Especial D.O.: Escola Jardim Iguatemi reúne alunos e professores para debater filosofia

Projeto, que abrange os estudantes a partir da 5ª série do ensino fundamental, terá seu ponto alto neste mês, com realização de um simpósio

seg, 18/09/2006 - 15h32 | Do Portal do Governo

Os 2.300 alunos da Escola Estadual Jardim Iguatemi, na zona leste da capital, passaram os últimos meses do ano letivo ansiosos e curiosos. Tudo por conta do projeto Os Filósofos, no qual grande parte da escola (a partir da 5a série do ensino fundamental) está envolvida. Nos dias 21 e 22 deste mês, o projeto chega ao seu ponto alto, com o Simpósio de Educação Filosófica, que reunirá debatedores, educadores convidados e os estudantes da escola. O evento se estenderá pela manhã, tarde e noite.

No interior da escola, o grande debate começou nas salas de aulas e nos corredores das paredes forradas de desenhos de mais de 50 filósofos, entre os quais Pitágoras, Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, São Tomás de Aquino, Nietzsche e Marx. Cada classe, de aproximadamente 45 alunos, tem um filósofo como patrono, cujo nome está gravado na porta.

Os três períodos- matutino, vespertino e noturno – desfrutam da “companhia” de mais de 50 mestres. Feito isso, segundo a diretora Suzy Rocha Ribeiro, os trabalhos foram iniciados, envolvendo intensa pesquisa e leitura sobre a obra do patrono escolhido. “É comum cruzar com crianças de 10 anos comentando Filosofia ou com jovens do ensino médio entusiasmados com a leitura de Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, a ponto de adaptá-la para o teatro da escola”, conta, com uma pitada de orgulho. “Não é fabuloso?”

Muitas perguntas

Em meio a um grupo de alunos chamam a atenção Lyon Ribeiro Silva, Cauê Massi Correa e Jonas Gonçalves da Silva, da 5a série. Aos 11 anos, eles se concentram com vigor nas lições da professora de História, que os preparou para uma encenação durante o simpósio. Juntos, prometem fazer bonito no encontro, dando os últimos retoques no diálogo, de autoria de Lyon, que será interpretado por Cauê e Jonas.

Lyon explica: “O texto é uma espécie de bê-á-bá da Filosofia, em que um colega indaga ao outro a respeito de onde surgiu, da sua importância, dos primeiros filósofos”. E ele próprio aproveita a deixa: “Filosofar é fazer muitas perguntas – quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Na época do surgimento da Filosofia era importante que todos soubessem falar e dominar suas idéias. Eu mesmo, depois da Filosofia, participo mais das aulas, fiquei mais questionador”.

Criada há nove anos, a Escola Jardim Iguatemi contornou vários problemas de uma só vez: lá não existem pichações, não há evasão escolar, se acontecer de um professor faltar, as aulas são dadas por um substituto, a escola é aberta para a comunidade, não há registro de violência, nem casos de gravidez precoce. Some-se a isso a preocupação com o prédio, desde a sua construção. Vale destacar a conservação de suas 16 salas, com brilho de encerado no piso, corredores coloridos com plantas e vasos de violeta.

Ânimo e disposição

Trata-se de escola modelo, diferente das demais da região, muito pobre e violenta, ressalta a diretora: “Tudo aqui foi conquistado com muita luta e briga. Como a maioria das famílias veio para cá numa situação de ocupação, lutaram para ter a luz, o asfalto, a linha de ônibus. A escola foi uma dessas conquistas. A comunidade é presente e exigente em tudo. Quando assumi, queria fazer o diferencial com relação ao pedagógico, porque as demais questões estavam bem estruturadas”.

Só um problema martelava a cabeça da diretora: os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) não eram satisfatórios. Ao contrário, estavam num ponto crítico, avaliados na cor laranja.

Sob a orientação e liderança de Suzy Rocha, os professores criaram e organizaram projetos de pesquisas com os alunos. O primeiro deles, em 2002, teve como tema Pintores. Cada sala de aula, no lugar de receber letras tipo A, B, C, D, E, passou a ter o nome do patrono. Nasceram, dessa forma, as salas Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, por exemplo, num total de 53 pintores.

“Foi uma revolução”, diz Suzy. “Primeiro, porque as pessoas, ao procurar a sala pela letra, davam de cara com o nome de um artista plástico famoso numa placa colada à porta. Depois, porque conseguimos envolver cem por cento dos alunos e dos professores. Os professores eram preparados, estudavam as obras de arte. A cada bimestre havia uma pausa nos trabalhos para se receber pessoas ligadas à arte, convidados, especialistas no assunto”. O projeto foi concluído com a pintura de 58 obras de arte reproduzidas por alunos no muro da escola. Um momento emocionante, de acordo com a diretora: “A comunidade inteira participou, as mães dos alunos traziam água e almoço para os filhos concentrados na pintura, houve partida de futebol no encerramento”.

No ano seguinte, outro projeto – Escritores -, na mesma linha do anterior, movimentou a escola. Na seqüência, Os Países, e, no ano passado, Os Cientistas. “Cerca de 2 mil livros, de Monteiro Lobato aos clássicos, foram lidos no decorrer de Os Escritores”, garante a diretora. Suzy explica que o exercício da leitura aconteceu com os professores de todas as disciplinas, numa relação de ajuda mútua.

O efeito interno provocou ânimo e disposição nos alunos, que abraçaram outros projetos. “Sem contar os resultados positivos do Enem e do Saresp”, afirma a diretora. Outro entusiasmado com os projetos é o coordenador Moisés Melo dos Santos. “A escola já é referência de ensino no bairro e fora dele, tanto que filhos dos diretores e professores estudam aqui”, comenta. Para Santos, formado em Filosofia, é gratificante encontrar crianças da 7a série, por exemplo, comentando textos do filósofo Renato Janine Ribeiro sobre ética e moral: “Nunca vi nada parecido nas escolas em que lecionei”. O coordenador explica que alunos da 5a e da 6a série têm contato com trechos filosóficos, durante as aulas de História, com resultados positivos, produtivos e edificantes: “Quanto mais cedo iniciar na Filosofia, melhor”.

Maria das Graças Leocadio – Da Agência Imprensa Oficial

 

(AM)