Maioria das mulheres vítimas de abuso não buscam auxílio médico imediato

Gestação avançada motivou negativa de aborto legal pelo serviço de saúde em 39% dos casos, aponta estudo inédito

qui, 23/12/2010 - 17h00 | Do Portal do Governo

Um estudo inédito, realizado no hospital Pérola Byington, da Secretaria da Saúde, revela o perfil das mulheres vítimas de abuso sexual e que engravidam no Estado de São Paulo. O levantamento foi realizado com base em 936 pacientes atendidas na unidade ao longo dos últimos 15 anos pelo projeto Bem-Me-Quer, realizado pelas secretarias de Estado da Saúde e da Segurança Pública.

Do total de mulheres atendidas no Pérola, 88,9% admitiram não ter procurado orientações médicas imediatas, ou seja, durante os cinco dias decorrentes da violência. Neste período, seria possível o uso da anticoncepção de emergência (pílula do dia seguinte) para evitar a gravidez indesejada. Segundo a psicóloga e mestre em saúde pública Daniela Pedroso, autora da pesquisa, “o dado sinaliza que o trauma faz com que a primeira reação das mulheres ainda seja a reclusão. Só depois, quando percebem a gravidez, é que elas passam a tomar atitudes e enfrentam o problema”.

Entre as 11,1% das mulheres que recorreram ao serviço de saúde imediatamente, em 38,6% delas a concepção de emergência não foi prescrita por opção das próprias pacientes. Outro dado chama a atenção: de 200 mulheres que tiveram o pedido negado pelo serviço de saúde para realizar o abortamento legal, 39% estavam com idade gestacional avançada (chegaram para atendimento após 22 semanas de gestação ou com o feto pesando mais do que 400g).

O perfil traçado pelo Pérola apontou que a mulher vítima de abuso sexual que engravida tem idade média de 22,2 anos, cor branca (61,2%), solteira (76,3%), com ensino fundamental incompleto (37,4%) e com emprego formal ou informal (34,3%).

O método mais utilizado entre as 608 mulheres que realizaram o aborto legal foi aspiração intrauterina (48,4%), que demanda menor tempo de internação (média de 1,4 dia).  A laparotomia, espécie de cesárea, foi usada em 10,2% dos casos. Em geral, o procedimento, mais invasivo, é utilizado nas mulheres cuja gestação está prestes a vencer o período permitido por lei.

Em 61% dos casos estudados, o autor era desconhecido da vítima e em 92%, agiu sozinho. Entre os autores conhecidos, destaca-se um membro da comunidade em que a vítima reside, o que corresponde a 5,2% dos casos. O ex-parceiro foi o autor da violência em 3,5% dos casos e o padrasto em 3,4%. “Nos casos em que não houve aborto, em geral por demora na procura pelo atendimento, segundo apontou o estudo, os autores da violência eram conhecidos, em sua maioria. Isso denota que a carga emocional faz com que as vítimas demorem mais para procurar ajuda”, afirma Daniela.

A pesquisa foi realizada no período de 1994 até julho de 2009. Todas as mulheres pesquisadas tentaram na Justiça o direito de realizar aborto, concedido mediante uma série de restrições em casos de abuso sexual. Até o ano de 2005, os atendimentos do Bem-Me-Quer representavam 25% das mulheres nestas condições no Brasil,  37,5% da região Sudeste. O serviço é o único no Estado de São Paulo. O projeto Bem-Me-Quer dispõe de equipe multidisciplinar capacitada para oferecer ajuda médica, psicológica e realizar o exame de corpo delito, simplificando o processo de notificação às autoridades.

Da Secretaria da Saúde