Íntegra da entrevista coletiva concedida nesta segunda-feira, dia 5, no Incor, pela equipe médica do

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seg, 05/03/2001 - 15h02 | Do Portal do Governo


Íntegra da entrevista coletiva concedida nesta segunda-feira, dia 5, no Incor, pelos doutores David Uip (infectologista), Sami Arap (urologista) e Raul Cutait (gastroenterologista), que integram a equipe médica do governador Mário Covas:

Raul Cutait – Ontem, nós tivemos a oportunidade de comentar da preocupação quanto à evolução do governador. Se por um lado, alguns fatos pontuais podiam indicar a melhora, havia grande preocupação da equipe médica em relação ao conjunto de problemas que afetam o governador. De ontem para hoje ele apresentou alguns fatos novos que interferem bastante na situação dele. O governador apresentou algumas alterações hemodinâmicas, uma certa dificuldade para manter a pressão em alguns momentos e apresentou também alterações neurológicas ligadas a algumas poucas crises convulsivas e que interferem inclusive no estado de consciência dele. Nessa nova condição, a impressão da equipe médica é que o estado do governador se agravou. Dentro da instabilidade clínica de todos esses dias, essa situação no correr dessa semana faz com que a equipe fique mais apreensiva em relação à condição atual do paciente.

Pergunta – É o momento mais grave desde que Covas foi internado?

David Uip – Sem dúvida, é o momento mais grave. Como o doutor Raul afirmou, as complicações que começaram ontem no final da tarde dão bem o tom desta gravidade que nós estamos tentando passar aos senhores.

Pergunta – O que poderia ter ocasionado essa alteração hemodinâmica? É uma reação aos medicamentos?

David Uip – Olha, as alterações são motivadas por vários fatores. Um deles, indiscutível, é que a doença de base do governador não tem sido tratada. Nós entendemos que esta pode ser uma das razões. A outra razão são os distúrbios metabólicos. Nós não vamos detalhar porque são
alterações próprias (do quadro). E é um conjunto de situações que se incorporam numa situação de extrema gravidade, que é o caso do governador.

Pergunta – O senhor falou em importantes alterações do nível de consciência. É difícil entender o que isso significa exatamente. O senhor pode explicar melhor o que isso significa?

David Uip – Eu prefiro ser bem objetivo dizendo que ele pouco contactua com o meio ambiente. Ele não sente dor, ele não manifesta dor, ele não expressa desejos. O último contato real ocorreu ontem no final da tarde, quando ele manifestou um desconforto quanto à posição. E de lá para cá ele não tem se relacionado com a equipe, com a família ou com o meio ambiente.

Pergunta – É coma?

David Uip – A palavra coma define um estado de situação. Eu acho que a boa definição é a que está descrita no boletim.

Pergunta – Doutor, essa situação é reversível?

David Uip – Olha, eu falei no primeiro dia e vou voltar a falar hoje. Está acontecendo o quê? O governador foi, está e vai continuar sendo tratado com toda a dignidade, respeitando seus desejos e os de sua família. Nós não vamos jogar a toalha e vamos continuar fazendo tudo o que os preceitos da ética e da dignidade mandam. Com bom senso, com um nível de compreensão entre nós da equipe – quando eu falo equipe, somos todos nós -, respeitando os desejos do governador e de sua família. E, antecipando a próxima pergunta, o governador não vai para a UTI. Ele vai continuar internado no quarto que ele está porque isso respeita sua dignidade.

Pergunta – Esses distúrbios metabólicos descritos no boletim significam uma pré-falência dos órgãos?

Raul Cutait – Todas as alterações que ele tem são alterações que interferem, de modo que os órgãos venham funcionando de uma forma pior. Porque um órgão que não funciona bem interfere no funcionamento de outros. E chega um determinado momento em que vários órgãos deixam de funcionar simultâneamente, o que incompatibiliza a situação do paciente com qualquer tipo de tratamento que é oferecido. No momento, ele tem a base dos órgãos funcionando bem, mas numa situação extremamente instável. Basta piorar um pouco alguma função para que outros órgãos sintam a repercussão. Situação clássica em pacientes como ele.

Pergunta – O senhor falou que a doença base não está sendo tratada. Ou seja, o câncer não está sendo tratado. E nós temos a presença de células cancerosas na medula e na meninge. Seria isso o que está causando as convulsões?

David Uip – Eu vou introduzir e depois o doutor Sami completa. Na verdade, nos últimos dois meses o governador foi tratado do câncer da meninge. Ele não foi tratado do câncer sistêmico por absoluta falta de possibilidade de tratamento. Então, em todas as complicações que ocorreram você prioriza, por exemplo, o tratamento da infecção. Você não pode fazer quimioterapia sistêmica num paciente infectado. Então foram prioridades e não desejo da equipe. E assim se mantém. Esta é uma possibilidade, como existem outras. Eu gostaria que o professor Sami completasse a parte de tumor.

Sami Arap – O que acontece é que nós estamos chegando realmente no final de uma luta muito grande que está levando dois anos e meio, onde infelizmente a cirurgia que foi feita no governador não conseguiu curar o câncer de bexiga que estava além das paredes da bexiga. Ele deveria receber tratamentos complementares. Ele recebeu esses tratamentos logo depois da cirurgia, fez quimioterapia, recentemente fez imunoterapia e não se abriu uma janela que permitisse fazer um tratamento quimioterápico totalmente eficiente. Agora, em nenhum momento, dadas as condições hematológicas, cardíacas e etc, o governador esteve em condições de fazer uma quimioterapia totalmente eficiente, de maneira que o que está ocorrendo, a obstrução intestinal, um certo
emagrecimento, evolução da doença comprometendo diferentes órgãos, representa sim, provavelmente, a evolução do câncer que há dois anos e meio o governador apresentou.

Pergunta – Só para entender essa alteração do nível de consciência. Ele está sendo sedado, respirando com máscara?

David Uip – Não. Se você ficar atenta ao último parágrafo do boletim, diz que ele não recebe assistência respiratória mecânica. Isso inclui que ele não foi entubado, que ele não está atado a aparelhos mecânicos. Ele continua com catéter e com a máscara de oxigênio.

Pergunta – Esse nível de consciência não está sendo causado por sedação?

David Uip – Não. Ele não está sendo sedado. O que nós aumentamos foi a analgesia para que ele não tenha dor.

Pergunta – Quanto tempo ele passou consciente e quanto tempo ele passou inconsciente?

David Uip – Ele começou a perder o nível de melhor contato no final da tarde de ontem.

Pergunta – E continua até agora?

David Uip – Continua até agora.

Pergunta – O que é queda de pressão arterial?

David Uip – O governador tem uma pressão habitual, por exemplo, de doze por sete. Ele tem períodos em que essa pressão cai a níveis inferiores a isso. Toda vez que isso ocorre, é considerado queda de pressão arterial.

Pergunta – Ontem os senhores disseram que a pneumonia havia regredido. Eu quero saber como está hoje a pneumonia e se o quadro infeccioso avançou?

David Uip – O quadro infeccioso não progrediu e essa situação que nós estamos tentando passar para os senhores é complicada. Como é que um indivíduo melhora da pneumonia, melhora do quadro infeccioso, reverte o quadro de edema do pulmão e piora no todo? É exatamente isso. Nós tivemos complicações novas. Estamos dizendo isso há uma semana que, a despeito do controle de coisas pontuais, existe uma doença em evolução e isso pode ocorrer. A despeito do controle dos processos infecciosos, houve uma piora nítida do quadro neurológico e do quadro hemodinâmico.

Pergunta – A pneumonia está controlada?

David Uip – A pneumonia está controlada.

Sami Arap – Eu queria complementar isso aí porque nos jornais de ontem, diferentes jornais referiram discreta melhora do governador Covas. Isso provavelmente foi erro nosso de comunicação. Como o doutor Raul acaba de referir e eu quero enfatizar. Cada uma das complicações que o governador apresentou, que foram pneumonia, arritmia cardíaca e início de mal funcionamento dos rins, cada uma delas foi tratada e revertida. Contudo, o conjunto, a saúde do governador, o estado geral do governador, vem progressivamente piorando e as manchetes de hoje não exprimem a realidade. Isso possivelmente nós não fomos capazes de transmitir a vocês. A realidade da situação. O governador está piorando embora cada uma das complicações pontuais que ele apresentou tenha sido tratada com sucesso.

Pergunta – O senhor disse que é o fim de uma luta de dois anos e meio contra o câncer. Isso quer dizer que contra o câncer não há mais nada a fazer?

Sami Arap – Existiriam coisas a fazer, sim. Só que existem determinados tratamentos que só podem ser realizados na presença de um certo grau de higidez. O indivíduo tem que ter um coração muito estável, uma medula óssea muito sadia, um pulmão muito bom e em nenhum momento, desde a cirurgia que foi feita pelo doutor Raul e por mim, em que removemos o tumor do intestino, em nenhum momento o governador apresentou período de estabilidade clínica que permitisse fazer quimioterapia. Então, a doença básica dele não tem sido tratada, a não ser com aquela imunoterapia que o doutor Ricardo Brentani fez, que é o tratamento possível de se fazer. A quimioterapia, que seria o tratamento desejável, nunca foi possível realizar.

Pergunta – Parece que, pela primeira vez, o senhor está falando que a doença está vencendo. É isso que está acontecendo? Nesse momento a batalha está sendo vencida pela doença?

Sami Arap – Eu acho que você verbalizou muito bem o que está acontecendo. A crise está vencendo. O governador não vai bem. A situação dele está numa instabilidade crescente e nós não temos condições de lutar contra a doença básica dele.

Raul Cutait – Acho que eu resumo assim: a doença de base dele é grave e criou tantos problemas que ela não pode ser adequadamente tratada, mesmo sendo uma doença que a gente entende que progride pela falta de tratamento específico. Então, a situação que a equipe médica diz hoje é de um paciente cuja doença de base não está podendo ser tratada e isso faz com que as complicações sejam um pouco mais constantes e importantes. Essas complicações, apesar de toda abordagem que está sendo oferecida, quer dizer, apesar de todo o apoio de tratamento que está sendo oferecido ao paciente, também não está conseguindo deixá-lo suplantá-las.

Pergunta – A partir da sua declaração de que estamos chegando ao fim de uma luta de dois anos e meio, nós jornalistas podemos fazer uma leitura de que estamos dentro de um processo de contagem regressiva?

Sami Arap – Nós temos buscado evitar definições. E no caso específico do governador Mário Covas são definições impossíveis de fazer porque ele tem reações absolutamente imprevisíveis. Mas, em termos gerais, a situação realmente é essa. A situação dele está instabilizada de maneira crescente. Todos os tratamentos e toda a luta que ele tem feito, que nós temos feito, para tentar recuperar a saúde dele e permitir que nós continuemos a tratá-lo, não tem dado certo. Ou seja, tem dado certo pontualmente. Mas a doença está evoluindo e está impedindo qualquer coisa. Então, realmente, é uma situação bem grave.

David Uip – Deixe-me tentar mostrar para vocês como é isso. A velocidade de complicações que o governador vem apresentando principalmente nas últimas horas tem sido maior do que a nossa possibilidade de tratamento. Então, ontem nós falamos do controle de algumas situações de alguns órgãos. Como os senhores notaram hoje existem situações novas que não haviam sido abordadas até o momento. Então, quer dizer, essa velocidade de complicações decorrentes ou não da doença está sendo maior do que a possibilidade de tratá-las.

Pergunta – Há alguma terapia a ser tentada ainda, ou só manter os mesmos medicamentos? E quanto às convulsões, quando começaram, qual a freqüência? E também, como normalizar a pressão arterial?

David Uip – Eu vou falar só das convulsões. Elas começaram ontem, no final da tarde. O doutor Milberto foi solicitado, ele faz parte da equipe, e veio, interveio e medicou. Quanto ao tratamento, eu quero deixar isso muito claro. As pessoas parecem que têm dificuldade, eu entendo, porque é um momento confuso. Mas o governador vai continuar sendo tratado dentro dos preceitos da ética e da dignidade. Tudo o que for possível, tudo o que for necessário fazer pelo governador vai ser feito, dentro do bom senso. É isso que eu gostaria de ter como mensagem para vocês. Tudo que está sendo possível está sendo usado.

Pergunta – Desculpe, eu não entendi, o senhor disse que ele teve apenas uma convulsão?

David Uip – Não. Eu falei que as convulsões iniciaram ontem no final da tarde.

Sami Arap – Olha, eu gostaria de complementar a resposta do David no seguinte sentido: tem sido uma preocupação dessa equipe, não só por respeito ao paciente, até porque isso é o que fazemos com qualquer paciente e em especial com o governador, nós estamos tendo um empenho absoluto para que ele não sofra. Que ele não tenha sofrimento associado a essa situação. Então, durante todo esse período, nós podemos assegurar que o governador não tem sentido dor, não tem tido sofrimento, dentro daquele espírito da preservação da dignidade. É claro que ele está cansado, é claro de que vez em quando ele tem ou tinha certos incômodos físicos de estar imobilizado, de estar sentado, de estar deitado. Mas durante todo o tempo tem sido um propósito, tem sido alcançado o objetivo de preservar o governador de qualquer sofrimento.

Pergunta – Foram constatadas células cancerosas em outros órgãos do governador? E essas convulsões? São tratadas com choques?

Raul Cutait – Existe o risco de ele ter células tumorais no abdômen. Ele está obstruído. Nós não sabemos a causa, não investigamos a causa porque nada poderia ser feito sem que ele saísse desse estado clínico complicado no qual ele se encontra. Então, se existe ou não é uma pergunta para a qual não existe uma resposta definitiva.

David Uip – E convulsão se trata com medicamento via venosa.

Pergunta – Ele pode ser transferido para o Palácio?

David Uip – Não.