Escola estadual reduz agressões físicas e psicológicas entre alunos

Iniciativa pioneira foi desenvolvida em escola da zona norte da capital

qua, 28/03/2007 - 11h19 | Do Portal do Governo

Os estudantes entram eufóricos para assistir a mais uma aula. Enquanto o professor não chega, um deles grita bem alto: “Ô Paraíba, passa o caderno”! O outro responde: “Já vai, porco-espinho!”. Essas cenas ocorriam, até pouco tempo, na Escola Estadual Prof. Walfredo Arantes Caldas, na Vila Penteado, na zona norte da capital. Desde o mês de agosto de 2006, professores e alunos iniciaram projeto para combater essa prática comum em todas as escolas do mundo e do Brasil: o bullying. O termo, em inglês, define a prática de brincadeiras de mau gosto, disfarçadas por um duvidoso senso de humor ou pela utilização da superioridade física para intimidar alguém.

Estudos indicam que as simples “brincadeirinhas de mau gosto” de antigamente, hoje denominadas bullying, podem levar a sérias conseqüências: desde simples problemas de aprendizagem até a transtornos de comportamento responsáveis por índices de suicídios e homicídios entre estudantes.

O Walfredo comporta 2,5 mil alunos, divididos em três turnos: manhã, tarde e noite. Compreende o ensino fundamental (5ª a 8ª série), o ensino médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) – antigo supletivo, com idades entre 15 e 19 anos). “O projeto foi adotado em nossa escola porque observávamos nas atividades diárias constantes agressões físicas, verbais e morais entre alunos, tanto no dia-a-dia da sala de aula como em outros espaços. Quase 60% dos casos envolviam bullying”, afirmou Jayson Magno da Silva, professor de Matemática e responsável pela iniciativa.

“Nossos estudantes vivem na periferia, onde faz parte da cultura social estigmatizar quem não se enquadra nos padrões da comunidade. Tentamos sempre resolver a situação, mas estávamos perdendo para a violência da comunidade e aquela que é veiculada pela mídia”, analisou o coordenador pedagógico, Antonio Dionísio.Técnicas de sensibilização – “Queríamos evitar o que ocorreu em Taiúva (interior de São Paulo), em 2003, quando um aluno obeso, que passava constantemente por humilhações, pegou um revólver, encaminhou-se para a escola, e atirou em quem estava à sua frente. Em seguida, suicidou-se. É um processo que pode ser parado a tempo, com técnicas de sensibilização. Nosso objetivo é fazer o aluno entender o que o outro sente quando passa por constantes humilhações,” explicou Rosângela Boring, professora de Geografia.

O projeto Lições de Cidadania e Direitos Humanos: Escola Sem Bullying foi submetido à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (Cenp). Após analisado e aprovado, a escola recebeu verba para a realização de atividades pedagógicas com os alunos do 1º ano do ensino médio regular, do período noturno, durante o segundo semestre do ano passado. Cerca de 200 alunos participaram da ação.

“A idéia de abordar as práticas de bullying num projeto interdisciplinar partiu dos professores das disciplinas de Filosofia, Geografia, Língua Inglesa e Matemática. Em suas práticas pedagógicas, eles notaram a necessidade e a urgência de um trabalho como esse, tendo em vista as diferentes agressões (moral, física, verbal, etc.) vivenciadas no cotidiano das atividades escolares, nos diferentes tempos e espaços,” explicou o professor Jayson.

O supervisor de ensino da DE-1–Norte disse que “a iniciativa foi pioneira e importante para a escola, para os professores e, principalmente, para os alunos que aprenderam a respeitar o outro”.O projeto – O professor Jayson, que tem pós-graduação em Tecnologias Educacionais pela PUC-SP, é um pesquisador apaixonado pelo tema. “Li muitos textos, discuti com os meus colegas aqui no Walfredo, que ficaram encantados com a proposta e então elaboramos um projeto que foi submetido à Cenp. “Os professores tornaram-se excelentes companheiros de jornada e levantaram a bandeira da campanha anti-bullying”, recorda Jayson.

Com jornada de 180 horas, professores e alunos realizaram seminários sobre racismo, pluralidade cultural, orientação sexual, entre outros. No começo, a garotada que participou do projeto-piloto estranhou o tema, as perguntas eram muitas. “Os debates eram acalorados. Nosso objetivo era reduzir em pelo menos 90% as diferentes formas de agressões e de desrespeito à cidadania e aos direitos humanos entre os estudantes participantes. Durante o processo, as vítimas foram se aproximando e contando seus casos, o que facilitou o diálogo entre as partes”, contou Rosângela.

Cada professor buscou em sua disciplina um gancho para trabalhar o tema. Assim, a professora de Inglês e Português criou cartazes de campanha contra o bullying e apresentou jornais, revistas e livros que tratavam do assunto. Em História, foi trabalhada a questão do negro e do racismo no Brasil, que também é um dos motivos do fenômeno. Já a Geografia estudou os fatores políticos e econômicos que traçam os caminhos da desigualdade no Brasil.

“Para a abertura do projeto, apresentamos aos alunos o filme Um Grande Garoto, com o ator inglês Hugh Grant. Conta a história de um homem que inventa que tem um filho apenas para poder ir a reuniões de pais solteiros, onde pode conhecer novas mulheres e ter relacionamentos rápidos, sem nenhum compromisso. Num desses encontros, ele conhece um garoto de 12 anos completamente o seu oposto e com quem passa a conviver cada vez mais. Descobre, então, que o garoto passa por várias situações complicadas que envolvem bullying”, explicou Jayson.

Inclusão virtual – Seminários, debates, pesquisas em livros e Internet foram as ferramentas utilizadas pelos professores para ajudar os alunos a entenderem o fenômeno e ter atitudes pró-ativas para mudar a situação das vítimas e dos agressores. “Nossa região é muito carente e os alunos não têm oportunidade de entretenimento. Existem lan houses em cada esquina do bairro, e como alguns jovens não tinham acesso à web, montamos uma sala com Internet para incluir alunos na rede mundial”, informou Rosângela. O resultado foi excelente. Eles criaram uma comunidade virtual (http://projetoescolasembullying.zip.net) no site Orkut na qual discutiam a sua situação tanto como agressores ou vítimas. A comunidade virtual respondeu bem ao apelo e os debates foram muito produtivos. Notamos uma grande mudança nas relações humanas, no convívio escolar e no social”, explicou Jayson.

Desafios – Para este ano, outros professores estarão envolvidos no mesmo processo. “Pretendemos expandir o projeto para toda a escola, mas para isso precisamos redobrar os ânimos. E estamos aqui para isso, para levar a toda a comunidade escolar aqui do Walfredo uma cultura de paz”, finalizou Rosângela.

Maria Lúcia Zanelli – Da Agência Imprensa Oficial

 

(AM)