Fundação Casa: Respeito ao jovem e capacitação profissional

Berenice Giannella, em entrevista exclusiva ao Portal do Governo do Estado de São Paulo, fala sobre o modelo de sucesso da Fundação Casa

ter, 02/06/2009 - 18h25 | Do Portal do Governo

Atividades esportivas, redução de 29% para 14% no índice de reincidência e desenvolvimento de diversas atividades esportivas e culturais marcam, atualmente, o dia a dia dos internos do Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa).

Assim que assumiu a presidência da Fundação Casa, Berenice Giannella colocou em execução o novo modelo dos prédios das unidades. Nele, os locais onde permanecem os menores fogem completamente ao padrão de carceragem. Os espaços são denominados dormitórios, onde permanecem no máximo quatro adolescentes. Ao todo, existem espalhadas pelo Estado 44 unidades de internação, sendo que 42 tem capacidade para abrigar no máximo 56 adolescentes em cada. Este modelo difere bastante das antigas unidades da extinta Febem, que chegava a abrigar, como foi o caso do complexo do Tatuapé, 1.800 jovens infratores.

Durante uma entrevista, Giannella explicou todo o trabalho realizado com menores infratores que estão sob custódia do Estado, o que está sendo feito para reinserir estes adolescentes ao convívio social e, antes disso, mostrar-lhes que definitivamente o crime não compensa, muito menos pode fazer parte de suas vidas. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Como foi possível desenvolver um trabalho dentro da Fundação Casa para apagar aquela imagem da antiga Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem), em que rebeliões, fugas e motins ocorriam com frequência?

Berenice Giannella: Eu assumi a presidência da Fundação Casa dia 7 de junho de 2005 em meio a rebeliões e tumultos. Entre janeiro e maio de 2005 foram registradas 65 rebeliões na Fundação, um número absurdo de fugas, tumultos e diversos funcionários machucados. Logo imaginei que a gente precisava pensar em algo que fosse emergencial. E eu tinha uma preocupação muito grande em tomar medidas de médio e longo prazo. Não poderíamos tomar medidas paliativas ou pirotécnicas. Era preciso pensar em uma reformulação da Fundação, em algo que pudesse ser de fato diferente. Quando assumi a presidência, já havia uma determinação do governador de que fosse feita uma descentralização das unidades. Para isso foi autorizada a construção de 41 novas unidades.

Como são escolhidas as áreas que abrigarão uma unidade da Fundação Casa?

BG: Dentro de um critério técnico, ou seja, nós buscamos terreno nos locais onde existe demanda. Não construímos unidades num município onde não existe demanda. Então, a ideia era exatamente buscar os grandes municípios onde tinha mais demanda de unidades de internação para poder construí-las. A partir daí foi iniciada a construção das unidades e havia também uma determinação do governo para desativar o complexo do Tatuapé, que na época era o maior complexo, onde existiam 17 unidades com aproximadamente 1.800 jovens.

À época em que a senhora assumiu a presidência da Fundação Casa, como estava a distribuição dos menores pelo Estado? 

BG: Existia 82% dos jovens do Estado na Capital e só 18% fora de São Paulo. O interior responde por aproximadamente 55% dos jovens internados e a Capital pelos outros 45%. A distribuição estava errada. O jovem do interior cumpria sua medida em São Paulo e em unidades grandes, porque o modelo que a Fundação sempre adotou foi o de grandes complexos.

A má distribuição dificultava o tratamento destes jovens?

BG: Além de existirem unidades muito lotadas, a distância do adolescente com a sua comunidade, com a sua família, é muito ruim, porque não era possível fazer um atendimento adequado à família. A própria reinserção do jovem na comunidade ficava prejudicada.

A descentralização propicia um atendimento muito melhor. Trabalha-se com unidades pequenas e com poucos jovens, possibilitando sua proximidade com a família. Em grande parte dos casos a família é co-responsável, quando não a principal responsável, pela própria conduta do adolescente. Muitas vezes a mãe está presa, o pai também, ou ambos cumprem penas.

Qual é a participação dos municípios no processo de ressocialização destes menores infratores?

BG: A partir do momento que existe uma unidade em determinado município, exige-se que a prefeitura e a comunidade se envolvam. A maioria das unidades é gerida em parceria com uma ONG ou entidade do município que já tenha algum trabalho com crianças e adolescentes. Com isso, além de aproximar os menores à família, é possível trazer a comunidade para dentro da unidade. Passa-se então a ter pessoas da sociedade civil trabalhando dentro da Fundação.

Isso facilita também para a diminuição do preconceito. Obviamente a entidade que é do município tem melhores condições de avaliar o potencial econômico da região e, consequentemente, escolher melhor quais são os cursos profissionalizantes, quais são as tarefas que o jovem pode aprender, bem como qual o mercado de trabalho local.

Todas as unidades no Estado hoje seguem esse novo modelo?

BG: Ainda não porque existem muitas dificuldades em construir unidades no interior. Uma das regiões mais críticas é a que compreende as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema. Até hoje não foi possível construir uma unidade sequer nestes municípios que, juntos, internam mais de 300 jovens por mês.

Além disso, este novo modelo favoreceu muito para o fim das superlotações nas unidades da Fundação. Hoje 99% das unidades trabalham com suas capacidades abaixo do que elas tinham em 2005.

Qual a diferença do treinamento dado ao servidor público hoje em dia?

BG: Foi criada uma escola para formação e capacitação profissional para todos os servidores. Sentiu-se a necessidade de melhor preparar estes profissionais para que, o pessoal da segurança, por exemplo, fossem vistos menos como segurança e mais como educadores, como exemplos aos jovens.

Com essa nova filosofia de trabalho, os funcionários passaram a utilizar no dia a dia as regras do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que complementa uma série de determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os servidores passaram a ser treinados tomando como base estas regras.

Qual e o perfil do jovem internado na Fundação Casa?

BG: A maioria entra na Fundação com uma imensa defasagem escolar. A população média é de 16 e 17 anos, só que quase todos estão no ensino fundamental quando já deveriam estar no ensino médio. Por isso é que na Fundação este jovem tem todo o ensino ministrado pela Secretaria Estadual de Educação.

O jovem da Fundação Casa pertence à classe pobre e média baixa. Vem crescendo bastante o número de adolescentes de classe média na Fundação. Há alguns anos atrás quase todos eles eram de classe muito pobre, eram meninos de rua. Atualmente já tem bastante jovem de classe média e isso é atribuído às drogas. São geralmente pardos, católicos e sem atendimento médico nenhum. Muitos jovens que entram com 16 anos e a primeira vez que ele consultou um dentista foi na Fundação.

Quais os delitos cometidos por estes jovens da classe média?

BG: Normalmente crimes voltados às drogas, seja ele uso de entorpecentes, tráfico, roubos, furtos, homicídios, enfim, algo relacionado ao narcotráfico. Inclusive ao longo dos anos, houve um crescimento de mais de 100% na entrada de jovens envolvidos com o trafico de drogas.

Infelizmente o tráfico hoje é o grande empregador do jovem que não tem oportunidade. Então, este adolescente tem poucas oportunidades de trabalho, fazendo com que vá trabalhar para o tráfico. São poucas as oportunidades de lazer, então, ele se envolve com pessoas que lhe dão de alguma forma alguma importância. O jovem e o adolescente tem a necessidade da auto-afirmação, então traficando ele tem dinheiro, tendo dinheiro ele consegue comprar a moto que quer, o tênis desejado. Atualmente cerca de 40% dos internos da Fundação Casa estão privados de liberdade devido ao envolvimento com o tráfico.

Como está o trabalho de Liberdade Assistida em parceria com as prefeituras?

BG: A Liberdade Assistida é uma medida autônoma no Estatuto, então ela pode funcionar como primeira medida, ou seja, se o dependente pratica um ato infracional pouco grave ou leve, o juiz não precisa internar. É concedida então a Liberdade Assistida ao jovem. Ele permanecerá internado e o juiz avaliará sua evolução. A Liberdade Assistida deve ser sempre cumprida no município. Isso acontece porque ela é uma medida que se cumpre em liberdade. A Fundação sempre executou a LA por meio de seus funcionários ou por convênios com entidades da sociedade civil e prefeituras. A partir de 2005, iniciou-se o processo de municipalização. Hoje são 219 prefeituras atendendo os jovens. Cabe a Fundação preparar os profissionais das prefeituras para esse atendimento. Isso é feito em parceria com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado.

Os internos tem aulas dentro das unidades?

Sim. O ensino formal fica a cargo da Secretaria da Educação. Além disso, existem três áreas que atuam fortemente, que é o esporte, a arte, a cultura e a educação profissional que, em parceria com o Centro Paula Souza, são oferecidos cursos profissionalizantes.

Na área de arte e cultura existem várias parcerias com entidades, sendo que algumas delas são vinculadas à Secretaria da Cultura. Existe o Projeto Guri, oficinas de teatro, dança de rua, cinema, rádio, entre outras. Na área de esportes, existe um calendário anual. A cada dois meses acontece um campeonato de alguma modalidade. O ano começa com futebol de campo, depois é a vez do vôlei, basquete, xadrez etc. As unidades jogam entre si nas regiões e depois acontecem as finais que são disputadas em São Paulo.

Se compararmos a quantidade de rebeliões na Febem com os números registrados atualmente, o que teremos?

BG: Em 2005 foram registradas o ano inteiro 53 rebeliões. Esse número veio caindo e registrou apenas três no ano passado e este ano não foi registrada nenhuma.

Qual é o segredo para fazer com que a mesma Fundação dê esta volta por cima e adote um modelo que apresente tantos resultados positivos?

BG: Toda a equipe da Fundação tem trabalhado muito com o planejamento e a execução. Desde 2005 são realizados encontros com os funcionários para fazer o planejamento estratégico da Fundação. Tudo o que é feito é planejado com os funcionários e com os diretores de unidades. Todos os funcionários são ouvidos, fazendo com que todos sintam participantes.

Para mudar não adiantava aumentar a segurança das unidades e pensar que isso acabará com rebeliões. Quando assumi resolvi investir na capacitação dos funcionários, na melhoria do atendimento, na individualização do atendimento. Por fim, o segredo é trabalhar com moderação e ponderação. É muito importante tratar bem tanto o funcionário quanto o adolescente e procurar equilibrar as ações.