Leonor de Barros atende mães bolivianas em situação irregular

Hospital treinou equipe e criou projetos para incentivar mulheres a procurar ajuda durante a gravidez

ter, 30/12/2008 - 14h10 | Do Portal do Governo

Noé é um garotinho de sorte. Ao contrário do personagem bíblico, ele nasceu no Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros. Diferente de tantas outras histórias de crianças que vêm ao mundo em hospitais públicos, o nascimento de Noé tem um componente especial. Ele é filho de pais bolivianos que vivem irregularmente no Brasil. Graças a um projeto inédito criado pelo hospital, as histórias de Noé e de sua mãe, Sonia, terão um final feliz. 

Desde 2005, o Hospital Leonor Mendes de Barros desenvolve projeto de humanização para atender essas mulheres e seus filhos em estado de vulnerabilidade. Por estar situada numa região próxima aos pólos de trabalho de estrangeiros vindos da Bolívia, a unidade é muito freqüentada por essas mulheres. A procura é tão grande que, hoje em dia, as bolivianas representam cerca de 20% das parturientes internadas no hospital.

A presença maciça dessas imigrantes chamou a atenção da direção da unidade hospitalar que, por sua vez, passou a empreender ações para aprimorar seu atendimento a esse público. “Quando o número de parturientes bolivianas que procuravam o nosso hospital para dar à luz começou a aumentar, percebemos que algo precisava ser feito para capacitar a equipe e garantir o melhor atendimento possível. Passamos, então a pensar em iniciativas que nos ajudariam a solucionar os principais problemas enfrentados na relação com essas pessoas”, relata a diretora de apoio técnico, doutora Elizabete Yamada.

Cultura e idioma – A principal barreira a ser transposta era o idioma. As pacientes que chegam ao hospital, pelo menos a maioria, não fala português. Diante disso, médicos, enfermeiros, psicólogos, voluntários e assistentes sociais passaram a estudar o aymara, um dos três dialetos falados na Bolívia e a língua mais comum entre as gestantes. “O curso de aymara (idioma falado em países latinos como Bolívia, Chile, Peru e em algumas comunidades argentinas) foi realizado em parceria com o Consulado da Bolívia”, explica Sandra Regina Neves, diretora técnica de enfermagem do serviço de obstetrícia.

Entre as bolivianas atendidas no Leonor, é comum encontrarmos as que se comunicam por este idioma. Sonia, mãe do pequeno Noé, fala castelhano e aymara, o que facilita o entendimento entre a paciente e os profissionais de saúde. No entanto, as futuras mamães bolivianas, pelo menos boa parte das radicadas aqui, não conhecem castelhano. O curso foi idealizado com o objetivo de minimizar as barreiras de comunicação entre os profissionais e a população atendida no hospital. “O treinamento em outro idioma e o conhecimento da cultura boliviana mudaram nossa percepção em relação a elas. Descobrimos que, apesar de todas as dificuldades que enfrentam (como jornada diária de trabalho de quase 17 horas nas máquinas de costura), são mães zelosas”, avalia Palacy de Araújo, enfermeira do setor de obstetrícia.

Os partos normais são campeões entre as bolivianas. “Não sabemos se é somente questão cultural ou se é porque elas têm de voltar rapidamente ao trabalho”, observa Sandra.

Os quartos e até a sala de parto têm infra-estrutura para prestar esse tipo de atendimento. Há chuveiro, banheira, uma cama para o acompanhante (marido ou mãe) e um berço para o recém-nascido. “Neste ano, realizamos um parto de cócoras aqui no Leonor a pedido da mãe. Foi emocionante”, lembra a doutora Elizabete.

Vulnerabilidade – Uma questão que merece atenção é o fato de que grande parte das bolivianas que procuram o hospital vive clandestinamente no Brasil. A falta de documentação é um entrave na hora de procurar o serviço de saúde. Por estarem em situação irregular, essas mulheres evitam se expor a qualquer custo. “O medo de serem presas e deportadas é tão grande que o acompanhamento pré-natal é coisa rara entre elas. Some-se a isso a situação de risco social a que estão expostas e você terá um cenário nada aconselhável para uma gravidez”, esclarece Mário Geremia, coordenador e pároco do Centro Pastoral do Migrante e da Igreja Pessoal Latino-Americana.

Antes, o processo para dar entrada no pedido de regularização da situação dos imigrantes ilegais, cujos filhos nasciam no Brasil, era longo e demorado. Os pais da criança precisavam de uma carta do consulado autorizando a retirada do bebê do hospital. Eles pediam, então, uma declaração da unidade de saúde com os dados do parto. Com esse documento, se encaminhavam à Polícia Federal para dar entrada no processo de legalização da sua situação. Só então recebiam o salvo-conduto, que impedia que fossem presos e deportados.

Para resolver o dilema e encurtar o caminho, o hospital firmou importantes parcerias com o consulado da Bolívia e a Pastoral do Migrante paulista. Agora, o bebê sai do hospital em poucos dias e os pais já levam a declaração contendo as informações sobre o parto, o que torna desnecessário procurar o consulado. O contato com a Polícia Federal ficou mais ágil. O processo, que antes demorava até dois anos, hoje fica pronto em apenas alguns meses. “Agora ficou bem mais fácil para os imigrantes regularizarem a sua situação na Polícia Federal. Ao todo, mais de 2 mil mulheres já foram beneficiadas pelas nossas ações”, informa Ruth Camacho, advogada da Pastoral do Migrante. Brasileira e filha de bolivianos, a história da advogada cruza com a vida dos imigrantes ilegais durante visita a um hospital. “A mulher havia acabado de conceber e estava algemada na cama por estar ilegal no País. Ninguém merece isso. Resolvi trabalhar com imigrantes e muitos procuram nosso serviço para regularizar a situação”, explica Ruth.

Consulado da Bolívia homenageia Leonor de Barros

As ações do Hospital e maternidade Leonor Mendes de Barros em prol das parturientes bolivianas não passaram despercebidas. Em agosto de 2007, a unidade recebeu uma placa do Consulado da Bolívia homenageando o hospital pelos excelentes serviços prestados ao seu povo. E essa não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2003, a equipe da maternidade havia sido parabenizada pela atenção dada às bolivianas.

Serviço

Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros
Avenida Celso Garcia, 2.477 – Belenzinho
Centro Pastoral do Migrante
Rua do Glicério, 225 – Liberdade

Maria Lúcia Zanelli – Da Agência Imprensa Oficial