Fundação Padre Anchieta aposta no futuro ao completar quatro décadas

Nesses 40 anos, a instituição expandiu seu sinal, fortaleceu sua marca e continuou sua missão: formar cidadãos conscientes

sáb, 24/11/2007 - 17h35 | Do Portal do Governo

Antônio Monteiro da Silva é o primeiro funcionário da folha de pagamento da Fundação Padre Anchieta (FPA). Durante quatro décadas, testemunhou as diversas fases pelas quais passou a instituição: dos anos de chumbo da ditadura militar à TV digital. Neste mês, a FPA, mantenedora da TV Cultura e Rádio Cultura, completa 40 anos, e é considerada uma das mais respeitáveis redes de comunicação do País.

“A história da Fundação funde-se com a da TV Cultura. Quando foi criada, o objetivo era levar educação para milhões de pessoas. Hoje, quatro décadas depois, a instituição utiliza as novas tecnologias (como Internet), a serviço da população, não só no que se referem às atividades educacionais, mas para formar o cidadão”, diz Paulo Markun, presidente da FPA. O jornalista também tem relacionamento estreito com a história da instituição. Pela primeira vez um funcionário chega à presidência da casa. “O seu nome foi proposto ao conselho e na eleição obteve 39 votos de um total de 43 eleitores”, informou Jorge Cunha Lima, presidente do Conselho Curador.

Comemorações

Para celebrar o seu aniversário, a instituição realizou e transmitiu, pela Internet, no dia 12 de novembro, o Seminário Internacional de Cidadania. Participaram conferencistas nacionais e internacionais, especialistas e autoridades. O ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus Sivickas, esteve presente e apoiou a atitude da Fundação em realizar um seminário que debateu as principais questões sobre os direitos humanos.

“Decidimos celebrar os 40 anos com uma reflexão a respeito da nossa missão: a formação crítica do homem. O debate girou em torno do tema cidadania no século 21 e a relação da mídia com essa questão”, explicou Gabriel Priolli, coordenador de eventos da FPA.

Na noite de 12 de novembro, foi lançado o Prêmio Padre Anchieta de Cidadania, cujo objetivo é homenagear as melhores ações que promovam a cidadania. O prêmio será concedido somente a partir de 2008. Na cerimônia, foram apresentadas as normas que regerão o concurso. A família do ex-governador André Franco Montoro recebeu a premiação In memoriam, pela sua impecável carreira de político e cidadão exemplar.

Anos de chumbo 

A história da Fundação Padre Anchieta abrange várias fases. Logo na primeira, deixou de lado o papel de ser meramente educativa para ser uma TV formativa e mais generalista, englobando cultura e artes. “Foi no período dos primeiros governadores que a TV Cultura passou a ser de vanguarda, tanto no plano artístico como tecnológico”, explica Cunha Lima.

O executivo observa que apesar de a instituição ter sido criada nos anos de chumbo, em plena ditadura militar (1967), sempre manteve sua independência editorial e administrativa, graças ao esforço dos fundadores. “Por ser uma instituição privada, tem independência e agilidade para conferir caráter público à televisão e às emissoras de rádio que mantêm e que efetivam a sua missão. Nessa linha, embora caiba ao Estado enviar recursos públicos para a sua manutenção e atualização, nada impede a FPA de buscar, por iniciativa própria, recursos adicionais necessários ao incremento da programação, sempre direcionada ao cumprimento da missão”.

Em 1969, a TV Cultura começou a exibir Jovem Urgente. Como o próprio nome diz,  programa com participação de jovens, caracterizado por temas ousados e atuais. Na época, era a emissora mais bem equipada do Brasil.

De 1975 a 1983 

O ano de 1975 marcou profundamente a história do País e a da TV Cultura. Na noite de 24 de outubro daquele ano, agentes dos serviços de inteligência foram à sede da instituição convocar o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da empresa, para prestar depoimento sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), proibido à época. Ele prometeu comparecer, na manhã do dia seguinte, ao quartel da Rua Tutóia, e cumpriu a promessa. No dia 25, Herzog foi encontrado morto na sua cela (leia boxe).

Na gestão do governador Paulo Maluf, em 1979, a TV foi dividida em duas: “Enquanto a sede da Água Branca mantinha controle sobre a linha de produção artística e cultural, a editorial era feita no Palácio dos Bandeirantes. Por essa razão, Maluf ampliou a área de recepção das imagens da TV consideravelmente no interior do Estado, graças a um convênio firmado entre o governo de São Paulo e o Ministério das Comunicações. Foram instaladas 182 torres transmissoras. A TV Cultura tornou-se a maior rede de televisão do Brasil”, lembra Cunha Lima.

Em julho de 1982, o governador José Maria Marin promoveu intervenção na TV Cultura, dando novo estatuto à FPA, marcando a tentativa de o Executivo estadual exercer controle direto sobre a entidade. Destituiu todos os integrantes do Conselho e a diretoria. “O Conselho reagiu, entrou na Justiça e derrotou a intervenção com a maioria absoluta dos votos dos desembargadores de São Paulo”, recorda Cunha Lima. Em 23 de fevereiro de 1983, o Tribunal de Justiça concedeu mandado de segurança para invalidar definitivamente os decretos pelos quais o governador havia alterado os estatutos da Fundação e dissolvido seu Conselho Curador.

Redemocratização

A segunda fase ocorreu dentro do processo de redemocratização do País, quando Franco Montoro tornou-se governador do Estado de São Paulo, em 1983. Na época, a TV Cultura estreou Fábrica do Som, programa de música jovem que abriu espaço ao nascente rock paulista.

O ano de 1986 começou trágico para a FPA: no dia 28 de fevereiro, um incêndio destruiu 90% dos equipamentos da emissora. Em maio ganhou novo estatuto, e estabeleceu elo entre os membros de instituições públicas e civis (secretarias de Estado e reitorias das universidades) e um corpo de representantes da sociedade (artistas, intelectuais e empresários). Em junho, Roberto Muylaert tomou posse como sétimo presidente da FPA. Mesmo com problemas nas instalações, estrearam naquele ano os programas Roda Viva, Jornal da Cultura, Revistinha (dirigido para adolescentes) e Vitória (programa de esportes radicais).

Em 1991, a Rádio Cultura FM realizou, com sucesso, a primeira transmissão experimental em sistema digital. No dia 15 de março de 1992 foram inaugurados a nova antena e os novos transmissores da TV Cultura, no Sumaré, substituindo os equipamentos de 1969. A programação da TV também foi colocada no satélite brasileiro de transmissão. “Esses dois fatores remeteram a nossa programação respectivamente aos bairros mais carentes de São Paulo e para todos os Estados da Federação, o que transformou a TV Cultura numa rede nacional, admirada e respeitada por causa da programação artística e infantil de qualidade e do jornalismo com viés mais público do que mercadológico”, explica Cunha Lima. Em 1994, a TV Cultura integrou pool de mais de mil emissoras do mundo, coordenado pela Unicef, na realização do Dia Internacional da Criança na TV.

Tempos difíceis

Em junho de 1994, Cunha Lima foi empossado como sétimo presidente da fundação. “Minha gestão foi marcada por graves problemas financeiros, por causa do ajuste fiscal do Estado. Mesmo com todos os problemas, conseguimos bons índices de audiência com o Cocoricó, premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como o melhor programa infantil de 1996.

Em 1998, a emissora participou de 12 festivais nacionais e internacionais e recebeu seis prêmios no Brasil, Japão, EUA e Canadá. O último foi o Emmy, no dia 23 de novembro, em Nova York. No ano 2000, as rádios Cultura AM e FM passaram a transmitir via satélite e a colocar a programação pela Internet.

Marcos Mendonça assumiu a presidência em junho de 2004 e a televisão reforçou o jornalismo público. Em 2007, pela primeira vez um funcionário, o jornalista Paulo Markun, chegou à presidência da instituição. Markun destaca a importância da TV e esclarece que a instituição prepara ações para fortalecer o seu conceito e sua marca. “Para isso, providenciamos algumas mudanças internas. Como não temos preocupação com o Ibope, podemos nos concentrar em nosso objetivo: formar um cidadão mais crítico e engajado. Para concretizar essa proposta, investiremos em programas diferenciados. A TV digital é avanço para as emissoras públicas, pois enquanto as chamadas comerciais estão preocupadas com o aumento da qualidade da transmissão, nós priorizamos a multiprogramação, com quatro canais abertos”.

Entre as novas ações destacam-se o restauro e a digitalização do acervo que está em películas, quadrúplex, sistema beta, etc. “Quarenta por cento de nosso acervo foi digitalizado, principalmente os quadrúplex, cujos equipamentos de transmissão vão desaparecer. Programas como Ensaio estão digitalizados e prontos para ser colocados na interatividade”, informa Cunha Lima.

Nova grade

“Programas diversificados, que contribuem para a formação do telespectador. É dessa maneira que surgiram Letra Livre, um debate de idéias com escritores e platéia; Entrelinhas (dois anos no ar); Metrópolis (19 anos), Vitrine (16 anos), Zoom (12 anos), Provocações (12 anos), Café Filosófico (quatro anos) e o mais recente Pé na Rua, voltado ao adolescente”, disse Hélio Goldstein, diretor de Núcleo de Arte e Cultura. Outro sucesso da casa que voltou, após 30 anos longe das telinhas, é o programa Vila Sésamo, em formato totalmente renovado.

Na Rádio Cultura, a grade também mudou. A proposta das emissoras AM (1.200 kHz) e FM (103,3 MHz) é uma volta às raízes. Criada há 30 anos, a emissora, no caso da FM, sempre apresentou programas de música erudita, mas “ao longo das décadas o destaque foi mudando, o segmento descaracterizando-se e perdeu a sua originalidade, que é tocar música clássica e jazz durante o dia”, diz Gioconda Bordon, coordenadora do Núcleo de Rádio Cultura.

Alguns programas migraram para a Rádio Cultura AM, que só coloca no ar música brasileira sertaneja, de raiz e, principalmente, as novas tendências que não encontram espaço em outras rádios comerciais. Na AM, a grade apresenta programas especiais, como a música dos anos 50 e 60 e sobre as vidas de compositores e intérpretes.

A morte que mudou os rumos do País

Na noite de 24 de outubro de 1975, agentes dos serviços de inteligência foram à TV Cultura convocar o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da empresa, para prestar depoimento sobre suas ligações com o PCB, proibido à época. Ele prometeu comparecer, na manhã do dia seguinte, ao quartel da Rua Tutóia, no Ibirapuera. A proposta foi aceita. Seu depoimento foi uma sessão de tortura. Dois jornalistas presos com ele, Jorge Benigno Duque Estrada e Leandro Konder, confirmaram o espancamento. Herzog morreu nesse mesmo dia.

A nota oficial divulgada pelo 2º Exército informava, categórica e minuciosamente, que o jornalista teria confessado participar efetivamente do PCB e denunciado outros companheiros antes de se enforcar. Segundo a versão oficial, Herzog cometeu suicídio na cela com o cinto do macacão de presidiário. Seu corpo foi apresentado à imprensa pendurado numa grade pelo pescoço. A altura da grade era menor que a do jornalista. Mesmo assim, a versão oficial foi de suicídio.

A Sociedade Cemitério Israelita rejeitou a versão apresentada pelos militares e decidiu não enterrar o jornalista na ala destinada aos suicidas. No dia 31 de outubro foi realizado um culto ecumênico em memória de Herzog, na Catedral da Sé, do qual participaram 8 mil pessoas, num protesto silencioso contra o regime.

Em 1978, a Justiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura e morte do jornalista. Em 1996, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu que Herzog fora assassinado no DOI-Codi de São Paulo e decidiu conceder indenização para a sua família.

Na noite de 24 de outubro de 1975, agentes dos serviços de inteligência foram à TV Cultura convocar o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da empresa, para prestar depoimento sobre suas ligações com o PCB, proibido à época. Ele prometeu comparecer, na manhã do dia seguinte, ao quartel da Rua Tutóia, no Ibirapuera. A proposta foi aceita. Seu depoimento foi uma sessão de tortura. Dois jornalistas presos com ele, Jorge Benigno Duque Estrada e Leandro Konder, confirmaram o espancamento. Herzog morreu nesse mesmo dia.

A nota oficial divulgada pelo 2º Exército informava, categórica e minuciosamente, que o jornalista teria confessado participar efetivamente do PCB e denunciado outros companheiros antes de se enforcar. Segundo a versão oficial, Herzog cometeu suicídio na cela com o cinto do macacão de presidiário. Seu corpo foi apresentado à imprensa pendurado numa grade pelo pescoço. A altura da grade era menor que a do jornalista. Mesmo assim, a versão oficial foi de suicídio.

A Sociedade Cemitério Israelita rejeitou a versão apresentada pelos militares e decidiu não enterrar o jornalista na ala destinada aos suicidas. No dia 31 de outubro foi realizado um culto ecumênico em memória de Herzog, na Catedral da Sé, do qual participaram 8 mil pessoas, num protesto silencioso contra o regime.

Em 1978, a Justiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura e morte do jornalista. Em 1996, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu que Herzog fora assassinado no DOI-Codi de São Paulo e decidiu conceder indenização para a sua família.

Por Maria Lúcia Zanelli, da Agência Imprensa Oficial

(C.C.)