Melhor comunicação no atendimento faz bem ao paciente

Pesquisa revela choque entre sabedoria popular e conhecimento acadêmico e aponta o diálogo como solução do impasse

ter, 10/04/2007 - 21h22 | Do Portal do Governo

O diálogo entre profissionais de saúde e usuários pode ser positivo e se transformar em elemento central para novos e promissores modos de cuidar da saúde. Segundo uma pesquisa realizada na Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto (EERP), hoje essa relação comunicacional está pautada por importantes encontros entre esses dois mundos, mas também por sérios desencontros.

Para a autora do estudo, a enfermeira Priscila Frederico Craco, existe a necessidade de se construir pontes lingüísticas, ou seja, uma interação por intermédio da atitude de falar e ouvir, nos discursos técnicos e não técnicos, para que haja maior entendimento dessa rede de conversações que acontece no cuidado à saúde.

O trabalho de Priscila, “Ação comunicativa no cuidado à saúde da família: encontros e desencontros entre profissionais de saúde e usuários”, orientado pela professora Maria Cecília Puntel de Almeida, recebeu menção honrosa no Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o SUS – Sistema Único de Saúde – 2006. O objetivo do estudo foi compreender as comunicações e ações dos profissionais da saúde e usuários envolvidos no cuidado com a saúde da família e interpretar as possibilidades e dificuldades da comunicação nesse contexto.

A pesquisa foi realizada durante um ano e meio em um Núcleo de Saúde da Família em Ribeirão Preto e utilizou a abordagem qualitativa e a entrevista semi-estruturada como métodos de coleta de dados. Foram entrevistados 15 usuários e todos os profissionais da saúde do serviço, num total de 32 pessoas. Foram analisados os ideais de vida, saúde, trabalho, família, cuidado e relacionamento.

Afeto, falar e ouvir no serviço de saúde

Priscila identificou encontros e graves desencontros nesse processo de comunicação entre profissionais de saúde e usuários. Os resultados positivos a pesquisadora chamou de “encontros”. Entre esses “encontros” ela detectou os sentimentos, ou seja, para os usuários um cuidado com presença de afeto e espiritualidade interfere positivamente para enfrentar a doença, a perda, a morte, a violência. Apareceu, ainda, a relação de diálogo e comunicação, que segundo ela só será possível se estiver presente a atitude de falar, mas principalmente de ouvir. “As pessoas identificaram problemas e situações vivenciadas nos serviços de saúde onde esta ação comunicativa, altamente desejável, torna-se literalmente um ‘monólogo’, ‘uma conversa de surdos e cegos’, onde o outro não é escutado, nem visto como um ser humano”, revela Priscila.

Outros elementos também apareceram como valores humanos e éticos. “Algumas ‘pistas éticas’ importantes relativas ao ato de bem cuidar foram expressas, como respeitar ao outro e aos seus, respeitar os próprios limites, manter sigilo das informações, não se deixar levar por preconceitos e excluir”. Ainda, segundo Priscila, no dia-a-dia do serviço de saúde, os espaços grupais, onde os profissionais de saúde interagem com os usuários, podem ser importantes locais de diálogo, como por exemplo o caso de uma usuária que compartilhou sua vivência da violência/agressão física sofrida num grupo de artesanato promovido no serviço pesquisado.

Saber popular e saber técnico

Entre os movimentos de distanciamentos entre profissionais de saúde e usuários, chamados de desencontros, destacam-se a falta de interação entre o saber popular e o saber técnico-centífico. Segundo a pesquisadora, o saber popular ou prático, em geral é mediado por experiências cotidianas de vida, marcadas por uma linguagem prática, e o saber técnico-científico ou biomédico é mediado por interações permeadas por uma linguagem técnica. “No depoimento de uma usuária identificamos que, de modo geral, há uma desvalorização do saber popular por parte do profissional de saúde. Segundo ela, o profissional da saúde que cuida do seu filho, vê a alergia respiratória dele como ‘normal’”. Em contrapartida, a mãe sofre ao ver seu filho vivendo dificuldades para respirar e vê o problema como “anormal”, não acatando a prescrição do profissional de usar soro fisiológico. Ela prefere dar chás caseiros para a criança e resolver o problema, e expressa que o seu filho não está recebendo um bom cuidado”, relata a pesquisadora.

A linguagem codificada, utilizada principalmente pelos usuários de saúde apareceu como outro fato de desencontro nessa relação. “Esse é um fator de distanciamento e exclusão, assim como lançar mão da autoridade médica e estratégias de ameaças, excessiva intromissão na vida das pessoas, como forma de chamar a atenção do usuário”, afirma Priscila. Outra questão que surgiu e dá a real dimensão de como a comunicação se dá na prática, segundo a pesquisadora é o desencontro de horizontes normativos, que pode ser observado no relato do caso de uma usuária “Diante da obesidade mórbida, o profissional de saúde vê doença causando ‘dor nas costas’, problema biológico que será solucionado com a redução do peso corporal. Enquanto que, para o usuário, a dor na coluna é apenas uma desculpa, na verdade trata-se da “dor na vida” – baixa auto-estima, sofrimento da alma – e isso é que o mobiliza a procurar auxílio no serviço, onde irá encontrar um ‘caminho para a vida’, pois vai ser escutado pelo profissional de saúde”, finaliza.

Da Agência USP de Notícias

(R.A.)