexo World Trade Center (WTC) São Paulo, ele mesmo relata: “Eu estava pegando as bolinhas no jogo entre o Sampras e o Muster – o austríaco Thomas Muster -, e no intervalo entre um set e outro, o Muster não se levantou da cadeira em que descansava, esticou a raquete, o juiz olhou para mim e falou para eu pegar a raquete e bater bola com o Sampras. Eu comecei a trocar bolas com o Sampras, ele sorria e a torcida ficava gritando, me apoiando. E ainda estava passando na tevê. Foi uma das sensações mais felizes que eu tive!” Jorge diz ainda que só pelo toque do norte-americano, “deu para sentir o nível, a técnica”. Depois disso, conta que ficou mais motivado para treinar – antes, dividia os interesses no esporte por causa do futebol – e pretende se federar este ano.

O professor Agostinho acompanha toda a movimentação da garotada e, apesar de todos os frutos que alcançou até o momento, não distrai por nenhum minuto de sua missão, mostra-se convicto da importância do projeto e cobra seriedade e compromisso dos seus alunos e colaboradores, além de não permitir que abandonem os estudos e, por outro lado, se esforcem para tirar boas notas na escola. Reconhece que acaba se tornando como que “um pai” para muitos deles e faz questão de zelar pelo respeito mútuo e disciplina: “Não permito namoro aqui dentro, imagine se algo errado acontece, como fica minha responsabilidade diante dos pais, que confiaram às minhas mãos seus filhos?” Quanto ao futuro do Bola Dentro e dos garotos mais promissores e que já se encontram em estágio avançado, explica que a idéia é “segurá-los até quando puder, mas o importante mesmo é eles saírem daqui com um futuro garantido”. Condições para isso não faltam, se depender da vontade de Agostinho e dos idealizadores, patrocinadores e apoiadores do projeto, entre eles a fabricante de raquetes Head, a indústria de frios Ceratti, a rede de padarias Letícia, a Sucos Del Valle e a Esportes Bayard, além da Bombril e Fila, assim como da Administração do Parque Villa-Lobos.

Weverson lembra que as quadras rápidas do parque são das melhores que se encontram na capital. José Henrique dos Santos, o administrador do Villa-Lobos, explica que as sete quadras do parque têm nível internacional, pois são reformadas todos os anos, pela Maricic Eventos, para permitir a realização do torneio Aberto de São Paulo. E complementa, enfatizando o apoio do Villa-Lobos e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente ao Bola Dentro, afirmando ser “totalmente favorável ao projeto, que envolve as crianças carentes da região, além de ajudar na não degradação do parque e incentivar os esportes, que é um pilares do Villa-Lobos”.

Da Secretaria do Meio Ambiente