Idosos são alfabetizados e vencem a batalha contra exclusão

Força de vontade e apoio familiar foram imprescindíveis

sex, 19/12/2008 - 11h26 | Do Portal do Governo

O dia 12 de dezembro estava cinza e nublado quando 35 idosos da zona norte da capital concretizaram o sonho que até bem pouco tempo parecia impossível: receber o diploma de alfabetização. A cerimônia de formatura, no Teatro Santa Catarina, teve coral, paraninfo, homenagens e discurso – lido pelos próprios formandos. Parentes e amigos prestigiaram esse passo importante na vida de pessoas que, muitas vezes, se sentindo excluídas por não saberem ler e escrever, foram agora excluídas, mas excluídas da estatística de 14 milhões de analfabetos adultos no País, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2007.

Mesmo com os problemas de saúde comuns à faixa etária, os alunos não desistiram e tiveram força de vontade para perseguir o tão sonhado diploma. A realização aconteceu por conta do esforço do Centro de Referência do Idoso (CRI) da zona norte, com apoio da Secretaria da Saúde e da ONG Alfabetização Solidária. O apoio da família, item essencial nesse processo, tem como exemplo a formanda Maria Alves Carden, 70 anos, casada há 49.

Depois de se tornar bisavó, Maria batalhou para aprender a formar palavras e decifrar os códigos da leitura – ainda básica – mas que, espera, melhorará com o tempo e a prática. “Conseguir este diploma foi muito importante para mim. Nunca tive base para ler e escrever”, lamenta. A aluna faz questão de agradecer o auxílio da neta Drielly Carden, de 21 anos. “Ela me ajudava nas lições e em todos os momentos que precisei, principalmente quando pensava em desistir”.

Idade do saber – A professora Sumi Ota Ishara diz estar satisfeita em poder oferecer novo olhar aos seus alunos que, como ela, chegaram à idade da sabedoria. Destaca a importância do curso não só para o aprendizado, mas também para a socialização dos idosos, e cita a colaboração dos próprios alunos, e até de ex-alunos. Maria do Carmo Magliano, por exemplo, resolveu freqüentar as aulas no CRI para relembrar o que aprendera há décadas. Tendo cursado, na infância, somente até a 3ª série, procurou o centro para continuar os estudos. Acabou ficando. Além de participar das aulas, tornou-se monitora, auxiliando professores e colegas. “Quando meu marido faleceu, parei de trabalhar e de sair de casa. Esse curso foi importante para preencher meu tempo livre e conhecer pessoas”, explica a aluna, que prestou o exame do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) e foi aprovada para cursar a 5ª série em 2009.

Anézia Vieira Duarte, 74 anos, formou-se pelo CRI em 2007. Neste ano, veio só prestigiar a formatura dos amigos. “Já estou com meu certificado na mão”, fala orgulhosa. Ela diz ter aprendido muito e hoje em dia se sente outra pessoa: “Saber ler e escrever me deixou mais satisfeita”, admite a ex-aluna, que ainda tem algumas dificuldades, mas deixa claro que o importante é praticar. Sumi, formada em psicopedagogia e com mais de 40 anos de experiência, ressalta a necessidade de continuar os estudos além da alfabetização e das quatro operações. Em sua avaliação, os alunos receptivos interessam-se também por outras matérias, como Geografia e História. “Às vezes até saio um pouco do programa e ensino alguma coisa dessas disciplinas para eles, mas não posso me estender”, argumenta.

Ela explica que os idosos têm um ritmo de aprendizado mais lento que as crianças e adultos, e por isso muitos encontram dificuldade para acompanhar as aulas quando vão ao curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Gostaria que fosse adotado um curso de ensino fundamental direcionado aos idosos, justamente para evitar que desistam ao entrar no EJA”, sugere. O curso de alfabetização de idosos teve duração de oito meses, com quatro horas diárias de aulas no CRI da zona norte. Além das aulas, os alunos receberam atendimento médico-odontológico e participaram de atividades de convivência e lazer.

“Sou a pessoa mais feliz do mundo”

Ligar para o filho, ir ao banco ou ao médico sozinha e fazer compras no supermercado são atividades novas para a dona de casa Everilda Silva. Aos 55 anos, a jovem senhora está sentindo o sabor da independência proporcionado pela alfabetização. Tomar ônibus e Metrô sem se perder, assinar guias médicas e desempenhar tarefas do dia-a-dia com autonomia são gestos especiais para ela. “Eu não saía sozinha, tinha medo de andar na rua, dependia do meu filho para tudo. Aos poucos, fui me tornando mais segura. Comecei ir às aulas sozinha e, no supermercado, não preciso mais perguntar os preços. Sou a pessoa mais feliz do mundo”, declara.

Everilda sofre de depressão e diz que pretende em breve parar de tomar medicamentos. Ela narra com alegria o dia em que perdeu os documentos, no início do curso. Ao tirar os novos, pôde assiná-los “com nome e sobrenome”, no lugar da antiga impressão digital. “Perdi os documentos e ganhei na loteria!”, comemora.

“Agora chegou a minha vez”

José da Costa Silva vai completar 90 anos em junho. Bem-humorado, voz firme e olhos brilhantes, o aluno mais velho da turma é também o mais entusiasmado. Casado há 59 anos, lembra que quando era menino lá na roça não havia espaço para os estudos. O tempo passou, vieram o casamento e os filhos. Daí, as obrigações familiares não permitiram que ele realizasse o sonho de aprender a ler e escrever. Com sacrifício, criou e alfabetizou os oito filhos e ainda deu condições para que sua esposa se tornasse professora. No dia da formatura, finalmente, José pôde comemorar sua grande vitória. Feliz por agora “ler qualquer nome”, desde que escrito em letras grandes, lamenta não encontrar a palavra certa para expressar sua felicidade. “Agora chegou a minha vez! Minha esposa sempre pergunta o que quero mais, com quase 100 anos? E eu respondo: Quero tudo!”

“Meu pai é uma lição de vida”

O diploma de alfabetização não será o único título de que João Nascimento se orgulha. O primeiro, diz, foi o de açougueiro, profissão que desempenhou por toda a vida. Seu João criou e educou seis filhos cortando carne e fazendo contas, embora não soubesse ler uma palavra sequer. Lembra que na juventude tentou freqüentar uma escola noturna, mas desistiu porque levava muitas “reguadas” por dormir na sala de aula.

Durante o curso, João, que é cardíaco e sofre de Alzheimer, contou com o apoio dos filhos e netos: “Chegava em casa e meus netos davam uma olhada nas minhas lições”. Um deles é Wellington Nascimento Santos, de 13 anos. Diz que o avô sempre cobrou dele notas boas na escola. “Ele me ensinou muitas coisas, como ser educado, humilde e sempre ajudar o próximo. Fico feliz em ajudar o meu avô. Ele está indo muito bem!” Para a filha, Mariângela do Nascimento, a formatura de seu João é uma vitória para toda a família. “Meu pai é uma lição de vida”, resume.

Roseane Barreiros e Mateus Ribeiro, da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)