Itesp executa trabalho pioneiro de repasse de terras a quilombolas

Iniciativa de 1996 reconheceu direitos de 23 comunidades (57 mil hectares)

sáb, 24/01/2009 - 8h34 | Do Portal do Governo

Comunidade da Poça faz parte de um conjunto de comunidades rurais negras existentes no Estado, conforme relatório técnico-científico realizado pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), vinculado à Secretaria Estadual de Justiça e da Defesa da Cidadania, que a reconheceu como remanescente de quilombo. O documento integra o processo que garantiu aos seus integrantes o direito à propriedade da terra em que vivem, assim como já aconteceu a outros 22 grupos no Estado.

Trata-se de uma ação pioneira, cuja finalidade é garantir o acesso ao que foi previsto na Constituição de 1988, conforme o artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. O passo à frente foi dado com a criação de uma normativa estadual, “pois não existia mecanismo legal definido pelo governo federal para o procedimento”, informa o assistente especial de quilombos e outras comunidades do Itesp, Carlos Henrique Gomes.

A partir daí, de acordo com dados do instituto, foram destinados aos quilombolas 57.292 hectares do território paulista, média de 2,5 mil hectares por comunidade. Nos extremos, há o destinado à comunidade de Nhungara, o maior até agora, com 8,1 mil hectares de área abrangendo os municípios de Eldorado e Iporanga, no Vale do Ribeira, e o menor, de 6,93 hectares, que coube à comunidade urbana Capivari, no município de mesmo nome.

Foram beneficiadas 1.056 famílias, o que corresponde à média de 54 hectares de terra para cada uma. Bem maior do que a do lote destinado às famílias normalmente na regularização fundiária, cerca de 20 hectares. “Isso se deve à diferença do critério de concessão”, ressalta o técnico. Para a demarcação do terreno das comunidades quilombolas, o que vale é a área ocupada por eles desde a criação do quilombo por seus antepassados, independentemente do tamanho. No caso da destinação de terras aos agricultores, vale o limite de 100 hectares por lote.

A maior parte das comunidades (15 das 23) concentra-se no Vale do Ribeira. Segundo Gomes, por ser a região mais preservada do Estado, o que facilitou a permanência. Mas há grupos distribuídos em vários pontos de São Paulo, muitos ainda nem contatados. “Temos notícia da existência de 51 e consideramos que a grande massa já apareceu”, afirma Gomes.

Ele informa que, além dos 23, há mais seis em reconhecimento, processo que costuma levar de seis a oito meses. “Normalmente, é o tempo necessário para o amadurecimento da comunidade em busca de sua história”, diz, mas ressalta já ter havido relatório que levou quatro anos para ser concluído.

Terras devolutas – O procedimento de concessão de terras aos quilombolas começou com a criação de um grupo de trabalho, motivada pelas reivindicações dos próprios integrantes das comunidades, em 1996. “Nesse momento identificamos a necessidade de criar processos que subsidiassem a expedição do título de propriedade, que até então não existiam”, informa o técnico.

Para resolver a questão sobre como definir se uma comunidade pode ser considerada quilombola, qual o território que efetivamente ela ocupa e quantas famílias a compõem, a opção foi a edição de decretos-lei, um deles determinando a realização de investigações genealógicas, antropológicas e topográficas: o relatório técnico-científico.

“O relatório de reconhecimento, que aponta a área reivindicada como verdadeiramente remanescente de quilombo, é rigoroso. Inclui aspectos antropológicos, mapas detalhados da região, a árvore da família e outros”, detalha Gomes. Como o que tem mais peso no documento é o relato histórico, costuma ter por volta de 200 páginas.

Segundo o técnico, as comunidades quilombolas reconhecidas até agora em São Paulosão aquelas que melhor preservaram as tradições e a cultura dos grupos de escravos ou ex-escravos que as originaram. Isso porque são seus integrantes que relatam os fatos, orientados pelos técnicos, para a elaboração do relatório e a confrontação com evidências.

Incra – O procedimento é iniciado depois que eles são reunidos numa associação, condição fundamental para que possam receber a propriedade das terras posteriormente, porque o título é sempre coletivo. E esse fato é precedido pelo processo de demarcação da área correspondente, pela retirada de ocupantes não pertencentes à comunidade e por desapropriações.

Embora o processo seja encaminhado pelo Itesp, nem sempre o órgão tem condições de efetivar a titulação da área. No momento em que o processo sai da etapa do reconhecimento e entra na questão fundiária, passa a depender do vínculo de propriedade. No caso de terras devolutas (que são públicas e pertencentes ao Estado), o próprio Itesp entra com ação discriminatória para a concessão de título. Quando ela está ocupada por posseiros, é preciso pagar a eles, para a desocupação, apenas o valor das benfeitorias realizadas no terreno. É o caso de 67% das terras destinadas aos quilombolas até agora. Seis das 23 comunidades reconhecidas já obtiveram os títulos das terras.

Os outros 33% são particulares, cuja desapropriação depende do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Mas, mesmo antes da legitimação de posse, comunidades reconhecidas podem pleitear a participação em programas governamentais de inclusão digital, saúde, educação e apoio técnico para agricultura, entre outros.

Simone de Marco – Da Agência Imprensa Oficial