Fundação Casa terá oficinas de cinema inspiradas por filme

Filme Querô, uma Reportagem Maldita originou a iniciativa social que agora chega à instituição

qua, 27/06/2007 - 11h00 | Do Portal do Governo

Neste mês, avant première do filme Querô, uma Reportagem Maldita, de Carlos Cortez, foi exibida para funcionários da Fundação Casa, no Cine Sesc. Ao final da sessão, a presidente da instituição, Berenice Giannella, anunciou a realização de oficinas de cinema para os adolescentes das unidades de São Vicente e do Guarujá, na Baixada Santista, a partir do mês de setembro.

O anúncio vai além do veículo e da temática do filme, que conta a história de um adolescente pobre de Santos às voltas com o crime e com internações em instituições de recuperação juvenil. Como a maior parte do elenco é formada por meninos de bairros carentes da Baixada Santista, o longa-metragem deu origem às oficinas que farão parte das atividades culturais da Fundação Casa.

A iniciativa de cunho social surgiu quase por acaso. “Quando resolvi fazer uma seleção com meninos carentes da região para integrar o elenco principal, não tinha a intenção de iniciar um projeto social, apenas pretendia dar mais autenticidade à história”, conta o diretor Carlos Cortez.

A produtora do longa, Gullane Filmes, empreendeu um processo de oficinas para ensaiar os meninos, que durou seis meses e teve mais de 400 horas/aula, coordenadas pelo preparador de elenco Luiz Mario Vicente. A equipe, além do preparo técnico, teve a preocupação em colaborar com o desenvolvimento pessoal dos garotos.

Segundo Cortez, a participação dos 40 adolescentes, selecionados entre 1,2 mil que fizeram o teste, levou naturalmente ao surgimento da iniciativa: as Oficinas Querô – Empreendedorismo e Cidadania através do Cinema, em parceria com a Unicef e diversos parceiros locais. Primeiro foi criado um projeto-piloto, em Santos, que hoje está em seu segundo ano.

A cada semestre são selecionados mais 40 jovens para os filmes de curta-metragem orientados por grandes profissionais do audiovisual brasileiro. Eles se dedicam a todas as fases que uma produção exige: desde a idealização, feitura de roteiro, planejamento, elaboração de projeto executivo até sua viabilização financeira, produção, finalização e lançamento público. Complementam as atividades oficinas de informática, de expressão verbal, de gestão e administração, de cidadania e passeios culturais.

Um dos produtos realizados nas oficinas é o documentário Eu fiz Querô, dirigido por Samuel de Castro e Eduardo Bezerra, ambos atores do longa, em conjunto com Carlos Cortez. O protagonista Maxwell Nascimento também atuou à frente da pesquisa de imagens.

Montado a partir de 150 horas de gravações, o longa-metragem Querô mostra como foram as seis semanas que os 40 garotos tiveram para ensaiar suas habilidades.

Oficinas Querô – Na Fundação Casa, ocorrerão as mesmas atividades. As oficinas serão coordenadas pela Gullane Filmes e ministradas por integrantes do elenco, entre outros profissionais. O convênio estabelecido prevê a aquisição de equipamentos e a contratação dos “professores atores”. Inicialmente, o curso será realizado nas unidades de São Vicente e do Guarujá, porém, a intenção é ampliá-lo às várias unidades do Estado.

“Por meio da produção de filmes, vamos trabalhar os valores de nosso ofício pedagógico”, diz Marisa Fortunato, gerente de Arte e Cultura da Fundação Casa. “O uso da arte, em geral, faz com que os adolescentes expressem as emoções e ampliem o repertório expressivo e a capacidade de compreensão do mundo”, afirma.

Temática – Houve outro bom motivo para a reunião dos funcionários em torno do filme Querô: a proposta de reflexão sobre a obra, baseada num texto de Plínio Marcos, que aborda o problema da infância abandonada e da violência incorporada às instituições de recuperação juvenil. “Precisamos trabalhar com essa temática para alertar os funcionários de que é necessário, sempre, refletir sobre a cultura que marcou a antiga Febem por anos”, diz Berenice. “Nós conseguimos mudar esse quadro, mas temos de incentivar sempre a reflexão como meio de impedir retrocessos”.

Presente à exibição, a diretora da Unidade Internação Provisória 7–Brás (UIP 7), a assistente social Sônia Regina Cesáreo, funcionária há 12 anos da Fundação, diz que o filme retrata as conseqüências da falta de política pública e da exclusão. “É uma situação de brutalidade que a gente vem tentando mudar com projetos de educação, cidadania e respeito”, explica.

Sônia informa que no dia-a-dia é travada uma batalha grande para não ter mais o tipo de unidade retratado em Querô e que a maior luta é conseguir que as pessoas enxerguem a instituição com bons olhos. Ela considera o filme um excelente instrumento para a conscientização dos funcionários e dos internos. “Gostei muito”, conclui.

Obra de denúncia – O livro Querô foi escrito em 1976 pelo dramaturgo santista Plínio Marcos. O romance conta a história de um menino que poderia ser qualquer um dos que vivem abandonados pelas ruas do Brasil. Foi premiado como o melhor do gênero, no mesmo ano de seu lançamento, pela Associação dos Críticos de Arte.

Ambientado no cais santista, conta a trajetória de Jerônimo, apelidado de forma constrangedora de Querosene. Ele é filho de Piedade, prostituta que entra em desespero ao ver-se só com o menino recém-nascido e decide se suicidar com querosene. Daí o apelido.

Criado com maus-tratos pela violenta Violeta – dona do prostíbulo em que sua mãe trabalhava –, chega à adolescência sem estrutura e envereda pela marginalidade. Comete pequenos furtos, acaba internado num reformatório e lá enfrenta e protagoniza mais violência. Ao sair, sonha com uma vida melhor, tenta arrumar trabalho, mas é novamente levado pelas circunstâncias ao mundo do crime, do qual não consegue mais sair. Na publicação, assim como no filme de Cortez, Querô, em seu leito de morte, conta a sua vida a um jornalista que escreverá a Reportagem Maldita.

Leia também:

Querô: “Meta é educar o olhar”

Simone de Marco

Da Agência Imprensa Oficial