Fundação Casa adota o esporte para oferecer qualidade de vida aos internos

Práticas esportivas são as mais variadas e mantêm corpo e mente em constante equilíbrio

ter, 15/01/2008 - 10h40 | Do Portal do Governo

O esporte pede passagem na Fundação Casa este mês. Além disso, várias são as modalidades programadas para todo o ano. O pontapé inicial fica por conta da Copa Casa de Futebol (campo). Na seqüência, futebol de praia, festival de cultura urbana (skate, basquete de rua, grafite, rap, dança de rua), encontro de atletismo (olimpíada), campeonato de xadrez, jogos cooperativos e outras atividades que farão a meninada suar e raciocinar. Objetivo é manter a auto-estima e a qualidade vida dos internos infratores que cumprem medidas socioeducativas na Fundação, previstas em lei.

De acordo com programação da gerência de esportes da Fundação Casa, os jogos de campo e de quadra estão com calendário definido. As equipes de futebol de campo competirão entre janeiro e março. Em abril e maio, será a vez do basquete, vindo a seguir, em junho e julho, o voleibol. O futebol de salão será disputado em agosto e setembro e o handebol, nos dois últimos meses do ano.

Em outubro, a meninada se reúne no Complexo Esportivo do Ibirapuera, na capital, para a III Olimpíada da Casa, à semelhança dos eventos internacionais. Acima de 50 unidades de internação estarão disputando medalhas em dezenas de práticas desportivas. A professora de educação física da fundação, Ivani Moreno, informa que durante cinco dias as equipes ficarão alojadas no Ibirapuera. Cada uma delas ostentará uniforme com cores e designs diferentes, cedidos por empresas patrocinadoras. No ano passado, participaram 57 equipes, algumas vindas dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Sagrou-se campeã a turma do Guarujá, na Baixada Santista, que levou para casa três medalhas de ouro, uma de prata e outra de bronze. “A festa foi acompanhada por atividades culturais, exibição de bandas, fanfarras e atrações circenses”, lembra a professora Ivani. Inúmeras ONGs são parceiras na Olimpíada da Casa.

Márcio Moraes, da gerência de Educação Física e Esportes, conta que as disputas internas estão sujeitas a três níveis de participação. No primeiro, chamado de jogos cooperativos, o objetivo mor consiste em promover a interação entre os adolescentes. No futebol, por exemplo, numa mesma partida, o jogador atua tanto no gol como na linha.

A segunda etapa centra-se nos jogos competitivos, os quais preparam as equipes para os campeonatos que se realizam durante o ano. Na terceira e última etapa, o intelecto, o raciocínio e a concentração dos internos são estimulados pelos jogos de tabuleiro: dama e xadrez. O lúdico marca presença no pebolim e pingue-pongue. Para finalizar, exercícios de ioga, os quais vão manter a turma zen e ensiná-la a valorizar a contemplação intuitiva mediante o autoconhecimento.Xeque-mate – Moraes observa que a prática do xadrez na Casa, iniciada em 2002, superou as expectativas. Hoje, 350 funcionários da fundação ensinam este jogo secular e universal aos adolescentes. “Mais da metade dos internos sabe o correto movimento das pedras sobre o tabuleiro”, assegura.

A professora Ivani lembra que 91 jovens participaram da final do campeonato de xadrez, em novembro do ano passado. O ganhador foi o garoto Ivailton, da unidade de Marília. O troféu, réplica de um dos dois cavalos, é itinerante. Permanece um ano com a unidade vencedora. Aquela que conseguir três campeonatos, fica com sua posse definitivamente. “É como a Taça Jules Rimet, que o Brasil assegurou em 1970, no México”, brincam Ivani e Moraes.

Em julho do ano passado, aconteceram partidas simultâneas entre os enxadristas da Casa e dois grandes mestres brasileiros: Alexander Fier e Rafael Leitão. Para que a disputa se realize, a Federação Paulista de Xadrez doa os tabuleiros e as pedras todos os anos. Desafios – O gerente de arte e cultura da Fundação Casa, Guilherme Astolfi Nico, relata que os internos participam até de competições internacionais, como o Dia do Desafio, organizado pelo Sesc, sempre em maio, no qual a cada ano duas cidades de países diferentes competem. No ano passado, São Paulo desafiou a mexicana Guadalajara. Há também o Dia do Agito, atividades físicas organizadas pelo centro de estudos Celafiscs, de São Caetano do Sul.

Os jovens adeptos do atletismo participaram de famosas corridas de rua no ano passado: a Meia Maratona do Rio, Corrida da Tribuna, 10 quilômetros Unicsul e a São Silvestre. Nesta última, nove meninos das unidades de Marília, São Vicente e Pirituba cumpriram o percurso em tempo médio de uma hora e 15 minutos. O campeão, o queniano Robert Cheruiyot, necessitou aproximadamente de 45 minutos para romper a fita.

Como gente grande

Cinqüenta e duas unidades da Fundação no Estado começam a disputar este mês a IV Copa Casa de Futebol. Na primeira fase, os jogos serão regionais e realizados nas cidades de São Paulo, Campinas, Lins, Cerqueira César, Franco da Rocha, Santos e Suzano. Classificam-se oito times para as semifinais e as finais, em partidas realizadas nas preliminares dos jogos oficiais do Campeonato Paulista de Futebol.

A primeira partida da semifinal será realizada antes do clássico Corinthians e Palmeiras, em 2 de março, na capital. Pela tabela da Federação Paulista de Futebol, o time mandante é o do Parque São Jorge. A final poderá ser na abertura de outro clássico, no final de março. Os árbitros serão da FPF.

A grande novidade, informa Márcio Moraes, é que depois da partida os jovens craques subirão às arquibancadas para assistir ao jogo principal com suas famílias, como convidados vips da FPF. “Com certeza, esse momento ficará marcado para o resto de suas vidas”, profetiza Moraes.

No ano passado, participaram 700 adolescentes de 41 equipes. Depois de 34 jogos, o último no Morumbi, conheceu-se o campeão: o Rio Dourado, de Lins. Foram anotados 172 gols.

Das ruas ao tatame

O jovem Thauan Felipe de Souza, de 18 anos, foi considerado o atleta do ano em 2007 no caratê, categoria interestilos. Antes conquistara o campeonato paulista e o vice nacional. Relatado dessa forma, parece ser uma notícia comum, não fosse o fato de Thauan ter sido interno da Fundação Casa por quase todo o ano, na unidade Ribeirão Preto, da qual saiu e retornou à sua família pouco antes do Natal.

O diretor da unidade, Cezar Augusto Soares, relata que o garoto veio transferido de São José do Rio Preto, no início de 2007. Em Ribeirão, mostrou disciplina e participação, qualidades que lhe abriram chance na turma que praticava caratê. E Thauan não parou mais de evoluir. Aperfeiçoou seus segredos e técnica com Eduardo Michelin, funcionário da fundação que estabeleceu essa prática marcial na unidade.

César Augusto informa que Thauan passou a ser exemplo para os demais colegas. Hoje, dos 300 internos, aproximadamente 40 participam das aulas do professor Michelin. No dia em que deixou de ser interno, já federado, Cauan levou na mochila carta de apresentação da diretoria da Casa Ribeirão para continuar sua prática numa academia de Araraquara, região onde mora. É presença confirmada no Pan-Americano de interestilos e no mundial, na Espanha.

Lições do Superzé

Ele foi um dos maiores laterais-direitos da história do Corinthians e do Brasil. Vestiu também as camisas da Portuguesa de Desportos e da Seleção Nacional. Hoje, Zé Maria mostra o que aprendeu aos jovens internos da Fundação Casa. Como supervisor de esportes e futebol, percorre há oito anos as unidades no Estado, para aconselhar, ensinar, treinar e até procurar times para que o menino talentoso possa treinar quando deixar a internação.

O nome Zé Maria abre portas. Na organização de campeonatos, não só de futebol, procura patrocinadores, prefeituras, federações esportivas, clubes e associações comunitárias. Para praticar futebol, é necessário arrumar um campo com os parceiros, pois as unidades da fundação só comportam quadras. “Os meninos buscam uma oportunidade para se inserirem na sociedade. O esporte, acredito, é um dos melhores caminhos”, assegura o craque, titular da Seleção Brasileira na Copa de 1974.

Zé Maria cobra muito da meninada. “Eles têm de mostrar interesse, disciplina e boas notas na escola. Nenhum ex-interno, porém, se consagrou nos campos, porque depois que deixam a fundação o vínculo é interrompido, e cada um vai seguir sua vida”. Ele lembra com saudade de um meia-esquerda habilidoso, de nome curioso, Hamisterdan, que poderia ser um craque. No entanto, o garoto, que hoje deve ter 22 anos, não deu mais notícias.

Mesmo assim, Zé Maria tem dois exemplos de jogadores que iniciaram suas carreiras recentemente. Um deles é o garoto Clóvis, que disputou a segunda divisão do Paulistão 2007 pelo São Bernardo, depois de permanecer três anos na Casa. Outro destaque é a garota Erika Teixeira Martin, que começou na unidade de Parada de Taipas, na zona oeste da capital, e hoje pertence ao time feminino do Botucatu Futebol Clube.

O maior sonho de Zé Maria é montar equipes com meninos da fundação para disputar a Copa São Paulo de Futebol Júnior. Para isso, porém, é necessário realizar parceria com algum clube paulista filiado à FPF.

O craque recebeu o apelido de Superzé da crônica esportiva de São Paulo, nos anos 70. Em 1977, o Corinthians venceu a Ponte Preta por um a zero, tornando-se campeão paulista após 22 anos de jejum. A glória do título coube a Basílio, autor do gol. Mas o corintiano da gema não esquece que foi Zé Maria quem cruzou a bola para a área, antes de chegar aos pés de Basílio. “Foi um gol chorado”, lembra Superzé, com saudade do jogo histórico.

Em cima das rodinhas

Em 2000, a Fundação Casa convidou turma de 15 skatistas para se apresentarem aos internos. Entre os esportistas estava Sandro Soares, que gostou da idéia e passou a ensinar voluntariamente a meninada a se equilibrar na famosa pranchinha com rodas. Em 2004, Sandro passou a ser funcionário da fundação, onde continua sua missão. Ele tem 15 anos de carreira e já disputou várias provas do circuito paulista de skate.

Sandro conta que atualmente 15 unidades da Casa têm jovens adeptos do esporte . “Procuro passar um dia por semana em cada local, com turmas de manhã e à tarde, sempre fora do horário escolar”, observa o skatista e professor. Os praticantes recebem, além do skate, equipamentos de segurança.

Recentemente, o cantor Chorão, da banda Charlie Brown Jr, adepto do skate, deu de presente para a fundação cinco rampas de um metro de altura para a meninada treinar. “Fiquei muito feliz com esta atitude do Chorão, que, aliás, já o admirava antes,” agradece Sandro.

Seu primeiro contato com o esporte foi há 15 anos. Naquele Natal, seu pai ganhou dois presentes da empresa em que trabalhava: um submarino e o skate. O primeiro tinha o nome de Sandro e o outro, o de seu irmão maior. Sandro não pensou duas vezes. Trocou os nomes e ficou com o skate. Seu irmão só veio a saber a verdade recentemente, por meio de uma reportagem sobre skate na televisão.

Da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)