Grupo de pesquisadores desenvolve extrato fitoterápico

Em testes preliminares, grupos químicos separados do extrato mostraram eficiência a cinco tipos de leucemia

ter, 19/06/2007 - 7h02 | Do Portal do Governo

Um estudo envolvendo pesquisadores de diferentes áreas da Unicamp chegou à obtenção de um extrato fitoterápico retirado da planta Bidens alba. Em testes preliminares, realizados in vitro, grupos químicos separados do extrato mostraram eficiência quando submetidos a três linhagens de carcinoma e a cinco tipos de leucemia. O processo de obtenção da composição fitoterápica teve a patente internacional depositada em dezembro de 2006.

Os autores são o médico Alexandre Eduardo Nowill, a química Carmen Lucia Queiroga, o farmacêutico Gilberto Carlos Franchi Júnior e a botânica Maria Tereza Grombone Guaratini. Atualmente, as pesquisas vêm sendo conduzidas por cientistas do Centro Integrado de Pesquisas Onco-Hematológicas da Infância (Cipoi), em parceria com o Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA).

Segundo o farmacêutico Gilberto Carlos Franchi Júnior, do Cipoi, as pesquisas tiveram origem em 2000, quando a botânica Maria Tereza Grombone Guaratini desenvolvia seu trabalho de pós-doutorado no âmbito do programa Biota, financiado pela Fapesp. Seu foco eram os componentes genéticos do picão-preto (Bidens pilosa), planta também conhecida por infestar grandes extensões da cultura de soja.

Em seus estudos sobre a variabilidade genética da planta, informa Franchi, a bióloga constatou a existência de três tipos de picão-preto – duas bastante conhecidas, ambas da espécie Bidens pilosa, e uma terceira, a Bidens alba, planta originária do México e encontrada no país apenas em uma pequena faixa do litoral paulista – especula-se que tenha chegado a bordo de embarcações.

Se de um lado as menções na literatura internacional sobre a ação antimicrobiana e antiulcerogênica das espécies Bidens pilosa eram fartas, por outro, a pesquisadora não havia encontrado nenhuma referência acerca da Bidens alba. Ademais, Maria Tereza sabia que o picão-preto é usado popularmente para aplacar dores musculares e outras finalidades, tanto na forma de emplastro quanto ingerido como chá.

“Maria Tereza é uma profunda conhecedora de pragas agrícolas. Logo descobriu que havia ali um material inédito de pesquisa. Constatou, por exemplo, que a Bidens alba era geneticamente diferente das demais espécies da família. Descobriu também que a planta possuía composições químicas que ainda não haviam sido descritas”, testemunha Franchi.

Disposta a ir além da tradição oral, a botânica enviou amostras do extrato de Bidens alba ao Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, onde constatou-se, por meio de testes em camundongos coordenados pela professora Clélia Akiko Hiruma Lima, que o material retirado da planta funcionava como protetor da mucosa gástrica, podendo vir a ser utilizado no tratamento de úlcera. O sucesso das pesquisas originou o primeiro depósito de patente do extrato, feito pela Agência de Inovação Inova Unicamp em 2004.

Outras aplicações – Começa aí, de acordo com Franchi, a “internacionalização” da patente. Querendo saber se a Bidens alba possuía propriedades anticancerígenas, a botânica enviou, no início de 2005, amostras do extrato ao Cipoi, centro voltado para o desenvolvimento de pesquisa básica e aplicada na área de onco-hematologia. A patente começava a ser escrita.

Os trabalhos foram abertos em duas frentes. Como o extrato estava dividido em 73 frações – e tornava-se inviável conhecer a composição química de cada uma delas –, foram selecionadas algumas para os primeiros testes. Coube à pesquisadora Carmen Lúcia Queiroga, do CPQBA, a tarefa de empreender a separação química.

Depois da operação, teve início a segunda etapa: as amostras passaram a ser analisadas pelo próprio Franchi e pelo médico Alexandre Eduardo Nowill, coordenador adjunto do Cipoi. Ambos ficaram surpresos com os primeiros resultados. Decidiram tocar adiante o projeto, com a devida autorização de Maria Tereza.

“Fizemos testes in vitro para cinco tipos de leucemia e para três tipos de adenocarcinoma [câncer] – de próstata, de ovário e de mama. Em todas as investigações, as frações selecionadas se mostraram eficazes, inibindo o crescimento das linhagens oncológicas” revela Franchi.

As tarefas foram facilitadas, prossegue Franchi, pelos equipamentos de ponta de que dispõe o Cipoi. Dois robôs, por exemplo, colocam as células sobre a droga, diluem o extrato e promovem a leitura das placas de cultura, entre outras tarefas. “Isso garante maior confiabilidade e agilidade aos procedimentos”. Segundo o farmacêutico, o centro tem capacidade de analisar até sete concentrações diferentes de 80 drogas diariamente. “Nosso ritmo de screening é muito rápido”.

Os pesquisadores do Cipoi e do CPQBA estão agora repetindo o “desmonte” das frações químicas da droga. “A equipe faz uma série de testes in vitro até chegar na fração química responsável pelo efeito”, revela Franchi.

“Estamos refinando os aspectos químicos”, esclarece o pesquisador que, juntamente com Alexandre Nowill, coordenou as pesquisas. O Cipoi trabalha em parceria com o Centro Infantil Boldrini e com outros 13 pesquisadores de diferentes centros, institutos e faculdades da Unicamp e de outras universidades brasileiras.

A próxima etapa, após a localização do composto químico responsável pelo efeito, consistirá em testar o fármaco in vivo. “Invariavelmente, quimioterápicos comerciais, investigados in vitro, apresentaram resultados promissores quando testados em animais. Esperamos que, após a obtenção do produto químico, tenhamos o mesmo sucesso”, afirma o farmacêutico.

Na opinião de Franchi, as perspectivas para o desenvolvimento de fármacos à base do extrato de Bidens alba são “muito boas”, embora ressalte que ainda há “um longo caminho” a ser trilhado até que se chegue a um composto final. “Muitos quimioterápicos utilizados atualmente em diversas neoplasias são derivados de plantas naturais”, compara.

O pesquisador observa que a planta Bidens alba é da família das Asteraceae. Substâncias químicas são particularmente abundantes em algumas famílias de dicotiledôneas. Algumas das inúmeras espécies de plantas da família das Asteraceae já tiveram seus compostos fitoterápicos estudados, e a sua atividade farmacológica comprovada in vitro e in vivo, como no caso da arnica. Estudos farmacológicos e fitoquímicos realizados em outras espécies do gênero Bidens, entre as quais, a Bidens pilosa, têm demonstrado que diferentes extratos apresentaram inúmeras atividades.

Segundo o pesquisador, a Bidens alba é uma erva que pode atingir 1,5 metro de altura, tem o caule ereto e quadrangular, e apresenta muitas folhas grandes. Seu ciclo de vida é de aproximadamente dois anos, tempo considerado pelo farmacêutico como ideal para o agronegócio. “Infelizmente, não temos a planta em abundância no país, mas esse problema pode ser solucionado a partir de estudos agrotecnológicos”, pondera.

O pesquisador acredita que o fato de a patente internacional ter sido registrada é fundamental para o avanço das investigações. “Todo pesquisador que busca resultados, busca também parcerias. Sem elas, fica muito difícil chegar a definições concretas”. Nesse aspecto, avalia Franchi, a patente tem a dupla vantagem de atrair a indústria e de salvaguardar a invenção. No âmbito do registro internacional, acredita o cientista, as garantias são certas. “Os laboratórios dispõem de mecanismos que zelam pela invenção”.

Ademais, acredita Franchi, cabe à universidade a produção do conhecimento e da pesquisa. As empresas, prossegue o cientista, ficam incumbidas de desenvolver o produto final. “No caso da nossa pesquisa, por exemplo, apenas a indústria farmacêutica poderia finalizar o medicamentos à base da planta. Essa parceria é fundamental”.

Álvaro Kassab

Do Jornal da Unicamp

(R.A.)