Memorial traz a SP obras de Oswaldo Guayasamín

Dono de um estilo inconfundível, suas imagens retratam dores da humanidade durante o século 20

sáb, 12/04/2008 - 10h00 | Do Portal do Governo

Olhos, dentes, ossos e lágrimas saltam das telas e chamam atenção de quem as observa. Os quadros do equatoriano Oswaldo Guayasamín revelam a sua revolta diante da dor, do sofrimento e da opressão. Raros pintores conquistaram o poder e a intensidade de Guayasamín, a quem o laureado poeta Pablo Neruda se referia como ‘anfitrião de nossas raízes’.

“Guayasamín, Orozco, Rivera, Portinari e Tamayo formam a estrutura andina do continente”, disse o poeta chileno, com palavras não exageradas. Reconhecidas internacionalmente, mas pouco difundidas no Brasil, as obras do artista equatoriano estão expostas na Galeria Marta Traba do Memorial da América Latina até 11 de maio. A mostra foi aberta na sexta-feira,11.

“É a primeira vez que o trabalho do artista, falecido em 1999, é exposto em São Paulo, apesar de o óleo Madre y niño fazer parte do acervo do Memorial. O quadro está no prédio do antigo Parlatino”, informa Ângela Barbour, gerente da Galeria Marta Traba.

A exposição Descobrindo Guayasamín reúne 31 telas e 20 gravuras, algumas com grandes proporções, como o impressionante políptico de oito partes (2 m x 1 m cada) chamado La espera, da fase La Edad de la Ira. “O La espera tem 11 partes, mas três estão em outra exposição, em Washington (EUA), que teve início no dia 4 de abril”, explica Verenice Guayasamín, filha do artista e vice-presidente da Fundação Guayasamín.

As obras do pintor refletem a dor e a miséria enfrentadas por grande parte da humanidade e denunciam a violência cometida contra o homem ao longo do conturbado século 20, marcado por guerras, campos de concentração e de extermínio, ditaduras discricionárias e sangrentas. Segundo ela o pai usou o seu talento para influenciar a busca de um mundo mais justo e menos agressivo. “Meu pai viveu quase 80 anos e conheceu de perto os grandes conflitos do século. Apesar de toda revolta exposta em suas telas, não militou em nenhum partido político, mas definia-se como marxista-fidelista. O artista nutria grande amizade por Fidel Castro, retratado por ele em vários quadros. Sua obra não é panfletária, somente revela ‘o mundo que me coube viver’, como dizia sempre”, explica Verenice. 

Muralismo mexicano

Dono de um estilo inconfundível, alimentado pelas vanguardas do século 20, Guayasamín bebeu na fonte do muralismo mexicano, do Pablo Picasso de Guernica e dialogou com grandes brasileiros, como Portinari e Di Cavalcanti. É inegável a influência da tradição milenar da arte pré-colombiana. O resultado é o que alguns chamam de “expressionismo indígena”.

Ângela esclarece que o papel que as mãos desempenham como extremidades simbólicas adquire em toda a sua obra uma qualidade emblemática e única. Outra característica visual é o número de rostos que aparecem em suas pinturas. “Há sempre um olhar gritando, assustado”, afirma a filha.

As figuras apresentadas por Guayasamín são recortadas. Elas apresentam um caráter gráfico com diferentes composições como litografia e serigrafia. As cores, principalmente nos quadros Cabeça caída, vão do cinza ao negro. Já no final da vida do pintor, as mãos e os olhos continuam em evidência, mas o colorido ganha realce.  

Ternura

Oswaldo Guayasamín nasceu em Quito (Equador) no dia 6 de julho de 1919. É o primogênito de uma família humilde, que lhe deu nove irmãos. Apesar de todas as dificuldades econômicas e das surras dadas pelo pai – que desejava que seu filho tivesse outra profissão – Guayasamín tornou-se um dos maiores pintores latino-americanos do século passado.

A pobreza, as privações e a morte prematura da mãe, aos 34 anos, marcaram profundamente aquele menino sensível que, aos sete anos de idade, já expressava vocação artística e pintava seus primeiros quadros na tentativa de encontrar uma linguagem própria e pessoal. “Minha avó (que engravidava seguidamente) oferecia-lhe o leite do peito – o alimento do irmão recém-nascido – para dissolver as pastilhas de aquarela”, diz Verenice.

A figura materna influenciou toda a sua obra – Guayasamín pintou cerca de 50 quadros sobre o tema ternura. O primeiro título da série foi Huacayñan, el camiño del llanto (Huacayañan, o caminho do pranto), o da segunda, La edad de la ira (A idade da ira) e o da terceira série chama-se Mientras vivo simpre te recuerdo (Enquanto viver, sempre lembrarei de ti). 

Reconhecimento

Guayasamín realizou a sua primeira exposição aos 23 anos, em 1942. No ano seguinte, ganhou o primeiro prêmio importante de sua vida no Salón Mariano Aguilera. Mais tarde recebeu o Grande Prêmio da 3ª Bienal de Barcelona (Espanha), em 1955-1956, e o Primeiro Prêmio da Bienal de São Paulo, em 1957.

Ao longo de sua vida, com dois casamentos que lhe deram sete filhos, o artista retratou personagens contemporâneos, denunciou as crueldades da Guerra Civil Espanhola, dos campos de concentração nazistas, as torturas e genocídios das ditaduras do Chile, da Argentina, do Uruguai. Tornou-se famoso, ganhou dinheiro. O pai, que o surrava para que desistisse da profissão, presenciou sua vitória e entendeu a importância de sua obra.

Consagrado mundialmente, morreu no dia 10 de março de 1999, sem terminar a Capilla del hombre, cuja primeira etapa foi inaugurada em 2002. Também partiu sem ver a sua huasipichay, a festa de inauguração de sua maior obra.  

Fundação Guayasamín

Em 1976, com os filhos Pablo e Verenice, criou a Fundação Guayasamín, por intermédio da qual doou ao governo equatoriano todo o seu patrimônio: mais de 4 mil obras, um dos legados mais significativos já produzidos na América Latina. No final da vida, Guayasamín envolveu-se no projeto de construção da Capilla del hombre (Capela do homem), espécie de catedral laica, na qual o visitante é impactado pela espiritualidade de sua obra.  

14 exposições pelo mundo 

A Fundação Guayasamín tem 76 funcionários. Além da obra do seu fundador, divulga a de outros artistas plásticos equatorianos. Sediada em Quito, possui mais duas unidades: uma em Havana (Cuba) e outra em Cáceres (Espanha). O espaço em Quito dispõe de uma biblioteca sobre artes plásticas, um setor de restauração e um espaço para manifestações teatrais, dança e música. Para este ano, estão programadas 14 exposições de Guayasamín em todo o mundo, com destaque para as que serão realizadas nos Estados Unidos, Islândia, Espanha e República Dominicana. 

SERVIÇO

Descobrindo Guayasamín

Até 11 de maio

De terça-feira a domingo, das 9 às 18 horas

Memorial da América Latina – Galeria Marta Traba

Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 –

Barra Funda (ao lado do Metrô)

Entrada franca pelos portões 1, 5 e 6

Telefone (11) 3823-4600 

Maria Lúcia Zanelli

Da Agência Imprensa Oficial