Especial do D.O.: Conselho Estadual da Condição Feminina busca novas formas de atuação na sociedade

Voluntariado, estagiários e paradigmas diferenciados dão mais visibilidade à instituição e suas ações

seg, 08/01/2007 - 12h54 | Do Portal do Governo

 Quem vê Roberta entrar no escritório do Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), sorrindo e brincando com os colegas, não imagina que essa jovem era, até pouco tempo atrás, mais uma vítima de violência doméstica. “Após dez anos de humilhações, procurei ajuda de meus familiares. Hoje, auxilio mulheres que telefonam desesperadas ou que aparecem aqui para relatar suas histórias e pedir ajuda”, afirma Roberta. Ela não é a única funcionária do CECF que sofreu esse tipo de violência. “Somente neste ano, mais duas mulheres que trabalham aqui, vindas da Frente de Trabalho, sofriam abusos dos maridos e companheiros”, informa Anelise Botelho, presidente da entidade.

O CECF existe há 23 anos, e é uma conquista do movimento de mulheres do Estado de São Paulo. Foi criado por meio do Decreto 20.892, de 1983, e institucionalizado pela Lei 5.447, de 1986. Está ligado diretamente à Casa Civil.

Nesse período, o CECF passou por sucessivas direções e mudanças. Anelise, a atual presidente, é formada em Serviço Social e está à frente da instituição desde setembro de 2005. “Trabalhar com todas as questões que envolvem a mulher é estimulante. Somos sensibilizadas a modificar o quadro de desigualdade e de submissão em que as mulheres brasileiras ainda vivem. A maioria dos companheiros acredita que violência só ocorre fora dos seus lares e que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, diz Anelise.

O CECF dispõe de equipe multidisplicinar de profissionais e estagiários nas áreas de assistência social, psicologia, comunicação social, gestão de políticas públicas e administração, além de uma equipe de conselheiras (32 no total), das quais 1/3 estão ligadas às instituições governamentais e 2/3 representam diversos segmentos da sociedade civil. O objetivo é ajudar mulheres como Roberta a encontrar o melhor caminho para sair do círculo de violência.

“As mulheres que vêm até aqui ou que ligam para o CECF são de todos os níveis sociais e recebem toda a atenção necessária. Estudamos o caso e encaminhamos para os serviços assistenciais: policial (Delegacias da Mulher), jurídica, saúde etc. Nos casos mais graves, as mulheres e seus filhos são encaminhados para abrigos. Após o encaminhamento, o caso continua sendo acompanhado, mas, algumas vezes, a vítima desaparece e não temos como acompanhar mais a situação”, explica Anelise.

Mudança no comportamento – Anelise diz que instituições como o CECF têm como objetivo fortalecer as mulheres, para que não sejam mais vítimas. Há preocupação também com os homens, estimulando-os a refletir acerca de suas fraquezas e de seus impulsos. Muitas vezes, eles não falam de seus sentimentos, por considerarem essa manifestação sinal de falta de masculinidade. “Tentamos mostrar que a violência doméstica também é ruim para os homens. Essa atitude contra a mulher prejudica toda a família. Sofrem os filhos, os parentes próximos e até mesmo o autor da violência”, afirma Sílvia Stocco, psicóloga e conselheira do CECF.

Depressão, baixa auto-estima, medo, envolvimento com drogas ou álcool. Esses sintomas ocorrem com as mulheres agredidas. Não foi diferente com Roberta, que perdeu tudo: amigos, emprego, estudos e submeteu-se a uma rotina de violência. O longo percurso de perda da sua identidade durou dez anos. “O tempo pode parecer longo para quem está fora da situação, mas a mulher vítima acredita, na maioria das vezes, que é culpada pela situação ou que o companheiro com o tempo poderá mudar”, diz Sílvia.

“A violência é tão corriqueira que muitos homens não a identificam. Muitos pais que abusam sexualmente de suas filhas acreditam que podem fazê-lo porque têm o direito de posse”, afirma Cláudia Luna, advogada e conselheira do CECF.

Os maridos e companheiros agressores apresentam as seguintes características: baixa auto-estima, insegurança e famílias com histórico de violência doméstica. A psicóloga explica que alguns autores de violência demoram para reconhecer a agressão doméstica como violência: “Eles acreditam que violência é outra coisa. Dar tiro na rua, por exemplo”.

Biblioteca do CECF é referência

Quando o assunto é o universo feminino e o movimento feminista, a biblioteca do CECF é referência. O acervo da instituição, que contém documentos históricos, está sendo catalogado por 20 alunos da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec), sob a supervisão de dois professores.

O CECF lançou diversas cartilhas sobre os principais problemas das mulheres. Em 2001, publicou pesquisa que mostrava a situação das mulheres rurais no Estado de São Paulo. Neste ano, foi a vez da cartilha Mulher e Trabalho, que tem como foco o mercado profissional feminino na Região Metropolitana de São Paulo. O estudo demonstra que, após longo período de crescimento, a proporção de mulheres que participam do mercado de trabalho Grande São Paulo permaneceu estável em 2005 (55,5%), embora no maior nível desde 1985. Em 2005, o rendimento anual médio das mulheres ocupadas na região equivalia a R$ 813, enquanto o dos homens era de R$ 1.267.

Atualmente, o CECF procura caminhos para melhorar sua participação na sociedade. Uma das mudanças é ampliação do quadro de estagiários e a adesão de voluntários que trabalham na instituição. Neste ano foi lançada a cartilha Violência Doméstica e Familiar – Conhecer e Combater, que trata da Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha (leia abaixo). A cartilha foi distribuída no 1o Fórum de Debates, realizado na capital paulista, no dia 9 de outubro. O material pode ser encontrado na sede da instituição. “As mulheres devem ter conhecimento da nova legislação e reivindicar seus direitos. Só com muita informação essa situação poderá ser revertida”, afirma Cláudia.

O convite de Anelise à psicóloga Sílvia Stocco para participar das atividades veio em boa hora. Sua experiência com casais e relações familiares ajuda mulheres que procuram o CECF a saírem do círculo de violência a que estão submetidas. “Aquelas que procuram nosso auxílio nunca saem sem uma resposta. Encaminhamos todos os casos e sempre acompanhamos sua evolução. Geralmente, elas chegam sem perspectiva e saem reconfortadas, com esperança de que sua vida pode ser modificada. Podem voltar aqui quantas vezes forem necessárias, porque nossas portas estão sempre abertas”, diz Anelise.

Lei Maria da Penha, mudando o quadro de violência no Brasil

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que quase metade das mulheres assassinadas são mortas por marido ou namorado, atual ou ex. A violência responde por aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 e 44 anos no mundo. Em alguns países, até 69% das mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente e até 47% declaram que sua primeira relação sexual foi forçada.

Cláudia Luna, advogada do CECF, diz que “a violência contra a mulher não é tratada com o devido rigor, apesar de o tema ser regido pela Lei 9.099/95, que criou o Juizado Especial Criminal e tratava especificamente de infrações penais de menor potencial ofensivo: agressão física sem causar lesão, ameaças, lesão corporal leve. Os próprios operadores do Direito (advogados, juízes e promotores) tratam a mulher ora como pivô ora como vítima. Essa dualidade torna difícil aplicar a pena correta para o agressor, que, muitas vezes, sai impune”.

Esse quadro poderá ser revertido com a nova Lei Maria da Penha (11.340/2006), de 7 de agosto de 2006. A nova legislação tipifica e define a violência doméstica contra a mulher. O agressor deixará de pagar penas pecuniárias, como doação de cestas básicas e multas, e poderá sofrer pena de prisão de três meses a três anos.

Prisão – A nova legislação estabelece as formas de violência doméstica contra a mulher nos níveis físico, psicológico, sexual, patrimonial e moral. Mulheres homossexuais que são agredidas por suas companheiras também poderão se valer da lei, segundo a qual a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.

As denúncias contra o agressor só poderão ser retiradas na presença de um juiz, e não mais na delegacia. “Muitas mulheres denunciavam seus companheiros após as brigas, mas, pressionadas por seus familiares ou pela situação financeira, desistiam de delatar os agressores”, informa Cláudia.

Os autores das agressões poderão ser presos em flagrante, ou ter sua prisão preventiva decretada, quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher. O juiz poderá determinar seu comparecimento obrigatório a programas de recuperação e reeducação.

No caso da violência doméstica cometida contra mulheres portadoras de deficiência, a pena será aumentada em 1/3. “Acredito que com a nova legislação a história de que roupa suja se lava em casa será modificada”, afirma a presidente do CECF, Anelise Botelho.

Maria Lúcia Zanelli – Da Agência Imprensa Oficial

 

(AM)