ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DO INFECTOLOGISTA DAVID UIP, MÉDICO PARTICULAR DO GOVERNADOR MÁRIO COVAS

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seg, 26/02/2001 - 14h55 | Do Portal do Governo


Segunda-feira – 26 de fevereiro de 2001
 

David Uip – Bom dia, eu acho que o boletim que divulgamos agora explica o que vem acontecendo. O boletim de hoje (26/02), somado ao que foi distribuído ontem (25/02)à noite, reflete o que aconteceu com o governador a partir de sexta-feira. Bem, resumidamente: a partir de sexta-feira, desculpe, do sábado, o governador começou a apresentar um quadro que não estava claro para nós. Nós o avaliamos pela manhã, ele passou a ser medicado na Riviera (Riviera de São Lourenço, em Bertioga) com medicamento parenteral. No domingo ele foi reavaliado e, como não apresentou melhora, nós resolvemos trazê-lo para o Instituto do Coração. Ele chegou aqui ontem à noite e os diagnósticos são estes que estão escritos no boletim. Ele teve um processo infeccioso importante que culminou com uma descompensação da glicemia, com uma arritmia cardíaca importante e com um distúrbio de coagulação. Ele foi encaminhado para a Unidade Coronariana que aqui no Incor funciona como Unidade de Terapia Intensiva. Passou a noite e obteve uma melhora significativa de ontem à noite até hoje de manhã, culminando com a alta da UTI. Ele voltou para o seu quarto no 6º andar e, a novidade de hoje, além da melhora, da estabilização do quadro clínico e do quadro hemodinâmico, quadro cardíaco inclusive, o quadro infeccioso, é que nós fizemos um eco-vascular e descobrimos que ele tem também uma trombose vascular profunda no membro inferior direito. Isso era uma hipótese ontem associada ao processo infeccioso. Esse processo pode ser desse membro inferior ou de uma localização que não está muito clara. O que importa é que é um processo infeccioso que teve alterações importantes e parece que, com as medidas tomadas tanto do ponto de vista de antibióticos quanto de sustentação, o processo foi reequilibrado. Então, o governador tomou o café da manhã, ainda na Unidade Coronariana e foi encaminhado para o seu quarto no 6º andar. Ele está consciente, tem esse novo diagnóstico realizado e está sob ação de medicamentos, antibióticos, anticoagulantes e arrítmicos por via venosa. Ele não está sedado, está consciente, conversando normalmente.

Pergunta – Corre risco de uma cirurgia, por exemplo?

David Uip – Não. Os hematologistas, Dr. Dalton e Dr. Cirilo, optaram pela anticoagulação por via parenteral, descartando qualquer processo cirúrgico.

Pergunta – O diabetes atrapalha não é?

David Uip – Não só atrapalha como é o fator desencadeante. Dá para entender o que acontece. O governador vinha sob o uso de corticóides e mais o processo infeccioso. A somatória de tudo isso deve ter descompensado o diabetes que é um fator que facilita a trombose e culminou no quadro clínico que sabemos.

Pergunta – O processo infeccioso é generalizado?

David Uip – Nós entendemos que isso é uma septici. A septci é um processo infeccioso assistêmico acompanhado de alteração hemodinâmica. O que é isso? Alteração da pressão, de pulso, portanto foi como está escrito no Boletim, um processo importante. Agora, de ontem para hoje houve uma melhora substancial do processo infeccioso. A impressão que dá é que os antibióticos que foram ministrados prontamente desde sábado pela manhã
fizeram efeito, bem como as outras medidas de Sustentação.
 

Pergunta – Em momento algum é uma infecção generalizada já que ele deu entrada aqui com quadro infeccioso grave?

David Uip – A septicemia traduz um processo sistêmico e é por definição acompanhada de alterações hemodinâmicas. Por definição. É também mais uma coisa semântica. O que importa é se aquilo que a equipe médica fez surtiu ou não resultado. A impressão que nós temos agora de manhã é de que surtiu, porque ele melhorou. Ele tinha um problema orgânico metabólico hemodinâmico importante e isso reverteu. Ele, nesse momento, está compensado.
 
Pergunta – Basicamente, porque aconteceu isso com o governador?

David Uip – O governador tem uma doença que deprime o sistema de defesa, que é o tumor. Ele faz uso de corticóide, como vocês já noticiaram, por causa daquela hipertensão intracraniana. Então, a somatória disso mais o diabetes faz com que o indivíduo tenha um sistema de defesa não tão competente quanto alguém que não tem nada. O processo infeccioso é mais freqüente, se instala mais rapidamente e é mais grave.

Pergunta – Isso começou na perna direita?

David Uip – Nós não temos certeza. Pode ter sido na perna, ele tem sinais clínicos, como pode ter sido também na região inferior do abdômen. As duas coisas são possíveis. Todo mundo sabe que ele tem um tumor intestinal e às vezes a translocação, as bactérias ou toxinas saem desse local e vão para outro. Como ele teve também uma dor abdominal no sábado, que piorou no domingo, essas duas possibilidades são viáveis. Nesse momento, como nós atuamos com esquema antibiótico amplo possibilitando prever as duas situações, tenho impressão que isso é que é importante.

Pergunta – Dá para prever se ele fica muito tempo aqui no hospital?

David Uip – Ele não vai sair do hospital, a priori, antes do final desta semana. Ele está em tratamento anticoagulante e isso não se faz por um período inferior a sete dias. Portanto, não conseguimos prever uma alta antes da próxima segunda-feira. É claro que ele é reavaliado o tempo inteiro, isso pode mudar mas, à priori ele ficará, especialmente pelo quadro de trombose, internado pelo menos até segunda-feira.
 
Pergunta – Como é o quadro do governador hoje. É grave, não é, como ele está?

David Uip – É assim. Ontem o quadro dele era grave como foi dito e escrito. Hoje é um quadro que ainda é grave e  está muito mais controlado do que esteve ontem. Ontem, a coisa foi muito complicada. Nós estávamos aqui, houve uma viagem, isso tudo foi muito pensado em todos os momentos, nós conseguimos montar na Riviera um sistema de infra-estrutura médica e paramédica de enfermagem e fisioterapia que deu conta até que foi possível. Quando nós percebemos que não dava mais para controlar isso fora do hospital, optamos por trazê-lo para o Incor.
 
Pergunta – O que está controlado?

David Uip – Está tudo controlado. O quadro clínico dele está tão controlado que ele saiu da Unidade Coronariana. Tudo preocupa. O processo infeccioso é importante, o processo tromboembólico é importante, o processo arrítmico é importante. É para isso que ele está num hospital deste porte com uma equipe que tem experiência em tratar dessas complicações.
 
Pergunta – Essa trombose é mais um problema?

David Uip – É mais um problema.

Pergunta – Essa é uma coisa prevista, é uma manifestação normal num paciente assim?

David Uip – Toda a vez que você lida com alguns binômios tipo tumor/diabetes, diabetes/infecção, você tem uma chance maior de ter uma trombose. É óbvio que quem está cuidando da parte de trombose são os hematologistas.
Então, desde ontem eles foram acionados e estão dando conta desta parte.

Pergunta – Pode explicar melhor o que é uma trombose?

David Uip – Não vou entrar no mérito de explicações de coisas que não são da minha área porque vou me complicar. Os hematologistas explicam.

Pergunta –  Está comprometida aquela recuperação de movimentação que ele vinha apresentando?

David Uip – No momento sim. Inclusive é obrigatório o repouso. Ele vinha andando cada vez em distâncias maiores por períodos mais intensos e, nesse momento, ele vai ser obrigado a guardar repouso.
 
Pergunta – Não foi abuso do governador?

David Uip – Não. O governador não fez nada que foi orientado. Veja que coisa interessante. Uma das formas de você tentar evitar a trombose é fazendo fisioterapia. Isso faz parte da avaliação e do acompanhamento de um doente grave. Ele tem complicações próprias de um doente grave. E toda a vez que ele tem complicação, como teve e teve outras, nós temos que enfrentar e tratar.
 
Pergunta – O susto já passou, doutor?

David Uip – O meu ainda não. É uma coisa complicada. Acho que na hora em que se tem que tomar todas as decisões e enfrentar todos esses problemas, ainda fora do hospital, as decisões são complicadas, não são simples. Então você  fica atento, você fica em cima mas… Acho que tanto a estrutura que foi criada na praia para ele, com enfermeira, fisioterapeuta em cima o tempo inteiro, urologistas passando em visita uma, duas vezes por dia, lá na Riviera, era um esquema forte para fazer o diagnóstico precoce de complicações. E aqui no hospital com uma estrutura muito mais forte, obviamente a gente vai segurando.

Pergunta – A quimioterapia vai ser mantida?

David Uip – Neste momento está adiada. Quimioterapia intratecal, quimioterapia sistêmica e imunoterapia estão adiadas.

Pergunta – O governador está desanimado?

David Uip – Não. Agora está inclusive de bom humor. Ele já brigou comigo às cinco da manhã porque queria ter alta da UTI e, pelo fato de eu ter dado alta às seis ele brigou de novo. Esse é um ótimo sinal de que ele está se
recuperando.

Pergunta – Os senhores falaram sobre ele voltar ao governo?

David Uip – Não. Em momento algum nós falamos de retorno do governador. Isso foi muito divulgado mas não houve nenhuma conversa entre o governador e a equipe médica. Não tratamos desse assunto em momento algum.