Íntegra da entrevista coletiva do governador Mário Covas

Entrevista foi concedida após a assinatura de decreto para redução de ICMS de bares, restaurantes e hotéis

sex, 07/07/2000 - 15h54 | Do Portal do Governo


Segue a íntegra da entrevista coletiva do governador Mário Covas, concedida após a assinatura de decreto para redução de ICMS de bares, restaurantes e hotéis:

Campanha pela paz

Repórter – Sobre o movimento pela Paz.

Covas – Eu acho um movimento muito positivo. Os movimentos nos quais a sociedade se engaja são muito bons. É muito bom que a sociedade manifeste a sua indignação (contra a violência), aliás, comum a todos nós e a quem tem responsabilidades muito próximas na área como é o meu caso. Mas a realidade coletiva acaba sendo um fator decisivo para resolver esse problema. É muito positivo isso.

Repórter – E qual a parcela de culpa que o senhor reconhece por parte do poder público que acaba motivando campanhas como essa?

Covas – Olha, parcela de culpa é força de expressão. Não tem parcela de culpa. Eu não me sinto nada culpado em relação àquilo que já foi feito com a polícia. A polícia melhorou substancialmente no meu governo. Eu até não vou na solenidade (referindo-se à celebração à Paz, na Praça da Sé) porque pode parecer que estou contestando uma coisa que, afinal, é aspiração coletiva. Acabar com a violência é aspiração coletiva. Mas, certamente não é a polícia que faz a violência. A polícia pode melhorar a segurança ou, se for ruim, piorar a segurança. Mas, ela não faz a violência que vem de outros fatores. E, portanto, quando se vê a sociedade envolvida nessa atividade acha isso positivo.

Violência

Repórter – Mas é um problema social e todos têm culpa inclusive o poder público, não é governador?

Covas – É como estou dizendo. Não é que todos têm culpa. Me explica porque os hoolingers que moram na Inglaterra, onde a renda per capita é três vezes maior que a do Brasil, saem da Inglaterra e vão dar socos lá na Holanda. Me explica porque um menino que é sextoanista de medicina, filho de família de classe média alta, sai de casa e vai metralhar dentro de um cinema. Quer dizer, infelizmente nós estamos vivendo um instante de exacerbação de violência. As vezes você nem consegue identificar a causa predominante disso. Ao Poder Público incumbe ter aparelhos repressivos com o objetivo de melhorar a segurança. Acabar com a violência é tarefa comum. E isso não é culpa de ninguém. Não é um problema de achar quem é o culpado, até porque você vai ficar procurando o resto da vida. Agora, quem está no exercício do Governo, sem dúvida nenhuma tem uma preocupação maior do que os outros porque ele tem com ele um aparelho destinado exatamente a oferecer uma segurança maior. Nós chegamos num ponto em que a violência criou um processo quase coletivo de exacerbação. As pessoas hoje têm medo da violência. E quando você fica assim, não há número que convença. Quer dizer, esse estágio precisa passar. E precisa passar não apenas com resultado, mas as pessoas precisam perder essa coisa. E só perdem sob circunstâncias em que isso diminuir drasticamente mesmo.

Repórter – A que o senhor atribui esse estágio de violência?

Covas – A vários fatores. Já enumerei umas quatrocentas vezes para vocês. E digo que gostei do programa do Governo. Não sei se ele vai ser cumprido, não vai ser cumprido, quanto dinheiro vem, para onde vai o dinheiro, mas a análise feita no projeto é boa porque ela pela primeira vez analisa a violência sob esses vários aspectos. Por exemplo, você admite que contribui para a violência a escalada de contrabando de drogas? Você admite que contribui para a violência a droga do pobre, que é o álcool e o crack? Você admite que contribui para a violência o contrabando de armas. Armas de uma violência com as quais a polícia não pode nem competir porque a polícia obedece a lei e, portanto, ela só usa as armas que a lei permite. O bandido não, o bandido usa a arma que quer, mesmo aquelas que são reservadas apenas às Forças Armadas e algumas vezes armas que são até mais expressivas do que as próprias armas usadas pelas Forças Armadas. A pobreza ajuda a violência? Ajuda. Mais do que a pobreza, a diferença de renda explícita ajuda a violência. O grande aglomerado urbano ajuda a violência? Ajuda. A vulgarização da violência ajuda a violência? Ajuda. Como é que você vulgariza? Por vários aspectos. Você passa na rua e vê crianças debaixo do viaduto, você está vulgarizando a violência, você está permitindo que as pessoas convivam com a violência, o que no fim se torna uma coisa normal para elas. Quando você vê filme na televisão e de cada dez, oito têm gente matando gente, você está ajudando a violência. Quando você inaugura um parque temático e no salão de vídeo games só tem gente dando pernada um na cara do outro e no fim um fica estendido porque ficou morto, você está ensinando para a criança que isso é uma coisa factível, que a violência é uma coisa vendável. Nós já vimos exemplos aqui no Brasil, em Brasília em especial, de matarem um menino à base de golpes de caratê e de pernada. Não é por acaso que isso aconteceu. É porque isso é exibido diariamente e se torna um fato normal. Quer dizer que toda gente que vê televisão é influenciada por isso? Não, muitos não são, mas quem tiver algum tipo de despreparo acaba sendo influenciado por isso. O jovem estudante de medicina que matou lá no shopping, encontraram na casa dele um vídeo game onde exatamente a cena que ele protagonizou era exibida. Portanto, dizer que isso não influi, influi. A cidade que tem uma renda mais ou menos uniforme, ou muito rica ou muito pobre, diminui a violência. A cidade que tem distâncias sociais muito grande aumenta a violência. O que dá a violência não é exatamente a pobreza, é a pobreza que convive com a extrema riqueza. Quanto mais diferença você tiver, mais violência você tem. Bom, e ainda assim, ao contrário do que eu leio todo dia, têm três capitais brasileiras que são mais violentas que São Paulo: Vitória, Recife e Rio de Janeiro. Para não ficar no Brasil, a gente pode falar um pouco do exterior. Washington é a capital do país mais rico do mundo e tem mais violência que em São Paulo. Isso deve servir de desculpa para nós? Não, pelo contrário, deve servir como estímulo. Eu não quero nunca que essa situação se inverta. Ou seja, que Washington passe a ter menos crime do que aqui. Eu quero que continue assim, até quero que a distância aumente ainda mais. Outro dia um professor me falou: “Olha, as crianças agora perderam o respeito pelos professores”. Eu disse: “Bom, eu sempre supus, e no meu tempo de criança era assim, que a educação começava dentro de casa, o segundo estágio da educação era dentro da escola. Se o senhor me diz que as crianças perderam o respeito pelos professores, isso é uma coisa que o Estado não pode dar. Não tem como ele mudar essa situação, porque essa situação já decorre de antecedentes, já decorre das origens, decorre de uma vida que as pessoas levam na periferia, de mãe solteira que é obrigada a trabalhar e deixa a criança sozinha em casa, de crianças que convivem com uma família que já é a desagregação de uma família anterior, portanto com padrasto que nem sempre tem respeito por ela. Enfim, todos esses fatos contribuem para a violência. A polícia é fundamental? Lógico que a polícia é fundamental, porque a polícia com sua ação repressiva, ostensiva, investigativa, judiciária, a polícia contribui de forma mais eficiente para a segurança. Mas ela não é a produtora da violência, ela é a produtora, em melhor ou pior qualidade dependendo de sua própria qualidade, da segurança, mas não da violência. A violência tem um leque muito mais amplo, entre os quais, evidentemente, acentua a violência se a polícia não for boa. Se a polícia for como no tempo do Maluf, que não tinha bala para treinar. E se alguém tem dúvida disso, eu trago o jornal da época onde isso está dito. Não tinha bala. Pararam os treinos porque não tinha bala. Eu encontrei 942 coletes à prova de bala comprados na história de São Paulo. Até o fim do meu Governo, todo policial vai ter um colete à prova de bala. Hoje, o policial tem um seguro de vida que era de R$ 50 mil e que eu dobrei para R$ 100 mil. A família fica garantida por R$ 1.600 para a educação dos filhos e ainda recebe R$ 600 de cesta básica. Isso não existia, existe hoje. É engraçado porque é tão forte a crítica em cima da polícia que a gente acaba destruindo a auto-estima da corporação.

Repórter – E essa proposta de dar poder de polícia à Guarda Civil Metropolitana, que já foi aprovada lá na Comissão de…

Covas – Mas elas têm poder de polícia para fazer determinadas atividades. Olha, eu não sou favorável nem a duas polícias no Estado. Eu sempre achei que a gente devia ter uma polícia só. Misturar a Polícia Civil com a Polícia Militar e ter uma polícia só. Eu fico me perguntando como é que vai ser quanto a gente tiver três. Cada uma com comando próprio, cada uma com as estipulações próprias. Mas enfim, isso vai ser uma decisão do… E aí, o difícil vai ser para vocês (jornalistas) porque não sabem em quem jogar a responsabilidade. Hoje vocês jogam em mim, toda polícia é minha.

Eleições presidenciais

Repórter – Quando é que o senhor vai conversar com o presidente Fernando Henrique sobre sucessão presidencial. O senhor estava para agendar com ele…

Covas – Não começa a chutar. Você ouviu cantar o galo e fica aí falando quando vou. Não sei nem se vou.

Repórter – Falaram que ele ia chamar o senhor.

Covas – É chute. É intriga da oposição isso.

Repórter – Então não tem nada marcado?

Covas – Não. Eu ontem ia à Brasília, acabei não indo porque houve uma série de compromissos aí que não me deram tempo de sair daqui. Mas eu convoco uma entrevista coletiva antes de ir para dizer que estou indo.

Repórter – Vai falar mal do Malan?

Covas – Não, não falo mal do Malan. Só falo bem do Malan. Aliás, não posso falar mal do Malan porque eu também não sou nenhum paradigma da Social Democracia.

Repórter – Por que o senhor acha que não é?

Covas – Eu não acho que não sou, não. Eu li que não sou.

Repórter – Onde?

Covas – No jornal.

Repórter – Quem declarou?

Covas – Ah, bom. Vão ler o jornal vocês. Nunca vi jornalista mal informado assim, tem que perguntar para mim o que sai no jornal. Que coisa.

Repórter – Quem disse isso, governador?

Covas – Não sei quem disse isso. Eu li mas eu nem vi que jornal era, só vi o pedacinho que estava lá. Eu recebo um negócio chamado clipping, em que eles recortam as notícias que eles acham que me interessam. Em geral as que me interessam não vem no clipping. E o clipping tem um outro clipping, que é uma síntese daquilo que interessa. De forma que eu só li a síntese daquilo que interessa, não me deu tempo de ler o jornal, então, nem sei quem disse.

Repórter – Quem é o paradigma da Social Democracia, governador?

Covas – Não temos. Mas isso não é assunto para a gente estar tratando. Nem vou falar nunca mais para vocês do Malan.

Repórter – Por que?

Covas – Porque você opina sobre uma coisa que é afinal uma prerrogativa minha. Eu sou fundador do partido, fui seu primeiro presidente, fui candidato à presidência da República pelo partido, sou governador do maior Estado pelo partido. No dia que eu dou uma opinião sobre isso parece que estou fazendo um desaforo. Quando eu diferencio completamente o aspecto pessoal do aspecto eminentemente político-partidário. Não tenho nada contra o Malan. Acho ele ótimo.

Repórter – Para quem ficou essa impressão?

Covas – Não sei para quem ficou. Se ficou para alguém, vale para quem ficou.

Redução do ICMS

Repórter – Essa redução de impostos, qual a diferença da redução de ICMS feita pelo Estado de São Paulo da guerra fiscal que o senhor critica em outros estados?

Covas – É que nesse produto você pode reduzir a alíquota porque esse produto pagava por estimativa e quando se trata de estimativa você tem regra diferente. O Rio (de Janeiro) outro dia baixou para 4%. E vários estados. Agora mesmo falou o presidente da Abredi que ele está vindo de Recife onde foi tratar exatamente do mesmo assunto. Aqui em São Paulo nós pudemos fazer. Eu seria o último a fazer isso numa altura dessas quando nós acabamos de obter uma decisão do Tribunal. Mas essa modificação é permitida porque você saiu da faixa da presunção para a faixa da realidade, portanto você pode fixar o valor abaixo dos 12%.

Repórter – Para determinados setores?

Covas – Não, não é o setor. É a metodologia.

Furp

Repórter – Sobre a Furp, governador…

Covas – A Furp? Você é ótima porque você descobre umas coisas que nunca ninguém descobriu. De repente apareceu com a Furp. O que tem a Furp?

Repórter – Eu fui visitar a Furp.

Covas – Você foi? É bacana a Furp, não é?

Repórter – É muito bonita.

Covas – É, mas não estava assim.

Repórter – Eu sei.

Covas – Quando eu assumi ela estava aos pedaços.

Repórter – O que eu queria saber é o seguinte, está faltando medicamento genérico nas farmácias da periferia. O senhor pode determinar à Secretaria da Saúde que a Furp passe a produzir genéricos para abastecer essas farmácias?

Covas – Posso sim. Até mesmo o recurso está assinado (a cerimônia foi realizada na semana passada com o Ministro da Saúde, José Serra). Mas para isso nós precisamos expandir a área. Isso está em curso, talvez num terreno que fica em frente à Furp, porque a Furp está num terreno que tem uma área maior. Aí nós expandiremos com o objetivo de fazer isso. Isso é um pedido do Ministério da Saúde, que não encontra outro lugar no Brasil como a Furp para fazer esse papel.

Repórter – Quanto tempo vai demorar isso?

Covas – Ah, não sei quanto tempo vai demorar. Resolvido o problema do terreno, eu não creio que isso demore menos de oito meses. Você precisa fazer construção, precisa fazer tudo. Mas ela não é o único produtor de genéricos. Apenas ela vai ser um produtor adicional de genéricos que poderão ser fornecidos para todos os Estados.