Instituto de Pesca desenvolve alimentos adequados para refeições em instituições

O estudo objetivou desenvolver produtos à base de pescado, de alto valor nutricional

ter, 12/08/2008 - 20h44 | Do Portal do Governo

O peixe – fonte de proteínas, vitaminas e gorduras benéficas (como o ômega 3) – é aconselhado por médicos e nutricionistas como alimento, devendo estar presente principalmente na dieta de crianças, idosos e gestantes. Para atender a essa necessidade, o Instituto de Pesca, vinculado à APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desenvolveu produtos desidratados, como sopa e biscoito salgado, a partir da polpa, ou carne mecanicamente separada, de espécies marinhas da categoria conhecida como “mistura”, formada principalmente por peixes pequenos e de baixo valor comercial.

O estudo, iniciado em 2005, objetivou desenvolver produtos à base de pescado, de alto valor nutricional, que possibilitassem o aumento do consumo desse alimento, principalmente em escolas, creches e asilos. “A inclusão de alimentos à base de pescado na dieta de grupos populacionais específicos, como gestantes, crianças e idosos, poderá contribuir para um aporte protéico de qualidade, principalmente em comunidades desfavorecidas”, diz a pesquisadora Cristiane Rodrigues Pinheiro Neiva, diretora da Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado, tecnologia@pesca.sp.gov.br, do Centro do Pescado Marinho (Santos, SP) do Instituto de Pesca.

Como resultado do estudo elaborou-se uma sopa desidratada e um biscoito de pescado que pudessem manter grande parte do valor nutricional desse alimento, de forma a exceder teores requeridos de aminoácidos, para adultos e crianças.

Os alimentos desenvolvidos foram submetidos a testes sensoriais. O índice de aprovação por adultos que analisaram o biscoito foi de 97% e por crianças que experimentaram a sopa, 79%.

Qualidade Nutricional

Cristiane explica que, para a elaboração desses alimentos, utilizaram-se índices de requerimentos de energia indicados pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), que prevê as necessidades diárias de consumo para cada aminoácido.

A composição do biscoito e da sopa desenvolvida ultrapassou alguns índices, apresentando, respectivamente: 12,26 e 21,09% de proteínas; 1,32 e 0,62% de lipídios, ou gorduras totais; 62,75 e 76,32% de carboidratos totais; 6,29 e 7,68% de umidade; e 8,55 e 3,12% de cinzas. “A sopa desidratada que desenvolvemos apresentou o dobro da quantidade de proteína oferecida por sopas desidratadas de carne vermelha e de frango comercializadas”, declara a pesquisadora.

Durante a pesquisa, utilizaram-se peixes classificados como “mistura”, que é composta por espécies da família da pescada (perna-de-moça e castanha) e de outras famílias (castanha, cabrinha, carapau e guaivira). Esses peixes marinhos, característicos do litoral paulista, são classificados como “mistura” porque aparecem na pesca direcionada ao camarão e a outras espécies marinhas.

Dados de estatística pesqueira do Instituto de Pesca, relativos a 2006, apresentam essa categoria na quinta posição, em termos de produção do estado de São Paulo. Segundo a tabela de preços de pescado da CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), o valor médio do quilo da “mistura” é de R$ 0,80 no atacado, valor baixo se comparado ao do quilo da merluza no varejo, por exemplo: R$ 8,00.

“A tecnologia usada para o preparo dos alimentos desenvolvidos permite a variação de espécies de peixe utilizadas. A utilização de peixes classificados como “mistura” possibilita o maior aproveitamento da carne de peixe, em razão do baixo custo de mercado. No entanto, é possível utilizar outras espécies, inclusive as provenientes de água doce”, comenta Cristiane.

Além disso, a “mistura” está presente ao longo do litoral do país, possibilitando a produção da sopa e do biscoito em diversas regiões, já que, segundo a pesquisadora, apesar de a “mistura” ser composta por diferentes espécies de peixe, de acordo com a região onde ocorreu a pesca, a qualidade nutricional oferecida pela carne de algumas espécies é praticamente a mesma.

Para a produção da sopa e biscoito, utilizou-se a tecnologia de carne mecanicamente separada (CMS), que possibilita a eliminação da espinha do peixe, um dos fatores de rejeição do consumo do pescado, originando um produto de sabor mais suave e, principalmente, passível de uso em diferentes processos industriais.

A mistura para sopa e biscoito pode ser conservada por até 180 dias, quando estocada sob temperatura ambiente e em embalagem aluminizada de alta barreira ao contato com gases, como o oxigênio que acelera o processo de degradação dos alimentos. A pesquisadora Cristiane explica que a possibilidade de estocagem e o longo prazo de validade desses alimentos permitem levar produtos à base de pescado para regiões distantes da indústria geradora ou local de produção.

Biscoito de peixe

A partir da CMS (ou polpa de peixe), a equipe da Apta elaborou um biscoito de peixe. Muito comum em paises asiáticos, além do peixe, esses biscoitos possuem em sua composição: amido de mandioca, sal, açúcar e glutamato monossódico.

Tradicionalmente, os biscoitos de peixe são preparados como alimento frito, porém os pesquisadores da Apta adequaram o biscoito para o forno de microondas. Após o desenvolvimento do biscoito, frito ou assado, o mesmo foi submetido a um teste sensorial de aceitação entre 40 adultos.

O teste foi realizado em cabines individuais, onde se ofereceram amostras codificadas de biscoitos assados e biscoitos fritos. A seguir, os julgadores responderam a um questionário, avaliando o sabor, odor e crocância dos biscoitos de peixe. Cristiane conta que, como resultado, os índices de aceitação foram de 90 e 97% para o biscoito assado e o frito, respectivamente.

Sopa desidratada

Com base em pesquisa desenvolvida nos anos 1970 pelo ITAL (Instituto de Tecnologia de Alimentos) da Apta, que produziu uma farinha mista de pescado com arroz ou milho, os pesquisadores do Instituto de Pesca estudaram a adequação dessa farinha para uma sopa desidratada de fácil preparo, nutritiva e de gosto agradável ao paladar infantil.

Além da farinha mista de arroz e pescado, presente na mistura base da sopa, foram adicionados legumes desidratados, condimentos e macarrão, que possibilitaram a criação de uma sopa de consistência cremosa e sabor suave. A sopa foi oferecida a crianças de três creches da região da Baixada Santista.

No total, 71 crianças entre 4 e 7 anos experimentaram a sopa de pescado, durante seis meses. Os protocolos de pesquisas foram aplicados em reuniões com os pais das crianças e com os dirigentes das escolas. Os resultados apontaram que a sopa teve boa aceitação por parte de 79% do grupo que participou do estudo.

Segundo Elisabeth Rovai França, diretora das Ong’s Abrigo e Creche Noturna Vó Benedita, o teste degustativo aplicado às crianças mostrou que a sopa é adequada para o consumo na alimentação infantil. “O gosto suave do alimento contribuiu para as crianças aceitarem a sopa facilmente; a maioria pedia para repetir a refeição”, declara.

O fácil preparo da sopa, que fica pronta em aproximadamente dez minutos, e o seu alto valor nutritivo são aspectos que levam a diretora da Ong a torcer pela disponibilidade do produto no mercado. “Após o teste, as crianças pediram a sopa nos outros dias. O preparo especial, cujo pó fazia surgir uma sopa com macarrão em forma de bichinhos, transformou a refeição em uma brincadeira”, finaliza.

Futuro

Na próxima etapa do estudo pretende-se ampliar o público do teste da sopa, já que, para ser aceita como alimento adequado para uso em merendas escolares, a sopa precisa alcançar o índice de 85% de aceitabilidade entre as crianças.

A pesquisadora Cristiane Neiva explica que, inicialmente, a pesquisa – financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), como seu doutorado junto ao Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP – avançará no desenvolvimento de novos produtos à base de pescado que mantenham as proteínas e o valor nutricional oferecido pelos peixes e não dependam da rede de frio para a sua conservação. Ela também informa que, em breve, será conduzido o estudo de viabilidade econômica para determinar o custo de produção e o valor médio final desses produtos para comercialização.

Do Instituto de Pesca

(M.C.)