A música clássica é uma das preferidas de Octávio (*), de 17 anos, que cumpre medida socioeducativa na Unidade Internação (UI) 34, no bairro do Brás, capital. Entretanto, foi a primeira vez que ele esteve em um majestoso espaço dedicado a esse gênero musical. Tomás (*), de 18 anos, pertencente à mesma unidade, também nunca tinha entrado em um lugar assim. Carlos (*), de 17 anos, disse que pretende voltar outras vezes. Os três fizeram parte de um grupo de 25 adolescentes da Fundação Casa que participou, dia 5, de um ensaio geral aberto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), na Sala São Paulo, capital.
A oportunidade é resultado de parceria da instituição socioeducativa com a Osesp. Uma das finalidades é a participação dos jovens no programa Descubra a Orquestra, que prevê a realização de concertos didáticos para crianças e adolescentes, na Sala São Paulo. Para isso, eles são preparados previamente por educadores da Fundação Casa, capacitados por profissionais da Osesp.
Além da Osesp, a Fundação Casa acaba de firmar parcerias com outras 24 instituições (públicas, privadas e não-governamentais), para o desenvolvimento de atividades com os jovens internos nas áreas cultural, pedagógica, esportiva e profissionalizante. Esse projeto, denominado de Amigos da Casa, “simboliza o esforço no sentido de permitir que a sociedade participe do trabalho que é realizado com os adolescentes da Fundação Casa no Estado de São Paulo” afirma Berenice Giannella, presidente da instituição.
Parceiros – Uma das instituições que abraçaram o Amigos da Casa é o Itaú Cultural. A sua contribuição consistirá no fornecimento de materiais que produz, como DVDs com documentários e curso de História da Arte. Também doará livros relacionados a arte e cultura e capacitará educadores da Fundação para a utilização dos produtos artísticos e culturais. Além disso, estão previstas visitas de internos às atividades desenvolvidas pela empresa.
Para Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, a sensação é que a Fundação Casa está passando por profunda reestruturação, onde a humanização parece ser o centro do trabalho desenvolvido pela instituição. “Você pega as parcerias, há instituições artísticas, esportivas, profissionalizantes, todas relacionadas à formação completa do ser humano, e não necessariamente a aparatos de segurança, por exemplo”, explica.
A Fundação Bachiana Filarmônica, outra instituição parceira, faz análise similar. “Em razão das novas políticas de atendimento da Fundação, focada na humanização do atendimento ao jovem infrator, é possível esperar resultados mais eficazes”, afirma Aparecida Martins Vaz dos Santos, consultora administrativa da instituição. “Acreditamos mais na humanização que na correção”, salienta.
É a primeira vez que a Fundação Bachiana Filarmônica realiza parceria com a Fundação Casa. Um dos fundadores da instituição, o maestro João Carlos Martins serviu de interveniente para que se firmasse a cooperação. O intuito é trabalhar a democratização da cultura e levar a música a todas as camadas. Segundo Aparecida, esse tipo de iniciativa não envolve recursos financeiros.
A Fundação Bachiana Filarmônica representa a Orquestra Bachiana Filarmônica, Orquestra Bachiana Jovem e o próprio João Carlos. A parceria se refere a palestras (inclusive dos músicos) e apresentações aos adolescentes. O próprio exemplo de superação do maestro será levado aos jovens. Considerado um dos maiores intérpretes de Bach ao piano no mundo, ele voltou a estudar e se tornou maestro, depois de dois acidentes que limitaram o movimento de suas mãos.
Leitura – Para Luiz Adriano Mange, gerente de Assistência à Empresa e à Comunidade do Senai, a própria mudança de filosofia da Fundação, privilegiando unidades menores, com no máximo cerca de 40 adolescentes, permite fazer um trabalho mais eficaz.
O Senai atua em conjunto com a Fundação há mais de 10 anos. Em 2007, 320 jovens participaram desses programas. Além disso, a instituição forneceu capacitação para cerca de 30 educadores, que ministraram os cursos de formação profissional nas dependências da Fundação. A intenção agora é ampliar e diversificar as ações, proporcionando mais oportunidades no mercado de trabalho ao jovem que passa pela qualificação. Outro ponto a ser atacado é a defasagem escolar, especialmente para maiores de 15 anos, por meio de telecurso.
William Nacked, diretor do Instituto Brasil Leitor (IBL), explica que a área de atuação do órgão nessa parceria será a leitura. O órgão é responsável pela criação e gestão de bibliotecas e ações de estímulo à leitura e diminuição do analfabetismo funcional. O projeto Embarque na Leitura, existente em cinco estações do Metrô, foi executado e gerenciado pelo instituto. O objetivo é incentivar o hábito da leitura na população, por meio da oferta de livros novos, best-sellers e clássicos da literatura.
Quem também acaba de aderir ao projeto Amigos da Casa é a Federação Paulista de Karatê. A proposta é, por meio de aulas desse esporte (Projeto Prokarater), transmitir valores éticos aos adolescentes. Outros que assinaram termo de cooperação com a Fundação Casa são a Fiesp, o Sesi, o Instituto Legislativo Paulista, Instituto de Recuperação do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, Secretaria Municipal de Esportes de São Paulo, Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento – Pólo Ecoturístico Caminhos do Mar, Associação Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo, além de clubes de futebol como Palmeiras, São Paulo, Santos e Corinthians.
Além da Osesp, as instituições parceiras vinculadas ao governo estadual são a Pinacoteca do Estado, Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, Fundação Memorial da América Latina, Projeto Guri, Museu Paulista da USP – Museu do Ipiranga, Secretaria do Esporte, Lazer e Turismo, Secretaria da Cultura e Imprensa Oficial do Estado.
O Projeto Amigos da Casa prevê ainda a edição do Selo Amigo da Casa, que poderá ser usado em documentos e nos sites da internet pelos parceiros. “Ele é um reconhecimento da Fundação Casa àqueles que estão trabalhando conosco nas medidas socioeducativas”, afirma Berenice Giannella.
(*) Os nomes são fictícios
Música mexe com sentimento de adolescente
Carlos gosta de MPB. Estuda violão na Fundação Casa há cerca de quatro meses. “Antes, não me interessava por essas coisas de música”, afirma. Como a maioria dos demais jovens, assistiu ao ensaio geral da Osesp quase sem se recostar, relaxado, à cadeira, mas com corpo inclinado à frente, atento ao espetáculo. Nunca tinha passado diante do prédio da Estação Júlio Prestes, onde fica a Sala São Paulo. O jovem gostou muito da apresentação e pretende voltar.
Octávio disse que a música que ouviu mexeu com o seu sentimento. Também se sentiu mais relaxado, calmo “Dá até um pouco de sono para dizer a verdade”, confessou. Teve contato com a música clássica por meio dos CDs do pai. Além desse gênero, aprecia a black music. O que mais chamou a atenção de Tomás foi a perfeição com que os músicos tocam.
Os jovens ouviram primeiro Porgy and Bess: catfish row – suíte sinfônica, de George Gershwin. A seguir, foi a vez de Rhapsody in Blue, do mesmo compositor.
Da Agência Imprensa Oficial
(M.C.)
